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Um parque ameaçado: será que a maior área verde de Rio Branco está protegendo sua biodiversidade?

 O Parque Zoobotânico (PZ) da Universidade Federal do Acre (UFAC) possui cerca de 100 ha de área. É considerado a maior área florestada dentro do perímetro urbano de Rio Branco. Pertencente a um antigo seringal, a área do PZ começou a ser protegida em 1980. Em seus 33 anos de existência o Parque tem servido como um laboratório natural para os cursos de Engenharia Florestal, Engenharia Agronômica e Ciências Biológicas da UFAC. Além disso, recebe anualmente a visita de diversos alunos das escolas municipais e estaduais de Rio Branco, bem como visitantes do Brasil e exterior.

 O parque abriga uma gama de espécies vegetais incluindo a castanheira (Bertholletia excelsa), a seringueira (Hevea brasiliensis), a pupunheira (Bactris gasipaes), o cacaueiro (Theobroma cacao), o ingá (Inga calantha) e o ipê amarelo (Tabebuia serratifolia), entre outras. Há também muitas espécies de algas, invertebrados aquáticos e peixes vivendo nos diversos açudes espalhados ao longo dos 100 ha protegidos.

 Em se tratando da fauna, a diversidade de mamíferos e aves chama a atenção de todos os visitantes. Existem pelo menos cinco espécies diferentes de macacos vivendo em grupos familiares no PZ. Inclusive, está presente lá o menor primata do mundo – o leãozinho-da-taboca (Cebuella pygmaea) e o sagui-bigodeiro (Saguinus imperator) – que é uma espécie rara e de distribuição geográfica restrita ao interflúvio entre os rios Purus e Acre no sudoeste amazônico. Há uns dois anos passados eu estava em atividade de pesquisa no Parque Zoobotânico quando fiquei surpreso ao ver um fotógrafo vindo do Japão apenas para tirar fotos do sagui-bigodeiro.

 Com relação às aves, o Parque Zoobotânico é uma espécie de “jóia da coroa” quando se trata de espécies que só ocorrem na Amazônia sul-ocidental. Espécies de aves raras em território brasileiro são comuns neste pequeno fragmento urbano. Já registramos lá cerca de 200 espécies de aves entre residentes e migratórias. O PZ abriga duas espécies recém-descritas para ciência e outras que só foram registradas em território brasileiro nos últimos cinco anos. O flautim-rufo (Cnipodectes superrufus) foi descrita para ciência em 2007 e desde 1998 já vinha sendo anilhada por nós nas dependências do Parque. O ferreirinho-de-cara-branca (Poecilotriccus albifacies) foi fotografado pela primeira vez em território brasileiro dentro do PZ em setembro de 2009. A divulgação deste registro foi feita no ano seguinte em uma revista científica inglesa. O pica-pau-anão-de-barras-sutis (Picummus subtilis) foi registrado pela primeira vez no Brasil em 2009. Três anos depois, em 2012, fiquei surpreso quando um espécime foi pego com rede de captura nos limites do PZ por um grupo de alunos da disciplina Ornitologia da Amazônia. Trata-se de uma disciplina de graduação que ministro para os alunos do curso de Ciências Biológicas da UFAC. Com o achado do pica-pau-anão-de-barras-sutis em Rio Branco, o PZ passou a ser a terceira localidade conhecida para esta espécie em território brasileiro.

 Por abrigar tantas espécies raras o PZ tem atraído, nos últimos anos, alguns amantes e observadores de aves (conhecidos fora do Brasil como Birdwatchers). Estes observadores são pessoas da sociedade que viajam o país em busca de ver e fotografar as aves. Trata-se de uma atividade que incrementa o turismo onde quer que ocorra.

 Mesmo abrigando espécies de tamanha importância, o PZ sofre devido à falta de conscientização dos órgãos gestores e ambientais que deveriam estar trabalhando em prol da sua preservação.

A primeira Ameaça: O isolamento

 Provavelmente, desde a sua criação há 33 anos a fauna do PZ encontra-se isolada de outros fragmentos devido a um desmatamento ilegal. Refiro-me a supressão da vegetação feita as margens do Igarapé Dias Martins na região sudoeste do parque (foto). Aquela floresta de galeria seria o único local onde a fauna do Parque poderia ter algum contato com outras áreas florestadas. Isto porque, na sua parte nordeste o Parque já está isolado pelo Conjunto Tucumã e a oeste pelo Conj. Universitário. O desmatamento é de cerca de 200 m nas margens do Igarapé Dias Martins, a partir da recém-construída ponte que liga as chácaras Ipê ao Conjunto Universitário pela estrada vicinal Dias Martins (foto).

