“Ih! Aqui tem cadeira pra gordo!”. Foi a forma bem humorada que a atriz Wlad Lima (ou como gosta de ser chamada, Gorda Wlad) se referiu ao perceber cadeiras mais largas no auditório do Cine Teatro Recreio. “E outra coisa, desça aquela mesa ali de cima [havia uma mesa com microfones no palco, acima do público] que isso aqui vai ser uma conversa”.
Ela veio, junto com o bonequeiro “Chico” Simões, fazer abertura da Semana do Teatro, organizado pela Federação de Teatro do Acre. Juntos, o discurso se harmoniza naturalmente.
Eles concretizam um teatro pleno de simplicidade, mais próximo do público, menos rebuscado. “Tudo está se deslocando para o nosso lugar, para o nosso ambiente e é preciso compreender isso para fazer teatro”, ensina a Gorda Wlad. Em uma rápida conversa antes da palestra, eles falaram ao jornal A GAZETA.
O teatro está em crise?
Gorda Wlad – Eu desejo falar muito sinceramente do meu lugar que é Belém do Pará. O que eu percebo, não só na Amazônia, mas no Brasil, e eu ampliaria até para o mundo, é que tudo está se deslocando para ‘o lugar’. Por isso, nós temos que repensar várias coisas.
Inclusive o teatro?
Gorda Wlad – Até hoje, o teatro sempre foi, desde a sua origem, uma atividade, um ato so-cial comunitário. Mas, de que comunidade a gente está falando? Quando a gente fala teatro, comunidade, cidade… todas essas palavras têm plurais ocultos aí. Você está falando de ‘teatros’, de ‘cidades’ dentro dessa cidade. Aqui mesmo em Rio Branco você tem várias ‘cidades’. A pergunta é ‘quem tá fazendo’; ‘o que tá fazendo’ e ‘pra quem tá fazendo’. Eu estou fazendo teatro pra quem? O que que eu quero? Nós temos muitos imaginários que são colonizadores mesmo na nossa cabeça. Às vezes, eu monto uma peça querendo ser reconhecida pela comunidade teatral do país etc, mas às vezes nós não vamos para dentro da nossa região.
Você poderia exemplificar?
Gorda Wlad – Em Belém, onde eu moro, existe uma zona de meretrício bem no centro. Eu moro na zona do meretrício, na Rua Riachuelo, a Rua das Putas, em Belém. Mas, é um meretrício decadente. Elas são avós já. Esse teatro é muito é muito badalado. A categoria tem muita paixão por quem faz peça lá no Cuira. Aí tem gente que vai pra lá e diz assim. ‘Poxa! Eu vim pra cá e a sociedade paraense não vem ver! Belém não vem ver!’ Aí eu digo. ‘Mas, meu amigo, você optou por vir aqui pro Cuira, na zona do meretrício. O público é outro. É outra coisa. Que sociedade paraense é essa que tu tá esperando aqui no Cuira? Você pensou antes de se colocar aqui? Você está esperando o público do Teatro da Paz, que é só atravessar a rua. O público de lá não vai vim pra cá!’
Compreendendo a realidade que se vive, de que forma o teatro pode intervir mais diretamente na comunidade?
Gorda Wlad – Hoje, há muita coisa que é mediada; há muitas diversões; muitos entretenimentos; Cultura; Política… muita coisa sendo feita mediada. Mas, o teatro, não. O teatro abre mão dessa mediação. É ele e o público. Nós fazemos juntos, entende? Então, eu acho que isso precisa ser valorizado. É como se tivéssemos que reaprender. Faço teatro há mais de 30 anos, mas eu fico me perguntando. ‘Mas, o que é mesmo que faz a diferença nesse momento de encontro?’ Eu não vou fazer teatro pra mil, pra dois mil, pra três mil. Eu faço até teatro de porão. O último espetáculo que eu fiz no porão, eu fiz para oito pessoas. Era tão absurda a relação do valor, que foi dispensada até elas pagarem. Terias que haver apenas o comprometimento da presença. A experiência é intensa. É um abismo. É uma surpresa. Porque eu quero que ela fale. Porque eu toco no corpo dela. Porque eu falo do lado dela. Porque eu exponho uma situação muito forte. A pessoa não consegue sair do porão sem me dizer… ‘Eu também sofri esse negócio aí que tu tá falando!’
Chico, o teatro só vem para dizer alguma coisa mesmo? Ele vem para fazer, de alguma forma, alguma ‘intervenção’?
Chico Simões – Eu brinco teatro e olho primeiro para o público. Eu não sei o que vou dizer. Eu não sei o que vou fazer. Primeiro, eu gostaria de saber quem é o público do teu jornal.
Classe média ou classe média baixa; funcionário público; ou trabalhadores que se interessam por política; alguns empresários…
Chico Simões – Então, tá. Eu vou pedir licença para o seu público e vou falar para o lanterneiro que vai colar o jornal na lataria do carro; ou para o lavador de carro que vai forrar piso do carro [risos]. O teatro é o lugar da ação dramática. Os problemas que estão ocorrendo em relação ao teatro não cabem só ao Acre. Antes fosse. Esse modelo de vida fundamentado no consumo que nos está sendo apresentado é excessivamente individualista, consumista e pouco criativo. É lógico que esse modelo tem sedução grande, mas para vender e nisso vão sufocando a nossa capacidade criativa. A nossa capacidade crítica. Nós que fazemos teatro estamos perdendo a nossa capacidade de indignação das condições sociais. Nós estamos perdendo a capacidade de criar com os nossos próprios meios.
Na prática…
Na prática isso que dizer, por exemplo que nós às vezes ficamos reclamando recursos, políticas culturais ‘Não se faz porque não tem dinheiro! O governo não apóia!’ E o que está faltando não é só isso. O que está faltando é nós também nos reconhecermos co-mo criadores, como sujeitos capazes de, em grupo, produzirmos, com os nossos próprios meios, o que nós vamos consumir.
Semana do Teatro apresenta O Romance do Vaqueiro Benedito na Usina de Arte
Artistas e amantes das artes comemoram o 27 de março, Dia Mundial do Teatro. A Semana do Teatro, que teve início no último dia 22, encena vários espetáculos de palco e rua, ocupando até o dia que se celebra a data, os espaços de Rio Branco, além de Plácido de Castro, Xapuri, Senador Guiomar e Brasiléia.
As montagens passeiam por uma variedade de enredos. Uma dessas produções é “O Romance do Vaqueiro Benedito”, pelo ator Chico Simões, do grupo Mamulengo Presepada de Brasília. A produção terá como palco a Usina de Arte João Donato, no dia 25, segunda-feira, às 15h.
Sobre a montagem – Com bonecos e fantoches, o espetáculo mostra a aventura de um boiadeiro do sertão nordestino. Acompanhado do boi Estrela, Benedito leva a esposa prestes a dar à luz para o hospital. Quando o sogro, João Redondo, descobre sobre a gravidez da filha, manda uma cobra para assustá-los e o animal acaba engolindo a família do vaqueiro. Para resgatar os parentes, o personagem conta com a ajuda do público. O roteiro pode variar também de brincadeira para brincadeira, mas sempre tratará de questões particulares que se universalizam por identificação com qualquer plateia.
A Semana do Teatro é financiado pelo FunCultura, do Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura (PreCult), do governo do Estado, através da FEM; e pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura da FGB. (Rose Farias / Ascom Fem)