De tudo o que trouxe de inesquecível, a experiência de conviver, por duas semanas, com uma tribo indígena do alto Amazonas, o designer Paulo Biacchi, do estúdio Fetiche Design, de São Paulo, diz jamais se esquecer de um momento em particular: reunidos sob a cúpula de uma recém-criada luminária, os índios da tribo iauanauá celebravam um momento de intensa sintonia e comunhão.
“De repente, em meio à produção das fotos, sem nós combinarmos nada, eles e seu líder espiritual se reuniram sob a peça, que batizamos de Shohu. Por alguns minutos, eles ficaram embaixo dela, contando histórias e cantando. Deu pra ver a energia deles”, conta Biacchi, diante do inusitado objeto: uma espécie de oca pendente, em vias de ser embarcada rumo à Semana do Design de Milão, na Itália, o mais importante evento internacional do setor, que abre suas portas no dia 9.
“Não existe nada de exótico ou caricato nessas luminárias. Elas são fruto de um trabalho de criação conjunta com os iauanauás, com metas bem definidas: além de representar uma fonte de renda para os índios, elas carregam os valores e a cultura de seu povo. Trata-se de preservação, em sentido amplo”, argumenta o arquiteto e designer Marcelo Rosenbaum, mentor do projeto A Gente Transforma.
Uma iniciativa que, em sua 3ª edição, continua a perseguir o objetivo de posicionar o artesanato brasileiro no mercado internacional de decoração e que, desta vez, teve como cenário as aldeias de Nova Esperança e Amparo, redutos da etnia iauanauá, no Acre. “A partir de Rio Branco, são 15 horas de ônibus. Depois, mais 10 horas de voadeira (barco) até a aldeia. Dá mesmo para se sentir imerso na floresta”, conta o designer André Bastos, um dos convidados de Rosenbaum na sua expedição amazônica.
“Para partilharem comigo deste momento único de criação, convidei dois estúdios: o Fetiche Design, de Paulo Biacchi e Carolina Armellini, e o Nada se Leva, de André Bastos e Guilherme Leite. Dos primeiros, destaco a elegância do desenho. Do Nada, a preocupação com a finalização. Mas, dentro do espírito comunitário da aldeia, não houve espaço para individualismos. Trabalhamos de forma unida e integrada: nós e os 78 artesãos da comunidade”, pontua ele.
“Para desenvolver as luminárias, partimos de uma extensa pesquisa junto aos contadores das histórias dos iauanauás e entramos em contato com suas lendas, mitos e sonhos. Depois, identificamos os kenês: desenhos de animais e elementos naturais presentes em todo o universo da tribo, das suas tatua-gens ao artesanato. São eles que serviram de base para a elaboração dos temas que compõem as nove luminárias de nossa coleção”, descreve Biacchi.
Uma vez concluído pelos artesãos locais, um consistente acervo de peças, em sua maioria feitas com miçangas – “o material faz parte do universo deles, desde a colonização”, pontua Rosenbaum -, viajou com o grupo de volta a São Paulo, onde tomou formato final nas oficinas da empresa de iluminação La Lampe. “Colocamos juntos sobre a mesa artesanato e lâmpadas, e rediscutimos tudo”, conta Bastos, diretor artístico da La Lampe, que vai comercializar as peças no Brasil e exterior.
Concebida como uma grande floresta, a exposição que desembarca no Palácio Giureconsulti, em Milão, no dia 9, pretende apresentar 213 peças, entre diferentes versões de abajures, pendentes, arandelas e luminárias tipo coluna. “O público vai se surpreender com o visual requintado de nossas peças. O Brasil é essa terra de sábios, de reis e rainhas. De saberes incríveis, de muita riqueza”, só falta nos darmos conta disso”, conclui Rosenbaum. (Marcelo Lima / O Estado de S.Paulo)