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A outra face de um rio

 O Rio Acre é o ecossistema aquático mais perfeito da natureza. É o nosso canto, no canto do mundo, é a caridade no vai e vem das águas. É o belo sobe e desce de um rio que traz um coração carregado de emoção.

 Se fez estrada para o homem semear e colher o encanto da vida. No entanto, estamos devorando o nosso canto, nosso encanto, nosso lar. Nosso santuário navega se arrastando na esteira do repudio. Corre esquecido ao abandono e ao sofrimento. Ainda assim oferece mais, muito mais do que pode oferecer. É levado ao mergulho sono da escuridão.  

 Ergamos um altar de altas mãos para o Rio Acre se apoiar. Refletir, vestir o tempo, se divertir, distribuindo saúde em goles de emoção. Sua luta obstinado, sangrando, sangra sem cabeçalho, solitária. Anda no vale da agressão carregando todos afluentes, alguns muito doentes e ainda arca com nosso descaso, nossa demência por anos de escuridão, para enfrentar o monstro da poluição.

 A edificação dos pilares que harmoniza o desenvolvimento do Estado do Acre é importada, adquiri-se por moeda de troca. Tudo caríssimo, do primeiro mundo. E quando o assunto é preservação da floresta e florestania, jogam o Acre como exemplo, para o mundo. Enquanto isso acredite!

 O Rio vai se defendendo do contundente ataque humano pela escorregadia ladeira da morte. Navegando inerte pelo veio da contaminação oxigena a terra, a espera de corações que possa remar as águas do futuro. Emudece o querido tesouro, o astro da nossa história, a seiva e o sangue de um príncipe; um herói que corre caridosamente servindo a mesa daqueles que deveriam viver para tapetar suas margens de flores, transformam tudo em dor.

 Fincam-lhe dejetos que lhe apunhala o coração. Resíduos que apodrece, exala mau cheiro e espalha odor. Quando vamos entender que o Rio Acre, entre outras funções, corre para inspirar a poesia acreana. É o estímulo do sorriso humano; de alegria de encontrar corações que faz os homens voarem em emoções; assistir por séculos o tempo passar e ver a vida soberanamente ao sol brilhar?

 Pai da humanidade dá-me compreensão para entender o que carrega no fundo do ser de cada homem, para que não me deixe exalando odor diante de olhar frio e da palavra rude que esconde sofrimento e revolta.

 Nem frente ao gesto nervoso que oculta ansiedade e angústia. Não me deixe ficar descontente com os esquivos, porque carregam a timidez.  Não me deixe ficar indignado com os resíduos que mancham minha água porque reproduz a insegurança do seu autor.

 Não me deixe ser atingido por que me desprezam. Se assim agem é porque temem que minha estiagem possa exaurir o alimento no vale. Senhor das águas, quero compreendê-los e olhá-los como tu os olha, por dentro, e aproveitar  o que de melhor pensam. Com este olhar verei que são teus os rios e que a luz é a vida que vêm de ti

 O rio é um caminho difícil, porém ideal para o homem esquecer a hora, o anoitecer e acordar no colo da natureza, como faz as flores do jardim, que se abre todo dia, enquanto perdurar a cheia do interior de mim.

 No entanto, pisam-lhe e aterram-lhe, toldam e mancham a saúde da civilização navegando na escuridão da natureza. Só então, saberemos que num vale, não vale assistir o desgosto de um vale. Parece que ele só vale para a natureza.

 Rio Acre, você fará brotar da proa flores do amor sobre a terra; da quilha, o tudo em tudo, no prumo de um fino curso d’água que se desenvolveu de uma nascente deste chão.

*Claudemir Mesquita é professor, escritor, membro da AAL e presidente da associação amigos do Rio Acre
claudemirmesquita@yahoo.com.br

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