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Abril é um mês emblemático para pessoas igualmente emblemáticas. É o mês que abriga o Dia Mundial de Conscientização do Autismo (02) e o Dia Nacional do Índio (19)

O Autismo é uma das cinco espécies de transtornos invasivos do desenvolvimento (TID). Na condição de transtorno global do desenvolvimento (TGD), pode ser definido como uma perturbação neurocompor-tamental, de base genética, que se manifesta por alterações na interação social, na comunicação e no comportamento. As primeiras características aparecem em crianças a partir dos dois anos e meio de idade.

O termo “autista” tem sido empregado, pejorativamente, em diversos ciclos sociais, para designar a pessoa supostamente “aérea”, “desligada”, “desplugada” do mundo e das intera-ções sociais. No entanto, uma verdadeira cruzada tem sido travada para romper com as barreiras limitantes que o preconceito impõe às pessoas e famílias que convivem com o transtorno. Essa cruzada passa pela busca de diagnóstico e tratamento clínico adequados, respeito, quebra de preconceitos e, por fim, inclusão escolar. E é sobre este aspecto que gostaria de me debruçar.

No Acre, o princípio da educação inclusiva tem sido levado a efeito no seio das políticas públicas educacionais. Com todo o respeito às peculiaridades que determinadas situações exigem, demandando educação exclusiva (aquela ofertada em centros ou unidades que atendem, exclusivamente, pessoas excepcionais), a inclusão de alunos especiais em escolas regulares tem se mostrado um processo precioso no tocante ao rompimento das barreiras do preconceito. Infelizmente, nem todas as escolas públicas oferecem a mesma acolhida e a mesma sorte de profissionais qualificados, amorosos e dedicados. Ainda afloram (embora em menor intensidade) os relatos de maus-tratos ou incompreensões sofridas por alunos especiais, as quais tentamos coibir com energia. De outra banda, apesar dos casos de bullying, as crianças e jovens que integram a atual geração de alunos de nossas escolas públicas têm se mostrado verdadeiros professores: apresentam não só as características plenas para o exercício da tolerância, mas do amor ao próximo, do cuidado, do carinho com os colegas de classe e de escola que demandam atenção redobrada.

Desde o ano de 2007 foram implantadas 181 Salas de Recursos em escolas da rede pública estadual, número que se eleva a 284 quando somadas as das redes municipais. As Salas de Recursos são ambientes pedagógicos específicos, propícios a oferta do chamado Atendimento Educacional Especia-lizado (AEE) e outras modalidades de atendimentos peculiares. Além disso, um conjunto de centros ou núcleos específicos integram a rede pública esta-dual de educação especial: o Centro de Apoio ao Deficiente Visual – CAPDV, o Centro de Apoio ao Surdo – CAS, o Núcleo de Apoio as Altas Habilidades e Superdotação – NAAH/S, o Núcleo de Apoio à Inclusão – NAPI/CZS e o Núcleo de Apoio Pedagógico Dom Bosco são unidades de gestão responsáveis pelo atendimento especial complementar, cuja oferta não é realizada nas salas de recursos, além de trabalhar na perspectiva de formação/multiplicação de profissionais aptos a lidar com a realidade da educação inclusiva.

No ano de 2011, o Governo do Estado, por intermédio da Secretaria de Estado de Educação e Esporte, introduziu a figura do “Atendente Pessoal”. Também conhecido como “Cuidador”, é o profissional que hoje integra a equipe de nossas escolas públicas, cujo trabalho é destinado ao acompanhamento personalizado de alunos com dificuldades severas de mobilidade, de deficiência intelectual ou outras limitações que exijam acompanhamento individualizado.

Ao final do ano de 2012, chegamos ao número de 5.100 alunos especiais, que apresentam diferentes tipos e espécies de condições excepcionais. E não estamos falando somente de deficiências com maior percentual de ocorrência, tais como cegueira, surdez, mutismo ou deficiências físicas. Estamos falando de mais de 13 tipos de situações específicas, incluindo alunos com baixa visão, deficiência auditiva, de fala, deficiência intelectual, deficiência múltipla, altas habilidades ou superdotação, Síndrome de Asperger, Síndrome de Rett, autismo clássico e outros transtornos globais ou invasivos do desenvolvimento sem outra especificação.

