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Dendê: o que estamos esperando para cultivá-lo em larga escala?

Em meados de 2010 o parlamento da Comunidade Européia aprovou legislação obrigando as empresas que comercializam produtos alimentícios a informar aos consumidores daquele continente a presença de óleo de dendê na composição dos mesmos. Isso foi feito para atender o clamor de organizações da sociedade civil que afirmam que a expansão do cultivo de dendê em países asiáticos com pouca disponibilidade de terra agricultável está causando a destruição de florestas nativas que abrigam animais no limiar da extinção, como orangotangos, tigres, rinocerontes e elefantes. Além disso, essas organizações argumentam corretamente que a destruição de florestas nativas contribui para o aquecimento global, pois as mesmas são importante repositório de carbono.

Segundo o diário inglês Daily Telegraph, as exportações mundiais de óleo de dendê passaram de 500 mil toneladas em 1962 para 2,4 milhões em 1982. Em 2008 a produção atingiu 48 milhões de toneladas. E as previsões são de que, mantida a situação atual, a demanda por esse produto poderá duplicar até 2030. Uma das principais razões para esta explosão na demanda global pelo óleo de dendê é a possibilidade de seu uso como biocombustível. Por isso existe um movimento de organizações não governamentais nos países desenvolvidos para boicotar o consumo de óleo de dendê e com isso forçar a queda na demanda mundial por essa importante commodity. Isso provocaria uma diminuição do seu preço e tornaria a expansão da cultura menos atraente sob o ponto de vista econômico.

Refletindo o clamor popular, um relatório do Parlamento Britânico sugeriu que a Comunidade Européia deveria renunciar à promoção indiscriminada dos biocombustíveis porque causam mais danos que benefícios para o meio ambiente e prejudicam a economia dos países mais pobres. Apesar de parcialmente verdadeira e procedente, a preocupação do parlamento britânico deixar ver que existe muito mais do que mera preocupação ecológica e econômica no fato.

A expansão inicial no consumo mundial de óleo de dendê verificada nas décadas de 60 e 70 decorreu da demanda gerada pelo setor industrial alimentício, especialmente as grandes multinacionais, então reféns do agronegócio de soja americano que monopolizava o fornecimento mundial de óleo e gordura vegetal.

O óleo de dendê se estabeleceu no mercado internacional por duas razões principais: deriva de um cultivo com alta produção de óleo/hectare (5,5 t x 0,5 t do óleo de soja) e menor preço de comercialização (U$ 750/t x US 1.100/t do óleo de soja) em razão dos menores custos de produção. O dendê é uma planta perene que pode ser cultivada por mais de 30 anos enquanto que a soja é anual e demanda uso intensivo de máquinas, fertilizantes e pesticidas. Por essas razões, em pouco mais de 40 anos o óleo de dendê passou a dominar o mercado mundial de óleos e gorduras vegetais e em 2006 já representava 52% desse mercado, ante 19% da soja.

A reação ao avanço do óleo de dendê no mercado por parte do complexo produtor de soja e derivados americano foi brutal. Várias campanhas contra o consumo do óleo de dendê foram engendradas e tiveram sucesso parcial em conter o avanço de seu consumo. Todos já ouvimos falar que as gorduras saturadas são péssimas para a saúde não é mesmo? Quem vocês acham que ficou feliz e ajudou a espalhar pelos quatro cantos do planeta que o óleo de dendê possui quase quatro vezes mais gordura saturada que o óleo de soja? Eles mesmos, os produtores americanos.

Isso ajudou a diminuir a demanda pelo óleo de dendê e sem perspectivas de crescimento do consumo mundial o avanço da cultura se estagnou. Até o advento de seu uso para a produção de biocombustível os agricultores asiáticos apenas cuidaram dos plantios existentes.

A tendência de uso em massa de biocombustíveis (excluindo a cana-de-açúcar) se iniciou há pouco mais de 10 anos com a disparada nos preços do petróleo. Isso viabilizou investimentos na pesquisa e produção de biocombus-tíveis tendo em vista o potencial de demanda representado por países e amplos setores da economia global dependentes do petróleo. O dendê foi selecionado como o cultivo mais promissor em razão de seu alto rendimento na produção de biocombustível (quantidade de óleo/hectare de cultivo): três vezes maior do que a do pinhão manso, cinco vezes a do óleo de canola e dez vezes a do óleo de soja.

E foi com o aporte de recursos facilmente captados nos mercados financeiros e a perspectiva de lucro fácil transformando o óleo de dendê em biocombustível que a Malásia e a Indonésia, que concentram 90% da produção mundial, investiram alto na expansão do cultivo de dendê. A Indonésia, que já possui seis milhões de hectares de plantios de dendê, pretende plantar outros quatro milhões de hectares da espécie até 2015 visando a produção de biocombustível. Entretanto, como esses países tem sérias limitações territoriais para a expansão desses cultivos, o avanço sobre áreas florestais era inevitável. Reside ai o clamor mundial contra a expansão do cultivo do dendê.

Essa é a ‘inspiração’ na qual a imprensa dos países desenvolvidos, e mesmo alguns importantes periódicos brasileiros, se baseia para afirmar que o dendê é o exemplo perfeito de cultivo para a produção de biocombustível que causa destruição e outros males para o meio ambiente e a economia de quem o produz com esse fim. Pode parecer exagero, mas essa campanha ‘cheira’ a orquestração por parte dos grandes produtores de petróleo da Europa, Inglaterra e Noruega. Afinal eles são os maiores beneficiários do atual boom no preço do petróleo, que de tão elevado viabilizou a exploração de jazidas antes inexploráveis no Mar do Norte.

Por isso vale a pena questionar: a quem interessa a paralisação do avanço do cultivo do dendê, inclusive no Brasil?

É claro que o cultivo de dendê não é isento de causar problemas ambientais. Mas comparado com a soja, seu principal concorrente no mercado tanto na produção de óleo, gordura e biocombustível, são claras as vantagens do primeiro. O dendê, que não representa mercado significativo para as grandes multinacionais do setor agrícola, é uma cultura perene que após dois ou três anos de plantio não requer uso de herbicidas para o controle de ervas daninhas e que ao longo do seu ciclo de produção emprega grande quantidade de mão-de-obra rural. O acesso ao material genético de qualidade deste cultivo não é complicado ou caro. A soja, por outro lado, é uma cultura anual que requer intenso uso de maquinários caros, agrotóxicos em grande quantidade e demanda pouca mão-de-obra rural. É uma cultura cujos principais insumos, especialmente as sementes e herbicidas, são propriedades das grandes corporações multinacionais euro-péias e americanas.

Portanto, se houver vontade política e cuidados ambientais, o cultivo de dendê para a produção de biocombustível no Brasil não causará problemas ambientais similares aos verificados nos países asiáticos, especialmente o desmatamento de novas áreas florestais. Aqui existem milhões de hectares de terras cultiváveis antropizadas ou ocupadas por pastagens degradadas que podem servir como locação para os futuros plantios de dendê. Penalizar indiscri-minadamente em nível global o cultivo de dendê é uma injustiça para os produtores e empreendedores agrícolas brasileiros.

O futuro da produção de biocombustíveis em larga escala não exclui o dendê como uma das espécies prioritárias. O que estamos esperando para começar a plantar dendê?

*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa/Parque Zoobotânico da Ufac.

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