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Cristolândia: um resgate para dependentes químicos

*Projeto já atua em 12 estados do país e tem previsão de chegar ao Acre em 2014

 A Igreja Batista da Vila Ivonete está à frente de um projeto, que pretende trazer a Cristolândia para o Acre. O objetivo é trabalhar na recuperação de dependentes químicos. No Brasil, 12 estados já adotaram o tratamento, que em 5 anos de existência ajudou em torno de 1.500 pessoas. O prazo para o início do trabalho no Estado é 2014.

 Desde o seu surgimento, a Missão Batista Cristolândia tem levado esperança para diversos lares do país. O foco principal é ajudar no resgate de pessoas viciadas em drogas. Um caminho complicado, mas que em pouco tempo já alcançou grandes dimensões.

 Para fazer parte é preciso ter o acompanhamento da família e o consentimento do viciado. O tratamento é gratuito para o paciente.

 Os recursos que mantêm o projeto em andamento são oriundos do Plano de Adoção das igrejas Batistas de todo o país, das ofertas e parcerias com órgãos públicos e empresas privadas.
De acordo com o presidente da Convenção Batista Acreana, Ivanildo Oliveira, responsável pela implantação do projeto no Acre, em articulação com o governo, a igreja conseguiu a garantia de um prédio, que ainda será doado. Neste local, funcionarão as primeiras etapas do tratamento.

 Mas ainda faltaria parte da estrutura que a Cristolândia requer. Por isso, ao atingir determinado nível no tratamento, o paciente será enviado a um sítio, localizado em Rondônia.
Como funciona – O tratamento é diferenciado e acontece em 5 dimensões. A primeira é denominada de Formação Espiritual, que parte do acolhimento até a realização de cultos internos, aconselhamento informal, estudo bíblico, grupos de mesas e vigílias.

 Dentro disso, ainda é preciso que a pessoa passe por 3 fases do Centro de Formação Cristã (CFC). Os internos mais avançados são treinados para auxiliar as pessoas com maior dificuldade em se livrar da dependência química. Também pode escolher se quer ou não ser batizado, além de participar com frequência de grupos de oração. No fim das etapas, são escolhidos aqueles que estão aptos a se tornarem radicais (missionários que tiveram êxito no tratamento até então).

 A 2ª dimensão é chamada de Processo Terapêutico, que começa na abordagem, se estende na triagem das 3 fases do CFC, e perdura por todo egresso do interno à família, igreja e sociedade. O processo funciona por meio de observações, aconselhamento e acompanhamento em suas atividades e necessidades diárias.

 Essa triagem é feita com uma entrevista baseada no formulário realizado pela equipe da igreja, após o candidato manifestar o desejo de entrar no projeto. A vontade da pessoa sempre prevalece. Além disso, é realizado um diagnóstico, que verifica se não está havendo o uso de outros medicamentos.

 A laborterapia também auxilia na desintoxicação do viciado, com atividades de campo, esportivas, e oficinas para a sustentabilidade do projeto.

 O Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) são parceiros da Cristolândia, disponibilizando tratamento de saúde físico e mental, como também atendimento psicossocial.

 Mas para que o tratamento tenha uma base sólida, é preciso que haja investimentos na educação e é justamente este o gancho da 3ª dimensão. O trabalho vai desde a alfabetização até o treinamento de bons modos, com o princípio de que toda a equipe tem a função de educador.

 Acesso à biblioteca, reforço escolar, pré-Enem, cursos técnicos, orientação vocacional, cursos de redação e oficinas fazem parte da rotina dos internos que já alcançaram esta etapa do tratamento.

 A profissionalização é a 4ª dimensão da Cristolândia. Segundo os idealizadores, este passo eleva a autoestima do interno e o possibilita pensar no futuro de forma otimista. Os curso e oficinas ofertados dentro do projeto capacitam as pessoas para o mercado de trabalho.

 Nesta etapa, os dependentes químicos em tratamento são encaminhados a estágios, em parceria com diversas empresas de cada cidade.

 O último processo é chamado de ressocialização e encerra os 2 anos de tratamento. Um dos mais importantes, pois é quando a pessoa precisa provar que está forte o bastante para mudar de vida, largar de vez o consumo de drogas.

