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Concursos públicos abandonam a dignidade da pessoa humana?

Assente é, na moderna doutrina constitucional, que a Constituição é uma norma jurídica e não uma norma qualquer, mas a primeira entre todas, lex superior, que, em virtude de sua supremacia, erige-se como parâmetro de validez das demais normas jurídicas. A proclamação do valor distinto da pessoa humana terá como consequência lógica a afirmação de direitos específicos de cada pessoa, o reconhecimento de que, na vida social, ele, o ser humano, não se confunde com a vida do Estado, além de provocar um “deslocamento do Direito do plano do Estado para o plano do indivíduo, em busca do necessário equilíbrio entre a liberdade e a autoridade.

O indivíduo é uma “unità chiusa in se stessa”, a pessoa é uma “unità aperta”. Em consequência, não há que se falar, aprioristicamente, num predomínio do indivíduo ou no predomínio do todo. A solução há de ser buscada em cada caso, de acordo com as circunstâncias. Solução que pode ser a compatibilização entre os mencionados valores, fruto de uma ponderação na qual se avaliará o que toca ao indivíduo e o que cabe ao todo, mas que pode, igualmente, ser a preeminência de um ou de outro valor.

Segundo Lacambra (2010), “não há no mundo valor que supere ao da pessoa humana”, a primazia pelo valor coletivo não pode, nunca, sacrificar, ferir o valor da pessoa. A pessoa é, assim, um minimun, ao qual o Estado, ou qualquer outra instituição, seu valor não pode ultrapassar, ferir. A pessoa é, nesta perspectiva, o valor último, o valor supremo da democracia, que a dimensiona e humaniza. É, igualmente, a raiz antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de Direito o que, como se conhece, não implica um conceito “fixista” da dignidade da pessoa humana, o “homo clausus”, ou o “antropologicun fixo”. Ao contrário, sendo a pessoa unidade aberta, sugere uma “integração pragmática”.

É com base nesses princípios huma-nísticos e constitucionais que direciona-se o presente artigo, naquilo que se refere ao último Concurso Público da UFAC. Não se faz crítica destrutiva, pelo contrário, argumenta-se em favor da humanização da Casa, em seu todo, mesmo nos concursos. Nunca se fez lista dos não aprovados em vestibular ou ENEM. E, agora, qual a diferença entre esses certames e outros? Qual ganho tem a instituição, num concurso público, publicar – via internet, para o mundo –  notas dos não aprovados, conforme consta, hoje, na página principal da UFAC? É uma nova lição educadora, democrática, constitucional? Acredita-se que essa ação significa não procurar as normas do agir humano na experiência, pois isso significaria submeter o ser humano a profunda humilhação. É gritar ao mundo que ele não é apto ao exercício da profissão. E o que caracteriza a pessoa humana, e a faz dotada de dignidade especial, é que ela nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesma.

A quem interessa a divulgação, para o mundo (páginas, sites, blog, via internet), de notas de reprovados e desclassificados em concurso da UFAC? Não basta a divulgação dos nomes dos classificados?! Essa metodologia “transparente” não engrandece a instituição, isso porque a desumaniza quando humilha aqueles que não conseguiram atingir os propósitos do concurso, por variadas razões. Essa metodologia, também, não assegura que houve lisura no processo. Diz-se isso porque não são raros ou invenções os variados casos de direcionamentos de concursos, pelo Brasil, em que bancas premiam parentes, amigos ou colegas. São muitas as histórias. São provas presenteadas, vendidas para um ou para poucos. Essas tais “provas” restritas e direcionadas, numa configuração pontual, deixam os demais concorrentes fadados ao fracasso de notas sofríveis. Isso não é invenção, isso é real. E, lógico, a própria banca ou qualquer outra banca eleita, ao revisar a correção, chegará, sempre, ao mesmo resultado. As respostas dadas são aquelas esperadas, aquelas vendidas ou presenteadas etc. Nesses casos, entrar com RECURSO não conduz a nada. Será necessário cancelar todo o processo que “presume-se vicioso”.