 Sabe-se desde há muito tempo que os primatas Sul-Americanos não atravessam áreas abertas com facilidade. São essencialmente arborícolas e raramente descem ao chão. Além disso, muitas espécies de aves de pequeno porte que vivem no estrato médio e baixo (o sub-bosque) da floresta também não atravessam áreas desmatadas. Estas aves possuem uma especificidade enorme em relação à umidade e a temperatura que existe no interior da floresta. Ao se aproximarem da borda da mata e sentirem a diferença de umidade e temperatura elas não avançam.

 A consequência disto é que tanto as populações de primatas quanto as de aves de sub-bosque do PZ estão isoladas das populações que vivem no corredor de mata ciliar ao longo do Igarapé Dias Martins fora do Parque.

 É intrigante pensar que ao longo de 33 anos, diversas administrações já passaram pela UFAC, com inúmeros diretores do PZ e nenhum trabalho de educação ambiental foi feito no sentido de recompor aquela mata ciliar. Nem mesmo os órgãos municipais, estaduais e federais do meio ambiente a quem cabe fiscalizar os desmatamentos ilegais, fizeram algo no sentido de notificar os responsáveis pelo ilícito. Parece que ninguém (gestores, biólogos, ecólogos, conservacionistas, engenheiros florestais e agrônomos) se deu conta de que devido à endogamia, o isolamento provocado por aquele desmatamento ilegal levará, ao longo de poucas décadas, a extinção de muitas espécies de aves e mamíferos do PZ. A área desmatada é pequena, porém é suficiente para manter as populações do PZ isoladas de outras populações. A falta de fluxo gênico por causa do cruzamento entre irmãos pode levar a uma rápida degeneração genética, aumentando a probabilidade de aparecimento de doenças. Isto enfraquece os indivíduos da população fazendo com que muitos nem cheguem à idade adulta. Assim, com o passar do tempo, as populações se reduzem de tal forma que acabam por desaparecer do local. Este parece ser o destino do “pobre” PZ.

A segunda ameaça: Os gatos

 Como se não bastasse o isolamento, uma ameaça mais grave paira dentro do Parque Zoobotânico – a presença de gatos domésticos! Um estudo publicado em 2012 na segunda revista científica mais importante do mundo, a Nature, mostrou que nos Estados Unidos os gatos domésticos matam entre 1.4 a 3.7 bilhões de aves e entre 6.9 a 20.7 bilhões de mamíferos silvestres por ano. A disseminação de gatos em áreas de preservação é um problema seriíssimo e pode levar rapidamente a extinção as aves e os pequenos mamíferos da área onde eles vivem. Mesmo quando estão sendo bem alimentados os gatos caçam a noite. Trata-se de uma característica inerente ao instinto dos felinos.

 Existe atualmente uma população de gatos domésticos sendo criados e alimentados dentro do Campus e Parque Zoobotânico da UFAC. Inclusive, no viveiro de mudas do PZ, são os próprios vigilantes e funcionários da UFAC que tratam dos gatos com ração. Não soa estranho criar um predador de animais silvestres dentro de uma área de preservação da fauna? Recentemente, uma aluna de iniciação científica que faz uma pesquisa com aves dentro do Parque sob minha orientação presenciou um sabiá-bicolor (Turdus hauxwelli) sendo morto por um gato doméstico. Assim que a ave caiu na rede de captura onde seria pesquisada, o gato avançou e a matou sem dar chance para que a aluna pudesse acudir. E de quem é a culpa? Do gato?

 Deixo este alerta para todos aqueles que assim como eu amam a fauna e a flora. Precisamos pensar se queremos de fato preservar ou apenas fazer de conta que se está preservando pelo simples fato de manter a mata em pé. Não podemos virar as costas para o que está acontecendo em nossas “barbas”. Espero que um dia as ameaças aqui explicitadas sejam parte do passado e que o Parque Zoobotânico continue sendo o maior patrimônio natural dos munícipes de Rio Branco.

* Dr. Edson Guilherme é professor e pesquisador da Universidade Federal do Acre (e-mail: guilherme@ufac.br“>guilherme@ufac.br)

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