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Mapeamento e potencial de produção de frutos de Buriti nas cercanias de Rio Branco

O buriti (Mauritia flexuosa) é uma palmeira dióica, ou seja, suas plantas são masculinas ou femininas e a polinização na espécie é obrigatoriamente cruzada. Os frutos são produzidos apenas pelas plantas femininas e esta característica natural representa um desafio para a implantação de plantios em larga escala desta espécie, pois só é possível saber o sexo das plantas quando as mesmas começarem a produzir flores, o que costuma ocorrer após 3-4 anos de cultivo. O plantio de 3-4 mudas por cova para um desbaste posterior é uma alternativa, mas o porte exagerado da espécie implica em prejuízos ao desenvolvimento normal das plantas.

O buriti é uma palmeira de grande porte e, quando crescendo em locais favoráveis, como áreas alagadiças ou solos com drenagem deficiente pode formar grandes populações mono específicas ou oligárquicas, conhecidas popularmente como ‘buritizais’. Alguns buritizais podem ocupar áreas contínuas de até 1 milhão de hectares, como ocorre nas cercanias da cidade de Iquitos, na Amazônia peruana. No Brasil o buriti é uma das palmeiras mais amplamente distribuídas, podendo ser encontrada desde a Amazônia até as regiões Sudeste e Nordeste. No Acre é uma das palmeiras mais comuns, sendo, entretanto, mais abundante no vale do Rio Juruá, no oeste do Estado.

Tradicionalmente, as partes mais exploradas do buriti são as folhas, usadas em artesanatos e movelaria, e os frutos maduros, muito usados no preparo de alimentos, como sucos, sorvetes, doces e licores. Em algumas localidades do interior do Acre os extrativistas praticam a criação extensiva de porcos caseiros em áreas de buritizais, como tivemos a oportunidade de observar ao longo das várzeas do Rio Juruá-Mirim, nas cercanias de Porto Valter.

A popularização do uso do biodiesel no Brasil despertou grande interesse sobre o buriti tendo em vista o grande potencial de produção de óleo representado pelas extensas populações naturais da espécie existente por todo o país. Estudos químicos já comprovaram a viabilidade da síntese de biodiesel a partir do óleo extraído dos frutos do buriti. O biodiesel é um biocombustível produzido, dentre outras matérias primas, a partir do óleo vegetal e pode ser utilizado como substituto direto do óleo diesel mineral produzido a partir do petróleo. O mercado para o biodie-sel no Brasil é extremamente promissor em razão da exigência governamental de adição de biodiesel ao diesel derivado de petróleo comercializado no país. Atualmente esta adição é de 5%, mas o plano do Governo Federal é que se chegue o mais rápido possível aos 20%.

A exploração extrativista de buri-tizais nativos no Acre é desejável porque se contrapõe à agricultura itinerante de queima e derruba da floresta e à exploração madeireira predatória, responsáveis por grande parte da degradação ambiental verificada no estado na atualidade. Um eventual sucesso dessa iniciativa também poderá contribuir para a preservação de nossas florestas que quando valoradas comercialmente são geralmente preservadas. Um exemplo disso são as florestas nativas ricas em castanheiras e seringueiras.

Como contribuição para a futura exploração de buritizais nativos no entorno de Rio Branco, uma equipe do INPA e do Parque Zoobotânico da UFAC, com apoio financeiro da Eletronorte e da Funtac, realizou o mapeamento dos buritizais da região com o objetivo de determinar a densidade natural das plantas e estimar o potencial de produção de frutos.

O mapeamento foi realizado apenas em regiões de fácil acesso para evitar futuros problemas de escoamento da produção de frutos tendo em vista o curto período de conservação dos frutos maduros e o fato da usina produtora de biodiesel estar localizada em Rio Branco. O estudo foi realizado entre os meses de maio e julho, durante a safra. A localização dos buritizais foi feita com auxílio de informantes e observações visuais. Outras observações foram feitas em escritório, em imagens disponíveis no programa Google Earth. As populações encontradas foram mapeadas e tiveram a área estimada com auxílio de GPS, usando-se o programa GPS TrackMaker. Para o cálculo da densidade de plantas e da proporção de plantas masculinas e femininas, em cada população mapeada foi demarca-da uma parcela com 2.400 m² (60 m de comprimento x 40 m de largura), onde todos os indivíduos em estágio produtivo foram contabilizados e observados quanto ao sexo. O cálculo preliminar do potencial de produção de frutos consistiu na estimativa de produção anual de frutos por palmeira, usando dados obtidos em um experimento de amadurecimento artificial de frutos, multiplicada pelo número estimado de plantas femininas encontrados nas áreas mapeadas.

O resultado do levantamento indicou a existência de 16 buritizais considerados significativos tanto sob o ponto de vista de tamanho quanto pela facilidade de acesso a partir de Rio Branco. A área estimada dos buritizais levantados foi de 102,5 hectares, sendo a maioria deles do tipo oligárquico. Alguns buritizais, especialmente os de menor área, se constituem em populações mistas, onde não se verifica a predominância do buriti de modo similar ao verificado nas áreas oligárquicas. A densidade geral para todas as áreas levantadas variou entre 245 e 448 plantas/hectare e a relação entre plantas masculinas e femininas variou de 1:2,4 a 1:4. Estes números sugerem que a quantidade de plantas femininas, produtoras de frutos, variou entre 102, na menor densidade encontrada, a 112 indiví-duos/hectare, nas áreas mais densas. O cálculo da estimativa de produção de frutos/hectare resultou em valores que variaram entre 800 e 1.200 kg, considerando a expectativa de se encontrar 102-112 plantas femininas/hectare. O maior buritizal encontrado durante a realização do estudo é uma população oligárquica com área contínua superior a 60 hectares localizada nas cercanias da Vila Belo Jardim.

A conclusão do estudo é de que o potencial de exploração dos buritizais mapeados é promissor tendo em vista a facilidade de acesso e a distância dos mesmos à unidade produtora de biodiesel. Apesar disso, a exploração em bases comerciais dos frutos para a produção de óleo depende do estabelecimento de uma cadeia comercial ainda inexistente. Por outro lado, a existência da maioria dos buritizais mapeados no entorno de Rio Branco está ameaçada pela especulação imobiliária. Na região do Amapá, na APA do Lago do Amapá (ver figura), os buritizais foram e continuam a ser destruídos para dar lugar a chácaras de recreio. Em outra área, nas cerca-nias do bairro Santa Inês, o avanço desordenado da urbanização tem resultado no assoreamento e destruição de dezenas de hectares de buritizais produtivos. Portanto, a aceleração do processo de aproveitamento do óleo de buriti para a produção de biodiesel no Acre é uma necessidade que representa não apenas o estabelecimento de um sistema sustentável de exploração extrativistas dos frutos da espécie, mas também a valoração econômica da espécie, o que poderia, em teoria, minorar a destruição das populações naturais existentes na zona periurbana de Rio Branco.

(1) Evandro José Linhares Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico; (2) José de Ribamar Bandeira é técnico do INPA/Parque Zoobotânico; (3) José Evandro Santos Lima é filho de extrativista e cresceu nas florestas do rio Bagé, no alto rio Juruá.

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