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Polêmica na criação do sistema de informação sobre a biodiversidade brasileira (SiBBr)

Em março passado o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) enviou correspondência a diversas instituições públicas e privadas do Brasil solicitando apoio para a criação do Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira  (SiBBr). O SiBBR será um sistema online de consulta livre que pretende integrar informações sobre a biodiversidade e os ecossistemas brasileiros de diversas fontes, nacionais e estrangeiras, para subsidiar pesquisas e apoiar os tomadores de decisões na criação e implementação das políticas públicas relacionadas com a biodiversidade do país.

A instituição responsável pelo desenvolvimento do sistema será o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), uma unidade de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia subordinado ao MCTI. Até meados de maio o LNCC já tinha contabilizado o apoio de mais de 100 instituições, que acenaram com o envio de banco de dados que totalizam cerca de 22 milhões de registros da fauna e flora brasileiras guardados em coleções espalhadas pelo país. A expectativa do MCTI é que a quantidade de registros no SiBBr possa chegar a 60 milhões.

Uma das justificativas do MCTI para a criação do SiBBr é que o Brasil é um país mega-diverso, que abriga aproximadamente 13% da biodiversidade da Terra, e que a conservação e o uso sustentável de suas riquezas biológicas exigem que os governantes e outros órgãos políticos tomem decisões racio-nais sobre o uso e gestão desses recursos baseadas em informações precisas e atualizadas. No Brasil, a maior parte das informações relativas à biodiversidade está incompleta, espalhada por diferentes instituições, e disponível em formatos pouco acessíveis ou relevantes politicamente.

Para remediar esta situação, a iniciativa do MCTI deve superar três grandes obstáculos. Identificar e equacionar as barreiras à organização, qualificação e integração das informações contidas nas redes e centros bio-lógicos brasileiros, ao melhoramento das capacidades institucionais e taxonômicas, e os obstáculos à gestão e uso efetivo da informação. Sem a remoção desses entraves, o MCTI avalia que as preocupações com a biodiversidade não serão susceptíveis de serem substancialmente integradas em diferentes setores produtivos. Além disso, se as informações geradas forem insuficientes ou inadequadas os gestores de políticas públicas no âmbito nacional e local, planejadores ambientais e tomadores de decisões continuarão a ter acesso reduzido às informações relevantes sobre a biodiversidade e continuarão a tomar decisões de forma ad hoc, com base no conhecimento individual de especialistas e sem o apoio de uma infraestrutura de dados adequada.

Para evitar atritos com as instituições que abrigam as amostras da biodiversidade nacional, o MCTI deixou claro que o SiBBr não substituirá os bancos de dados existentes, somente integrará as informações neles disponíveis, deixando que as instituições e pesquisadores continuem a ter a autoria dos dados reconhecida. Além disso, será possível para eles escolher quais informações serão enviadas para integração no SiBBr.

Com a implantação do SiBBr o MCTI se compromete a investir em três frentes distintas. A primeira será a consolidação da infraestrutura, instrumentos, ferramentas e tecnologias necessárias para qualificar, reunir e disponibilizar online e gratuitamente a informação de biodiversidade contida em coleções de recursos biológicos do país. A segunda será o fortalecimento das capacidades institucionais e taxonômicas para garantir a contínua disponibilização e atualização de informações no SiBBr, ou seja, disponi-bilizar meios (equipamentos de in-formática e links via internet) para que as instituições participantes possam fornecer informações rápidas e confiáveis. E a última consistirá no desenvolvimento de produtos e serviços que permitirão aos principais tomado-res de decisão estabelecer políticas que integrem os objetivos de conservação e uso sustentável da biodiversidade nas operações dos setores produtivos.   

Apesar dos objetivos nobres da iniciativa do MCTI, a mesma tem enfrentado resistência com parte da comunidade científica que atua na área. Diretores e curadores de coleções das cinco maiores instituições de zoologia e botânica do País entregaram, no início de maio, carta para o ministro Marco Antonio Raupp na qual reclamam mais apoio do governo e mais participação na formulação de políticas nacionais sobre preservação e gerenciamento de coleções biológicas. As instituições signatárias da carta, Museu de Zoologia da USP, Museu Nacional, Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Museu Paraense Emílio Goeldi e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia abrigam mais de 80% dos acervos de fauna e flora do País, com 22 milhões de exemplares de plantas e animais preservados em suas coleções científicas.

A iniciativa de encaminhar a carta ao MCTI derivou do pedido inicial de dados das coleções biológicas dessas instituições para a construção do SiBBr. Embora não tenham deixado explícito que estão se recusando a participar da iniciativa, essas instituições querem contrapartidas do MCTI para concordar com a existência do SiBBr: a criação de um Fundo de Apoio a coleções biológicas e a abertura de editais para instalação emergencial de sistemas de armazenamento e proteção contra incêndio nas instituições detentoras de grandes acervos biológicos. O pedido é justo e é apenas uma cobrança de promessas de apoio feitas três anos atrás, quando um incêndio destruiu grande das coleções de cobras e aranhas do Instituto Butantã.

Em declaração ao jornal Estado de S. Paulo, o diretor de Pesquisas Científicas do Jardim Botânico do Rio, Rogério Gribel afirmou que “não adianta ter um monte de dados num sistema centralizado se as amostras originais que geraram toda essa informação estão em risco nas coleções”. Na opinião do pesquisador, é preciso que o SiBBr seja viabilizado em um contexto que fortaleça de forma efetiva as coleções biológicas existentes no país. O diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, Hussam Zaher, por seu lado, afirma que “O SiBBr não faz sentido sem uma política nacional de coleções científicas; são coisas intimamente conectadas, uma não anda sem a outra”.

Outra reclamação da comunidade científica é a falta de repre-sentatividade da mesma durante a elaboração da proposta do SiBBr. Além disso, a possível parceria entre o MCTI e o Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), uma organização civil sem fins lucrativos que já desenvolveu várias plataformas digitais para projetos do setor público ligados à biodiversidade, tem pesado contra a aceitação unânime do SiBBr. Segundo a matéria do Estado de S. Paulo, alguns pesquisadores acusam essa entidade de não compartilhar seus programas e de se apoderar dos dados das instituições, aparecendo em eventos internacionais como representante do Brasil para informações sobre biodiversidade.

A polêmica suscitada pela criação do SiBBr é mais uma prova de que, no ambiente democrático em que vivemos, a implantação de iniciativas sem a discussão com todos os atores interessados tende a gerar dissabores e conflitos que podem afetar de forma significativa o sucesso das mesmas, por mais nobres e relevantes que sejam.

*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa e do Parque Zoobotânico da Ufac.

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