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Los Porongas: “não precisa esperar por um edital pra fazer algo legal”

 Se a velha piada de que “o Acre não existe” fosse verdade, perderíamos uma das bandas mais representativas do cenário independente do Brasil. Comemorando dez anos de estrada, os acreanos do Los Porongas vivem um ano especial. Além de uma turnê comemorativa, também lançaram o clipe da canção A Dois, que está no disco O Segundo Depois do Silêncio (2011).

 Dirigido por Vivi Rodrigues, o clipe mostra um passeio de diversas duplas: “uma ode ao amor, independente da forma, da maneira”, segundo Diogo Soares, vocalista da banda, em entrevista ao blog.
Falando em “independência”, o clipe mostra um pouco da realidade das bandas que gostam de produzir vídeos sem esperar por ajuda externa de editais ou as polêmicas leis de incentivo que sempre dividem opiniões. “Além de ter sido todo produzido e rodado com a ajuda dos amigos. ‘A Dois’ é a prova de que não precisa esperar por em edital pra fazer algo legal”, explica Diogo.

Leia a entrevista:

O que é ser independente no Brasil?

 Acho que nos dias de hoje, no Brasil, nem existe qualquer outra opção pra maioria dos músicos. As gravadoras se interessam por ti depois que tu tem gente lotando shows e uma boa repercussão na internet. A lógica se inverteu mesmo e isso é legal, porque dá mais liberdade. Ser independente em qualquer lugar, e mais ainda no Brasil, onde o mercado para bandas autorais que fazem música pop ainda é uma criança, é investir nas possibilidades variadas. É ter exclusividade com a sua música e conseguir o máximo de parcerias para fazer o que uma gravadora faria por você. Se não sabe escrever projeto, arranja quem saiba, se não sabe vender shows, procura quem vende. E tem que ser flexível, pensar o show a partir das condições oferecidas, mas impor limites pra não cair em roubada.

No final das contas, ser independente é bom ou ruim?
É bom porque é bom ser chefe de si, mas tem o lado de organizar os planos que é difícil porque é tudo misturado vida, sonho, trabalho. A liberdade de fazer as coisas do nosso jeito é maravilhosa, mas além do acaso tem o que esse mercado oferece pra um músico hoje. A situação não é alentadora, mas dá pra ver que está num caminho bom, num crescendo. É um processo mesmo, em várias cidades a coisa tá começando ainda e não dá pra fugir disso. Há cinco anos era pior e muito diferente, hoje está melhor e acredito que a postura dos artistas em garantir condições mínimas de trabalho contribui demais para que o mercado independente no Brasil entenda que exigência não é frescura.

Como enxergam o cenário brasileiro para o artista independente? E no geral?
Vivemos um momento muito rico, de muita produção no país todos e isso é bom demais, porque o Brasil vai se conhecendo melhor. Tem muitas inciativas surgindo, coletivos de cultura trabalhando em todo canto e tem também um diálogo maior com o poder público, o que gera de muitos editais de cultura, mas em São Paulo. Por exemplo, desde que chegamos, o número de casas noturnas pra se tocar diminuiu, enquanto em Rio Branco aumentou, enfim, nessa gangorra maluca agora que muita coisa está ganhando sustância, das carreiras de artistas brasileiros à força dos movimentos sociais da cultura. A resistência parace um misto de sina com estratégia mesmo, por isso que no geral eu penso que as oportunidades nunca foram tão amplas, falando inclusive do mercado internacional pra bandas brasileiras.

Qual é o papel da internet na vida do artista independente?

É total, somos todos independentes dependentes dela.

Ser um artista do Acre oferece uma distância física desafiadora para os shows no eixo Rio-SP. Ainda é vital se concentrar nestas capitais?

 Para nós foi. Viemos pelas circunstâncias espaciais, mas também por conta do nosso tempo. Sentíamos que precisávamos e que podíamos. Apostamos nas nossas canções e viemos. Apesar de ouvir que estávamos perdendo nossas raízes, traindo o movimento, em busca do eldorado fantasioso, armamos nossa base na cidade de onde se voa mais barato para qualquer lugar do Brasil e fizemos muito mais shows do que se continuássemos morando no Acre. Mesmo que não seja imprescindível vir para o eixo para levar uma carreira pra frente, tem sempre a sorte, a fé e o amor que não cabem em planilhas do excel e sempre vão fazer as pessoas tentarem o desconhecido.

Dez anos de banda não é para qualquer um. Qual é o segredo para longevidade, já que hoje em dia é comum ver os projetos acabarem rapidamente?

 Sinceramente não sei tem um segredo, talvez sejam vários, escondidos em cada oportunidade que a gente teve. Tocar como se fosse a última vez sempre, compor mais com o coração que com a cabeça, acreditar nas decisões do grupo independente do mercado, dos ativistas sociais da cultura e da mída talvez estejam entre esses segredos, mas além disso o fato de ver cada vez mais pessoas cantando nossas músicas em cidades espalhadas pelo Brasil é um dos grandes motivos que nos faz seguir. Voltar em Rio Branco é sempre um tesão, dos maiores da vida, e tem a possibilidade dos encontros que a música gera. Isso tudo dá uma sensação de que o caminho realmente é mais interessante que qualquer objetivo que pudéssemos ter na nossa cabeça quando a banda começou. Aí a gente vai em frente pensando no próximo show, no próximo disco, clipe, post…

Um balanço destes 10 anos de estrada: qual é a maior lição que tiraram dessa carreira?

 De que o I Ching está certo quando avisa a humanidade de que tudo está sempre mudando, nada é estático, tudo é um processo. E acho que o maior aprendizado foi com as pessoas que fazem música e vivem para ela. Maurício Pereira nos disse que o músico tem que pensar como o lavrador, é safra e entre-safra; Bruno Gouveia, quando participou de um show nosso em Belo Horizonte, me falou de paciência quando se está por baixo e humildade quando se está por cima; o Dado Villa-Lobos compondo e tocando em frente, colocando suas músicas no mundo; o Daniel Groove, que veio do Ceará para São Paulo, dizendo que olhar o tempo ajuda a esperar, enfim, quando a isso tudo se aloja no coração percebemos que a música é uma escola de vida sem comparação.

O clipe A Dois é bem curioso. Como surgiu e desenvolveram a ideia?

 A mensagem levou a idéia do clipe pra frente. Nosso baterista, Jorge Anzol, teve um insight de fazer um clipe com várias duplas, numa ode ao amor, independente da forma, da maneira. Ele teve essa idéia depois de uma grande amiga nossa pedir pra chamar a música “a dois” de “a duas”. Na época, a homofobia tinha causado um clima estranhíssimo em Rio Branco, que até tem um histórico de tolerância. Um ano depois a idéia chegou até a diretora Vivi Rodrigues, que pensou no clipe em movimento, e lá fomos nós atrás de um caminhãozinho pra rodar pelo bairro, o Studio SP nos emprestou o sofá vermelho. O diretor de fotografia, Felipe Bentivegna teve a sacada de fazermos em slow, só que a música está na velocidade normal. Tivemos que gravar cantando sobre uma versão mais rápida pra ter sincronia e isso deu uma onda massa. Além de ter sido todo produzido e rodado com a ajuda dos amigos. A Dois é a prova de que não precisa esperar por um edital pra fazer algo legal.

 

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