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Estilhaços do Pando

 Nosotros, aqui no Acre, já estamos acostumados com os estilhaços da tragicômica política boliviana, pois sempre respinga algum do Departamento do Pando para o lado de cá da fronteira. Mas agora sobrou para todo o Brasil esse espantoso caso do senador Roger Pinto Molina, eleito no Pando, preso em La Paz, asilado na Embaixada brasileira e contrabandeado para Brasília em um malote diplomático que derrubou o nosso ministro das Relações Exteriores.

 Diferente dos hermanos argentinos, aqui, na nossa fronteira, bolivianos e brasileiros se misturam e se tratam carinhosamente como patrícios e patrícias. Em Cobija, capital do Pando, há uma rotina festiva no comércio da Zona Franca. O problema é quando entram “la política” e “la autoridad”.

 Tem questões políticas graves. Pequenos fazendeiros brasileiros perseguidos como grileiros pelo regime de Evo Morales. Estudantes atraídos pelo acesso fácil ao curso médico na Bolívia e submetidos a exigências burocráticas absurdas, lá e aqui. A mania de protestar fechando a fronteira, como os patrícios fizeram esta semana contra a falta de gás e gasolina.

 E tem o abuso escrachado de “la autoridad” contra quem vai às compras em Cobija. Um estacionamento proibido, um descuido no trânsito, qualquer besteira que não justifica mais que uma advertência, acaba na delegacia ou no quartel. E de lá não se escapa pela força do argumento, só pela generosidade da propina.

 Mas casos assim, digamos, de motivação menor, também provocam incidentes diplomáticos. Em janeiro de 2011 um soldado boliviano abordou um jovem senhor ao volante do seu modesto carro. Aplicou multa pesada. O brasileiro quis pagar, mas não ao soldado! Queria multa do talão para pagar no banco. O soldado recolheu o insólito ao quartel. Demorou. Depois começou a chegar militares graduados, diplomatas, deputados, o próprio governador do Pando.

 – “Quién es este tipo que se sabe muchas autoridades?”. Perguntava o agora atônito soldado.

 – “É o ex-governador do Acre, Binho Marques”. O esclarecimento gerou indignado protesto do soldadinho:

 – A culpa é dele! Eu perguntei quem ele era e ele me disse que era professor!

 Coração de patrício, o professor Binho Marques se negou a formalizar queixa. A lição já fora dada.

 Mas o assunto de agora é o senador Roger Pinto Molina. O diplomata Eduardo Saboia alegou que lhe deu fuga por questão humanitária. Disse que a permanência do refugiado fazia a Embaixada do Brasil na Bolívia parecer o DOU-Codi.
 
 A presidenta Dilma se indignou: “Eu estive no DOI-Codi. E asseguro a vocês: é tão distante o DOI-Codi da Embaixada em La Paz quanto é distante o céu do inferno”.

 A triste comparação de Eduardo Saboia feriu a história dos brasileiros torturados pela ditadura militar, como a própria Dilma. E também desconstituiu sua pretensa missão humanitária, devolvendo o caso do senador Roger Pinto Molina para a miudeza da política provinciana da Bolívia. Tanto que ele logo manifestou desejo de se amufambar aqui no Acre, de onde pode cutucar o Pando com vara curta.

* Gilberto Braga de Melo é jornalista e publicitário.

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