No último dia 2 de abril, o Palácio Rio Branco se iluminou em azul, em um ato simbólico que marcou o encerramento de uma semana repleta de atividades voltadas à conscien-tização sobre o autismo e os autis-tas. Conhecer as características dos autistas e com-preender que as dificuldades de comunicação, linguagem e interação social que lhes são peculiares podem ser contornadas e amenizadas é um grande passo para que familia-res, amigos e pessoas do ciclo de relacionamento dos autistas consigam estimulá-los a ampliar e qualificar suas relações sociais.
No caso da população indígena, a situação é bastante diversa. Trato-a nesse mesmo artigo por duas razões: a primeira, pela coincidência do mês que abriga ambas as datas alusivas. A segunda, por tratar-se também de um grupo social minoritário (neste caso, distinto por razões de natureza étnica) em busca de afirmação de seus direitos. Demarcação de terras, seguranças alimentar, autonomia e, claro, educação escolar indígena integram esses direitos. Neste último, reside o meu compromisso mais direto.

A educação escolar indígena acrea-na conta hoje conta 182 escolas, 22 das quais foram construídas ou reconstruí-das nos últimos dois anos. As unidades escolares recém-edificadas se encontram distribuídas em 11 Terras Indígenas nos municípios do Vale do Juruá, Alto Acre e Tarauacá-Envira, com valores estimados em mais de R$ 1 milhão, contemplando 617 alunos. Para o biênio em curso (2013-2014), já se encontram em fase de licitação a construção/reconstrução de 49 novas escolas, com valor de construção estimado em R$ 3 milhões. Estas obras irão beneficiar 18 terras indígenas, com prédios escolares de até cinco salas de aula. Essa rede atende, atualmente, 7.552 alunos índios. Contam com o trabalho dedicado de 440 professores indígenas, 63% dos quais são índios.

Afora a infra-estrutura e os recursos humanos, a  produção de material didático bilíngüe e a formação docente ganham destaque dentre os investimentos realizados na educação escolar indígena: foram elaborados e editados 19 livros didáticos bilíngues, sendo 14 já publicados e outros 5 no prelo. Já a formação básica dos professores indígenas segue um currículo que leva em consideração os conhecimentos das etnias presentes no Estado, agregando conhecimentos das demais sociedades em que o exercício do magistério é executado. A primeira formação teve um total de 70 professores e vem progredindo consideravelmente ao longo dos últimos 13 anos. No primeiro semestre de 2013, o curso de formação de professores será realizado com a participação de 263 professores de acordo com as famílias linguísticas pano, arawá e aruak. Também em 2013, será realizada mais uma etapa de formação básica para 350 professores e formação continuada para mais 66 que concluíram o curso superior.

O desafio, porém, não consiste somente em ofertar educação escolar indígena gratuita e de qualidade para os povos das diferentes etnias presentes em nosso Estado. O desafio é também romper com a barreira dos estereótipos nas escolas não-índias. Nesse sentido, na sexta-feira última, dia 19 de abril, aconteceu o terceiro Seminário de Cultura e Identidade dos Povos Indígenas do Acre, realizado no auditório da Secretaria Estadual de Educação e Esporte (SEE), reunindo educadores e representantes de diversos órgãos públicos para debater sobre a efetividade quanto à implantação da Lei nº 11.645, de 2008, que trata sobre a obrigatoriedade de inclusão de conteúdos voltados à educação para as relações étnico-raciais no currículo das escolas. Passos significativos já têm sido dados nesse sentido, mas a vigilância e o convencimento de docentes e equipes escolares para a importância da temática deve ser constante e permanente.

Como no dizer do sociólogo português Boaventura Souza Santos, cientista social da mais alta estirpe, a diversidade (étnica, religiosa, sexual) não deve ser somente tolerada. Para muito além disso, deve ser celebrada. Isso vale também para a diversidade de ethos que nossas crianças especiais e nossos povos indígenas apresentam. Elas nos ensinam que a diferença é a essência da pluralidade. E a pluralidade (social, política, cultural) é característica da condição humana: não pode haver civilização sem ela.

* Daniel Zen é secretário estadual de Educação.

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