Importante, no caso de concursos viciados, é observar a composição das bancas, as especialidades, as notas díspares e as notas “combinadas”. Todo zelo é pouco ao bem público, ao nome da instituição UFAC, às pessoas envolvidas no Concurso, todas com dever de observar a centralidade dos direitos fundamentais dentro do sistema constitu-cional, que eles apresentam não apenas um caráter subjetivo, mas, também, cumprem funções estruturais, são conditio sine qua non del Estado Constitucional Democrático. É neste sentido de que a pessoa é um minimunin vulnerável que está assentado o estatuto jurídico. Diz-se que a dignidade da pessoa humana é um princípio absoluto. Por isso, repete-se: ainda que se opte, em determinada situação, pelo valor coletivo, por exemplo, esta opção não pode nunca sacrificar, ferir o valor da pessoa.

Retomando a divulgação desnecessária das notas dos não aprovados, o fato faz analogia a um gráfico que nada explica nada, não soma, subtrai. A recomendada prática metodológica é divulgar, apenas, a lista dos aprovados. Isso porque haverá um local, um setor, onde as pessoas poderão obter respostas de todos os resultados: os positivos e os negativos. Não se deseja defender a não divulgação de resultados. Chama-se a atenção para a divulgação desnecessária – em veículos de alcance global – de nomes daqueles não aprovados, por considerá-la uma ação desumana que irá repercutir, negativamente, para aquelas pessoas que não saíram vitoriosas do evento. E nesse meio há profissionais que legaram a instituição UFAC as primeiras patentes, no campo científico.

Ainda, essa malfadada divulgação está sendo olhada como ponto negativo para a Instituição que recebeu, aprovou, em outro momento, determinados candidatos. Como se sentem, por exemplo, os alunos de um professor que foi recebido como visitante e tira nota ínfima no concurso para efetivo? Será que esse professor perdeu sua capacidade intelectiva enquanto ministrava aulas na UFAC na qualidade de Pesquisador Visitante? Embora seja competente para trazer à UFAC as primeiras patentes no campo científico, ministrar aulas como visitante, ele é julgado incapaz para integrar o corpo docente efetivo? É preocupante essa análise, ainda mais quando se avistam as notas iguais que recebeu o candidato. Houve uma unanimidade no olhar, na avaliação? Todos pensam de igual modo? E quando as notas são díspares, uma altas e outras bem baixas, o que aconteceu? Os avaliadores não estavam de acordo? São indagações que não se tem respostas.

Para concluir, diz-se que a UFAC fez e faz história no Acre. Da ilustre Casa sai a mão de obra capaz de alavancar o desenvolvimento do Acre. Então, é preciso cuidar bem de cada detalhe. Infelicidade foi divulgar essa malfadada lista. Quem fez isso, o fez em nome da instituição e não se apercebeu que entre os reprovados estão ex-professores temporários, que através de processos seletivos foram aprovados, lecionaram ou lecionam na UFAC e, por assim ser, contribuíram com a instituição, na formação de muitos profissionais. Então, atitudes paradoxais podem e devem ser evitadas. A UFAC é o bem maior da Educação no Acre. Devem, todos, ser guardiões do seu bom e respeitado nome.

DICAS DE GRAMÁTICA
FAZEM CINCO ANOS ou FAZ CINCO ANOS?
– Fazer, quando exprime tempo, é impessoal. Então, diga: Faz cinco anos. / Fazia dois séculos. / Fez 15 dias.

HÁ DEZ ANOS ATRÁS ou HÁ DEZ ANOS?
– Há e atrás indicam passado na frase. Então, diga: Há dez anos ou Dez anos atrás.

Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Membro da Academia Acreana de Letras; Membro Fundador da Academia dos Poetas Acreano; Pesquisadora Sênior da CAPES.

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