Patrícia de Amorim Rêgo*
Ildon Maximiano Peres Neto*
Apesar de todos os esforços empreendidos pelo Brasil nos últimos anos, continuamos a apresentar números absolutamente desanimadores quanto aos índices de corrupção e de mortes violentas, além de assistirmos a terríveis ondas de violência em alguns estados, provocadas por intrincadas organizações criminosas, que atuam com grande força para subtração da paz pública.
O Mapa da Violência no Brasil de 2013 mostra que, no ano de 2010, ocorreram 36.792 homicídios com armas de fogo no país. A taxa brasileira, neste caso, é de 19,3 homicídios para cada cem mil habitantes, infelizmente, a maior do mundo entre os países mais populosos. Paralelo a isso, segundo reportagem do jornal “O Globo”, de 08 de maio de 2011, apesar do elevado número de homicídios no país, apenas 8% deles eram resolvidos pela Polícia, com indicação do respectivo autor e sua prisão. Em alguns estados a situação era ainda pior, já que em Alagoas, segundo a reportagem, o índice de homicídios resolvidos não chegaria nem a 2%.
No campo da corrupção no trato da coisa pública também continuamos a ter índices vergonhosos. Estamos em 69º lugar, num total de 176 países, no ranking da ONG Transparência Internacional.
Ondas de violência se espalham por alguns estados do país, notadamente em São Paulo e Santa Catarina, ao mesmo tempo em que já se sabe que a organização criminosa intitulada “Primeiro Comando da Capital” estende-se para além do território paulista, para atingir vários outros estados da federação, inclusive o Acre.
Em contraste a todos esses números é forçoso reconhecer que, depois da Constituição da República de 1988, pela primeira vez a Lei penal passou a atingir o andar de cima da sociedade, contrariando a máxima de há muito difundida de que a Lei é como a serpente, só pica os descalços.
Em um cenário como este seria de se esperar o amplo estabelecimento de um debate público em torno de projetos que viessem a garantir um melhor funcionamento das políticas estatais de combate a criminalidade, com o aumento da articulação das entidades que atuam na área. A experiência tem demonstrado que o mútuo apoio entre as instituições é o único caminho para que possamos alterar essa triste realidade.
Não é isso, porém, que se extrai do Projeto de Emenda Constitucional n. 37/2011. Com ele pretende-se conferir apenas às Polícias Civil e Federal o trabalho de investigação de crimes, retirando outros atores do cenário da investigação, notadamente o Ministério Público, a Receita Federal, o Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários, a Controladoria Geral da União, até mesmo o Conselho Tutelar.
Mesmo com todas essas entidades atuando na investigação, cada uma delas em sua área de atuação, ainda temos o quadro desolador a que nos referimos de início, imagine-se o que haverá depois disso, com o estabelecimento do monopólio investigativo? Interesses corporativos não podem ficar acima dos interesses da nação, da sociedade de viver em um ambiente seguro, de ampla honestidade no trato da coisa pública e sem riscos decorrentes do agigantamento de poderosas organizações criminosas.
Não por outra razão que o Ministério Público tem se mobilizado fortemente contra esse Projeto que depõe contra o Brasil. Entre os dias 8 e 11 de abril será desencadeado em todo o país uma ampla mobilização contra a impunidade, com a realização de atos públicos em todas as Comarcas do Brasil, com a deflagração, ainda, de campanhas de conscientização nos meios de comunicação. A mobilização culminará com um ato de Mobilização Nacional contra a impunidade, a ser realizado em Brasília, no dia 24 de abril, com o que contamos com a participação de todos os colegas que puderem estar presentes. No Acre a mobilização será realizada na Assembleia Legislativa, no dia 12 de abril, com a participação de todos os promotores do Estado.
Vários políticos brasileiros já abraçaram essa causa, os quais, mais uma vez destacamos, acreditamos que serão acompanhados pelos parlamentares acreanos, que precisam se manifestar, até para que a população saiba que defendem, de fato, um modelo de proteção social verdadeiramente eficiente, que permite a alteração do estado de coisas em que vivemos para que, de um lado possamos reduzir nossos índices de crimes violentos e a criminalidade organizada, e de outro continuemos a prosseguir nosso caminho para que finalmente possamos afastar aquilo que o Padre Antonio Vieira já dizia em 1655, no famoso “Sermão do Bom Ladrão”:
“Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício, porém ele, que não era medroso, nem lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito os Alexandres”.
É preciso que a sociedade tenha por certo que esta não é uma luta do Ministério Público, como se estivesse em causa apenas um pue-ril debate corporativista, um confronto de instituições. Esta é uma luta de toda a sociedade em torno da proteção de seus valores mais caros. Afinal, quando se enfraquece o Ministério Público perdemos todos nós, que cedemos a força de uma contracorrente que deseja continuar alheia ao alcance das leis e da transformação político-social preconizada pela Constituição de 1988, ainda que para isso sacrifique a lógica e a própria segurança so-cial. Esta é uma luta de todos nós contra a PEC da Impunidade.
*Patrícia de Amorim Rêgo é procuradora-geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre.
*Ildon Maximiano Peres Neto é promotor de Justiça da Promotoria de Justiça da Comarca de Epitaciolândia.