 O 1º passo é realizar um diagnóstico psicossocial com triagem e avaliação, regular a documentação, pesquisa de pendências judiciais e financeiras, assim como o resgate de vínculos familiares.

 Ao final, a expectativa da Convenção Batista Brasileira (CBB) é de que a pessoa se torne um missionário atuante na igreja e que vire um multiplicador do trabalho que lhe ajudou na desintoxicação.

 Quem fica internado quase não usa medicamentos. Apenas os que são absolutamente necessários e prescritos pelos médicos. A ideia é que o dependente tenha consciência e participe do tratamento. Os desvios acontecem, mas, segundo os responsáveis, 40% ficam e passam para as outras fases do processo que incluem a vida e o trabalho no campo, bem como a reaproximação com a família.

O início de uma grande missão

 Há 5 anos, o pastor Fernando Brandão, da Junta das Missões Nacionais, perdeu-se em São Paulo, no trajeto do hotel até a igreja, que fica na Praça Santa Isabel. Ele caminhou por um lugar desconhecido até se deparar dentro da Cracolândia (denominação popular para uma região no Centro da cidade de São Paulo, nas imediações avenidas Duque de Caxias, Ipiranga, Rio Branco, Cásper Líbero e a Rua Mauá, onde historicamente se desenvolveu intenso tráfico de drogas).

 O pastor ficou por um determinado tempo observando a cena diferente da sua realidade. Chocou-se com as pessoas jogadas na sarjeta, usando todo tipo de droga, em contato com a miséria humana. O momento é descrito pelo pastor e amigo Ivanildo Oliveira como impactante.

 Quando finalmente conseguiu chegar à principal Igreja Batista de São Paulo, já tinha algo determinado em mente. Procurou os outros pastores e disse emocionado que havia conhecido a Cracolândia e que Deus lhe dera uma missão.

 A princípio poucos quiserem abraçar a causa de Fernando Brandão. Ivanildo explica que a igreja era frequentada por pessoas da elite paulista e que ninguém queria um contato maior com viciados. “Foi preciso conquistar a parceria dos irmãos. Conscientizá-los sobre a nossa responsabilidade no mundo. Só então conseguimos avançar no projeto”.

 Foi então que nasceu a Cristolândia, nomeada como um ministério da igreja, que ajudaria os dependentes químicos e suas famílias a superarem os vestígios deixados pela droga.
Outro idealizador e responsável pela execução do projeto é o pastor Humberto Machado, ex-viciado em substâncias químicas. Ele tem realizado um grande trabalho pioneiro, que já atendeu 1.500 pessoas.

Famílias relatam a experiência de conviver com um viciado em drogas

 O pastor Ivanildo Souza conta que 5 acreanos já foram enviados à Cristolândia de São Paulo, por ser a mais equipada. Um deles foi o filho da costureira Vanda de Olinda Souza.
De acordo com ela, o rapaz começou a usar drogas aos 13 anos, quando mudou de colégio. Primeiro foi a maconha, o álcool e mais um pulo para ser usuário de todos os tipos possíveis de substâncias químicas.

“Percebi que algo estava errado pela mudança de comportamento dele. O meu filho era um jovem calmo, estudioso e educado. De repente, umas atitudes me deixaram com suspeitas. Ele foi ficando ausente na escola e bastante agressivo. Logo o levei no Conselho Tutelar, onde fui orientada por psicólogos e assistentes sociais. Mas o problema só fez aumentar a partir de então”, lembra.

 A adolescência do filho de Vanda foi marcada pelas medidas socioeducativas. A mãe conta que foram várias internações nas unidades onde ele ficava privado de liberdade e de qualquer contato com o mundo externo. Era só neste período que deixava de usar drogas.

 “Quando saía, o vício era mais forte. Ele voltava a andar com gente errada e a consumir o mal. Perdi as contas do número de vezes que tirou coisas da nossa casa para trocar por droga. O que mais me doía é que isso foi virando um hábito, logo reconhecido pela vizinhança. Até chegar a um ponto no qual as pessoas vinham bater na minha porta, exigindo que eu pagasse pelos objetos furtados”, recorda Vanda, emocionada.

