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Santa Raimunda, a padroeira dos desvalidos em plena Selva Amazônica

 Luiza Valência, 57 anos, acordou às 4 da manhã numa pequena pousada do Distrito de Iñapary, no lado peruano do Rio Acre, vizinho ao município de Assis Brasil (a 310 quilômetros de Rio Branco). Este é o quinto ano que ela se desloca de sua terra natal, Cusco, a 2 mil quilômetros dali, para uma das mais fantásticas celebrações do sincretismo religioso popular da Amazônia Ocidental, o culto à Santa Raimunda, também conhecida por Alma do Bom Sucesso, uma santa apócrifa que é procurada por milhares de peregrinos, todo dia 15 de agosto, em plena selva na fronteira do Brasil com o Peru.

 Os romeiros se organizam em grupos, a maioria de perua-nos em caminhões pau-de-arara e caminhonetes, ainda muito antes de o sol nascer. O comboio parte para uma viagem de 30 quilômetros por um ramal sinuoso e íngreme, enfrentando o frio e a poeira até o campo-base, a sede de uma pequena colônia onde se pode fazer o dejejum nos primeiros raios de sol. Ali, sopas peruanas, tapiocas e churrasquinho são oferecidos a preços bem pequenos.

 Entre o grupo está Valência, a cusquenha que agora caminhará com o grupo de cerca de duas mil pessoas por exatos 6 quilômetros numa picada mata à dentro que dará para o altar de Santa Raimunda. Bom Sucesso é como é chamado a “colocação”, aberta ainda em 1900, por seringalistas vindos de outras regiões do país.

 O simbolismo pela santa vai além do religioso. É social também, já que Raimunda, quando em vida, fez parte ao lado do marido, de um grupo aguerrido de seringueiros embrenhados na floresta, vivendo em condições extremas e ao custo de suor, lágrimas e do látex da seringueira, segundo ilustra o padre José Valcleir, da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de Assis Brasil.

 Embora não tenha o reconhecimento oficial da Igreja Católica, o festejo é apoiado pela igreja local e o santuário tem o apoio dos próprios devotos, com ofertas de tecidos para a imagem, velas e a manutenção da estrutura de madeira e do telhado.

 De longe é impressionante observar a romaria que parte caminhando. Ao longo do trajeto, uma brasileira se mistura à multidão com um megafone nas costas, anunciando orações reversadas em português e espanhol.

 “Este é o nosso momento de grande reflexão, de refletir sobre o quanto as pessoas desta parte do mundo sofriam para viver. O caminho que fazemos agora simboliza o sacrifício e nos renova quando chegarmos ao santuário”, diz Raul Ximenes Mercado, morador de Iñapary.

 Luiza Valência, a peruana que abriu a nossa reportagem, leva consigo uma bata que cobrirá a imagem de Raimunda, na chegada. “Inúmeros milagros eu obtive com ela. Inclusive a cura de um câncer”, narra, emocionada.   

 Quase ao seu lado, está a colona Zuleide dos Santos Alves, 48 anos, cuja cura para queda de cabelo e uma depressão ela diz ter encontrado em Santa Raimunda. “Prometi que enquanto vida estiver estarei vindo aqui vê-la em agradecimento”, conta Zuleide.

 Já no Santuário de Raimunda, inúmeras velas são acesas e fitas e terços, pendurados sobre a imagem de tom esbranquiçado. Ali, o momento é de muita comoção, sobretudo, para quem alcançou uma graça. O local impressiona por estar no meio do nada para quem considera o isolamento da floresta um local inóspito.

Vida e morte no meio da mata
 Conforme o padre Valcleir, a história de Santa Raimunda se confunde com a dos próprios seringueiros ao longo de toda a Amazônia. Por volta de 1902, grávida de 9 meses e cansada com o balde pesado do látex da seringueira, ela não conseguiu acompanhar os passos do marido até a sede da colocação. O esposo se foi apressado e ela sentou ao longo do varadouro.

 “Foi então que começou a entrar em trabalho de parto, mas estava muito fraca. Quando o marido decidiu voltar, Raimunda e o filho estavam mortos”, explica o pároco de Assis Brasil.

 Desde então, fenômenos estranhos como o cheiro de flores muito perfumadas e sensação de paz eram registrados no exato local onde Raimunda e seu bebê faleceu. Foi a deixa para que os povos locais a considerassem milagreira. Nas imagens do jornalista fotográfico Odair Leal, de A GAZETA, está toda a exuberância de um evento singular que atrai e fascina desde os povos dos Andes médios peruanos até os nossos seringueiros brasileiros.

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