Balseiro de mágoas
Era fim de tarde, num desses dias pesados que qualquer palavra desarma e desmorona até um imortal.
E quando me distrai, divinamente portas se abriram para o rio mergulhar em mim, como se viesse do trono de Jesus, fluindo em espírito para a natureza tal qual canoa sem proa deslizando em beira de banzeiro majestoso.
Onde o tudo, nada num vale hidrográfico, como se fosse, balseiro inteiro que nunca encandeia olhos que possa enxugar as mágoas de um rio que corre sem voltas, inundando a certeza que cheias deixam praias que germinam sementes da existência humana, harmoniosa.
Teus limites não se mede em cheias de margem a margem e nem pela seca na calha que encalha um pé.
Mas, pela natureza das vidas que você sacia na alça do teu vale.
E quando fixo teus limites físicos você me ensina que o curso de um rio não é estático e nem linear.
O curso de um rio ainda é um mistério que segue saciando a humanidade pela eternidade, sem cessar como se fosse o caminho oferecido pela poesia que purifica a vida.
Meu rio? Qual é teu limite se em curso teu curso pulsa a natureza sem caxingar tal qual tua água que caminha para o curso da imaginação das ideias?
Os substantivos que nave gam: margens, correnteza, praia, areia, pântano e remanso são tuas principais referências de memória e sensação.
Os verbos mergulhar, navegar e refrescar, se agarram ao continente, sem marcas e sem rugas do tempo, tal qual nascentes que iniciam o gotejar de um rio.
De tudo que vi em tuas voltas. Espinho, espiga sossego das flores que em cores bole a emoção, ou será tudo poesia e paixão?
Os rios estão dentro e fora de nossos olhos como recorte de um passado que rema a elegância de teus traços, que não passa na passarela de ilusão.
Mas, no limite da preocupação porque tu és realidade e não ilusão.
Neste ensaio, anseia-me entender teus limites e com ele, distraído quase deslizei na disseminação do limo e da lama corredeira que decanta nas margens o verde do recomeço que ferve dentro e fora de mim.
Emoção só existe em teus veios de justa forma, em forma de salão, barranco e estirão.
Você como mestre da vida, até imaginei o sonho de teus limites, quando sonho. Tal qual o mestre da solidão em águas de verão que encanta e nos traz inspiração.
Não dirão amanhã que teus limites são incertos. Certo mesmo é a tua passagem pela sede na superfície ou no coração da vida, sem importar-se com a planície que fixa teus limites.
O veio que você foi gerado nos traz inspiração pra saciar a emoção nos goles em multidão.
Em tuas margens inunda-se a certeza que não se banha por duas vezes o destino dos homens.
Tua hora não se desfaz, você é a imagem desse instante gravada nos talos e taludes da consciência.
Protejo tuas margens para te ver longe de olhares despidos de emoções supondo te ver feito euforia em calha coberta de argila que desfila retas e meandros.
Enfim, para conhecer teus limites, meu rio! de cujas águas eu nasci hoje minha voz sem tenor já não ecoa entre o ponto que converge para as águas e o ponto que nasce os homens.
Minha emoção enche o peito do rio como se a noite fosse um banzeiro ciscando em águas nascentes. Os rios quando ainda são rios, a mata nasce em terra molhada, da amada de água rendeira.
Inteira e sem fraqueza.
Sem vazar e sem sobrar, sem cair da calha ou encalhar na remada da catraia que chega de peito nu e pés descalço na madrugada que sempre desejamos sonhar.
Meu rio, o que Deus tem preparado pra você, vai além do que posso imaginar.
Se te arrastam, não tenho pressa de te confessar que a maior virtude é decifrar a distância entre o tempo e a hora de semear.
* Claudemir Mesquita