Os povos indígenas, desde os tempos imemoriais, possuem uma ligação holística com seu ambiente. A natureza é a vida destes povos, pois é neste espaço que eles desenvolvem sua cosmovisão (historias e tradições), e sua língua.
A natureza provém os alimentos, a água, proteção, sabedoria para poder sobreviver etc. Por esta importância é considerada para alguns povos da América como a Mãe Terra, ou Pachamama, na língua Quíchua ( Pacha de “universo”, “mundo”, “tempo”, “lugar”, e Mama de “mãe”).
E como “mãe”, a terra tem que ser respeitada, amada e cuidada. A partir desta visão que os povos indígenas naturalmente sempre conservaram e cuidaram das florestas, das montanhas, dos desertos, dos oceanos onde sempre moraram e que são agora considerados como territórios indígenas. Hoje em dia, a maior parte dos ecossistemas do planeta conservados ou preservados são em territórios indígenas.
Aqui no estado do Acre, de acordo com dados da UCEGEO, as 36 terras indígenas somam uma área total de 2.722.421 hectares. Desta extensão, apenas 30.537 hectares foram desmatados, o que representam 1,1% de desmatamento das terras indígenas. E grande parte destes desmatamentos foram causados pela invasão de pessoas de fora das aldeias.
Para evitar mais desmatamento no planeta, motivado pela revolução industrial e o desenvolvimento econômico, governos e organizações ambientalistas, desenvolveram vários mecanismos para poderem incentivar a proteção das florestas, entre elas o incentivo aos serviços ambientais e ecossistêmicos.
Serviços ecossistêmicos e ambientais são dois conceitos ocidentais que os povos indígenas já conhecem profundamente desde muito tempo atrás, vivenciando no seu dia-a-dia. São os serviços que a natureza lhes provém como a chuva, a biodiversidade, plantas medicinais, sementes e, sobretudo, a sabedoria e conhecimentos que vêm da natureza, que são manifestadas em sua cultura, língua, história, tradições e espiritualidade.
Além deles sempre respeitarem e protegerem a natureza que provém os serviços ecossistêmicos, os povos indígenas historicamente têm sido provedores de serviços ambientais através de suas ações de preservação e recuperação do ambiente e da utilização consciente e sustentável dos recursos naturais.
Atualmente, os diversos mecanismos de incentivos econômicos que buscam reconhecer e promover os serviços ambientais prestados, podem ser uma ferramenta do mundo ocidental a ser utilizado para beneficio dos povos indígenas. Do mesmo jeito que estão utilizando a tecnologia, como gravadores, câmera, computadores etc., para registrar suas manifestações culturais. Esta ferramenta pode ser usado como aliado para assegurar seus direitos, especialmente para a luta pela demarcação de seus territórios.
Porque? E como? Para os povos indígenas seguirem prestando os serviços ambientais e, por consequência, ecossistêmicos, um dos requisitos básicos é assegurar o território (e o direito de exclusão), ou seja, a demarcação das terras indígenas.
Assim, os povos indígenas e comunidades tradicionais, que historicamente preservaram o meio ambiente e sempre usaram de modo consciente e sustentável seus recursos e serviços, são responsáveis pela provisão desses serviços ambientais.
Em outras palavras, ao realizar os serviços ambientais, estes povos e comunidades fazem o possível para que o ambiente mantenha suas características naturais e siga fornecendo os serviços ecossistêmicos. Os serviços de preservar e conservar a natureza e suas características, – por exemplo, buscando assegurar a constância e qualidade da água, preservando a mata na nascente e na margem dos rios – têm um custo para os povos indígenas e comunidades tradicionais, e por isso surgiu a discussão sobre mecanismos de valoração, valorização e remuneração ou compensação para aqueles que conservam e garantem o fornecimento dos serviços ambientais. A essa remuneração chamou-se de Compensação ou Pagamento por Serviços Ambientais.
Como os benefícios dos serviços ambientais são aproveitados por todos (dentro e fora das áreas beneficiadas), nada mais justo que as pessoas que contribuem para a conservação e a manutenção dos serviços ecossistêmicos recebam algum tipo de incentivos, financeiros ou não. No caso do Acre, o Estado criou a lei de Incentivos a Serviços Ambientais – SISA, que pode ser uma forma dos povos indígenas do Acre garantirem seus direitos de território, fortalecerem suas culturas e promoverem a valoração do conhecimento tradicional com os benefícios que venham das iniciativas de serviços ambientais do SISA.
Dentro deste sistema existe um conjunto de instituições que vêm trabalhando para tudo funcione, como o Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais- IMC, que tem o objetivo de implementar este sistema. A Comissão de Validação e Acompanhamento- CEVA, um grupo de representantes da sociedade civil e do governo, que tem como objetivo fazer o controle social das ações do SISA. Pela importância da participação dos povos indígenas para este sistema, se criou um Grupo de Trabalho Indígena – GTI, como parte da CEVA, para orientar, guiar, assessorar a CEVA e o IMC sobre as ações de serviços ambientais dentro de Terras Indígenas.
O GTI é composto por associações indígenas, indigenistas e representantes do setores do governo. É um espaço importante e aberto para a participação ativa dos povos indígenas do estado do Acre, que podem usar esta ferramenta em prol de garantir a demarcação de suas terras, para criação e implementação de planos de vida, planos de gestão territorial, entre outros. É uma iniciativa nova com um grande desafio, mas que pode ser uma oportunidade para realizar coisas positivas em beneficio dos povos indígenas, através de processos transparentes, respeitando os direitos inalienáveis reconhecidos na constituição brasileira, e com a participação ativa e efetiva dos povos indígenas do estado do Acre. Fundamentalmente, sem perder de vista que seja um processo que utilize procedimentos de consentimento, prévio, livre e informado.
1. Laura Soriano Yawanawa, mexicana, graduada em Relações Internacionais com foco no papel dos povos indígenas dentro das políticas internacionais (Principia College, Elsah, Illinois, USA). Ativista indígena (Mixteca-Zapoteca), mãe de duas meninas. Trabalha com a Associação Sociocultural Yawanawa, ASCY, desde 2002. E também como técnica do Instituto de Mudanças Climáticas, acompanhando o Grupo de Trabalho Indígena, que faz parte da CEVA.