 A costureira fez uma breve pausa, respirou fundo e prosseguiu com um sorriso fraco. “Desculpa, é só que isso não é vida. Eu nunca paguei nenhum deles, sabe por quê? Porque eu achava que essa atitude iria motivar o meu filho a fazer outras vezes, contando com o fato de que eu limparia a sua sujeira”, justifica.

 Uma atitude corajosa e que arrancou muitas lágrimas de Vanda foi expulsar o rapaz de casa. Ela conta que, certo dia, o jovem, já com seus 19 anos, chegou baleado após participar de um assalto. Ela viu sangue e cobrou respostas, mas não teve sucesso.

 “Foi a gota d’água. Eu já não tinha paz e precisava ter o meu filho de volta, não aquela pessoa fria e distante. Foi então que o pressionei. Ordenei que escolhesse: ou largava as drogas e as companhias erradas ou ele saía de casa”. Uma nova pausa. Vanda tem dificuldade para contar esta parte da história. “Doeu no fundo da minha alma quando o vi pegar uma bolsa e recolher suas roupas. Ele decidiu sair e eu não pude fazer nada, porque seria fraqueza voltar atrás. Eu estaria sendo conivente com o que ele estava fazendo. Antes de sair, apenas me disse que ficaria bem. Olhei para ele e fui firme ao negar: ‘não, meu filho, você não ficará bem se continuar neste caminho que escolheu”.

 Após isso, Vanda revela que se tornou avó de 2 meninas e que há pouco tempo o pastor Ivanildo tomou conhecimento da situação e resolveu ajudar. Atualmente com 23 anos, o rapaz, filho da costureira, está em São Paulo, passando pelo tratamento oferecido pela Cristolândia. Um suspiro de esperança para pessoas como Vanda de Olinda. “Falo toda a semana com ele pelo telefone. Já sinto a mudança. Não tenho palavras para descrever a minha gratidão”.

 Para Vanda, uma grande aliada das famílias com dependentes químicos seria a internação compulsória. “Porque o viciado não pode tomar as suas próprias decisões”, defende.
Quem também teve dificuldades com o filho dependente químico foi a dona de casa Eneide Lopes Bezerra, 71. Com uma aparência frágil e cansada, a mulher recorda os momentos terríveis que enfrentou, por causa do jovem, que hoje têm 28 anos.
Há 3 meses, ele está em tratamento na Cristolândia de São Paulo. A juventude foi marcada por tentativas de recuperação e recaídas nas drogas.

“Ele começou a usar com 12 anos. Acho que por ter tido pouca vigilância de mãe e também pelo Bairro Morada do Sol, na época, ser um local de drogados e más companhias. Ele saía para brincar com os colegas e foi se envolvendo. Depois, eu precisei sair do Acre para fazer tratamento de saúde e ele ficou com uns parentes de Brasileia, foi quando a situação piorou. Começou com o cigarro, depois a maconha, a bebida alcoólica até passar para algo mais forte, que desse maior sensação de falsa euforia. Nesse momento, a única coisa que ajuda é a fé. E graças a Deus, o pastor Ivan nos ajudou”, comemora.

Tratamento e fé

  A Igreja Batista chegou ao Brasil há 150 anos, por meio dos americanos. Em 1882 foi fundada o 1º templo no Brasil, em Salvador/BA, por 5 pessoas. Hoje já são mais de 1 milhão e 600 seguidores, espalhados em aproximadamente 6 mil igrejas. A religião já atingiu em média 100 países no mundo.

“Cremos que Deus tem um propósito para todo ser humano. Deus diz que criou o homem para o louvor de Sua glória. Foi o pecado que o afastou da presença do Pai. E foi isso o que trouxe morte, dor, sofrimento e a separação total com o divino. É o que a Bíblia diz: todos foram contaminados pelo pecado. Eu penso que a Cristolândia é uma ferramenta, um braço, que faz parte da missão de resgate. Cada um de nós faz o nosso papel, assim como a igreja, de pregar o evangelho, de alertar, de ensinar e de ajudar essas pessoas a se aproximarem de Deus. E a Cristolândia é uma ferramenta da igreja, para alcançar um público específico, que são os dependentes químicos. A nossa denominação estava muito omissa a este grupo específico, durante muitos anos. As igrejas já faziam, sim, trabalhos, mas nada com grandes estruturas”, afirma Ivanildo Oliveira.

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