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Africanos reclamam de tratamento desigual na fronteira do Acre

Haitianos1404No centro do abrigo lotado de imigrantes haitianos em Brasiléia, no Acre, cerca de 30 homens agrupados destoam da ruidosa multidão ao redor. Sentados em seus colchões, leem em voz baixa o Corão, livro sagrado dos muçulmanos.

“Todo dia pedimos a Deus que nossa estadia aqui termine logo”, diz à BBC Brasil o senegalês Ahmadou Thiao, 27 anos.

Como Thiao, há no abrigo outros 71 imigrantes do Senegal à espera de um visto para viver no país. E o Islã, fé seguida pela maioria do grupo, não é o único fator a diferenciá-los dos cerca de 1.200 haitianos em Brasiléia.

Enquanto os caribenhos recebem seus vistos em poucas semanas e logo deixam a cidade rumo ao Sul e Sudeste, alguns africanos já aguardam há mais de dois meses por sua regularização – e sem qualquer garantia de que entrarão. A incerteza é compartilhada por oito dominicanos, dois nigerianos e um bengali.

“A situação de onde venho está tão ruim quanto a do Haiti. Por que o governo brasileiro não nos trata da mesma maneira?”, queixa-se o nigeriano Sunday, de 41 anos.

Fluxo migratório
Parte da explicação está numa resolução de 2012 do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), que criou um esquema especial para a concessão de vistos de trabalho a haitianos.

A medida, tomada após milhares de haitianos se arriscarem em longas travessias para ingressar no Brasil por fronteiras no Norte, autorizou a emissão de 1.200 vistos mensais a imigrantes pela embaixada brasileira no Haiti.

Com isso, o governo esperava controlar o fluxo migratório e estimular a vinda de haitianos por avião. No entanto, o número de vistos mostrou-se muito infe-rior à demanda: nos últimos 15 dias, cruzaram a fronteira no Acre mais de 1.300 haitianos, número maior que a cota anual de vistos dados na embaixada.

Imigrantes em Brasiléia dizem ainda que, além da longa espera para agendar entrevistas para tirar o visto em Porto Príncipe, a burocracia desencoraja o procedimento. Assim, embora mais caro, entrar pela Amazônia mostra-se mais atraente – ainda que exija atravessar outros países (Equador, Peru e, em alguns casos, também Bolívia) e sujeitar-se a atravessadores.

Um visto e uma chance
Já os 72 senegaleses tiveram jornada ainda mais desgastante para chegar aqui. De seu país natal, cruzaram a Mauritânia por terra até o Marrocos. De lá, viajaram de avião para a Espanha e, em seguida, ao Equador, onde se incorporaram a grupos de haitianos.

Alguns contam que foram encorajados a vir por amigos que já moram no país, principalmente em SP. Outros, que não tinham planos de viver no Brasil, mas que a crise econômica tornou mais difícil migrar para a Europa e para os EUA.

Entre ficar no Senegal e tentar a sorte do outro lado do Atlântico, resolveram arriscar. “Posso trabalhar na construção civil, como motorista ou comerciante”, diz Boubacar Drame, 32 anos. “Basta que me deem um visto e uma chance”. (BBC Brasil)

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