O Mais Médicos, programa do Governo Federal, surge com a promessa de mudar os rumos da Saúde no Brasil. O intuito é melhorar o atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde, garantir mais investimentos em infraestrutura dos hospitais e unidades de saúde, além de levar mais médicos para regiões onde há escassez de profissionais.
Até o momento, 20 médicos já chegaram ao Acre. Além disso, a Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre) quer contratar médicos brasileiros formados no exterior, para garantir qualidade na atenção básica.
A medida alavancou uma onda de manifestações. De um lado, médicos que já atuam no local rejeitam a vinda dos profissionais, do outro, pessoas que apoiam a iniciativa e lutam pela melhoria na qualidade do serviço.
Em entrevista À GAZETA, a secretária de Saúde do Estado, Suely Melo, fala sobre os avanços que o programa garantirá ao Estado, a precariedade do sistema e os desafios para o futuro.
A GAZETA: O que o programa pode oferecer ao Acre, além das contratações?
Suely Melo: Esse programa é estruturante. Ele não só pensa em trazer o médico e colocar na comunidade. É um programa que prevê construção de unidades básicas de saúde, formação de equipe de Programa de Saúde da Família (PSF), capacitação em serviço, ampliação de vagas nas universidades para o curso de Medicina, criação de mais vagas para a residência médica e reforma das unidades de saúde já existentes. Ou seja, é um trabalho de fortalecimento da atenção básica, e não só um programa que vem e acaba. Depois destes contratos, ficará uma estrutura de serviço e, consequentemente, alguns médicos podem acabar se fixando aqui.
A.G.: Aproveitou-se o momento do programa para trazer também médicos brasileiros formados no exterior?
Suely Melo: É verdade. Estamos suscitando a possibilidade de contratar os médicos brasileiros formados na Bolívia e no Peru. Temos hoje inscritos 410 médicos. Eu já dei entrada no Ministério da Saúde com um ofício solicitando mais esta ação. Se a medida provisória é omissa para o caso dos médicos, gostaríamos que fosse aberto um edital específico para a contratação desses profissionais, ou que eles ampliassem o edital 39, que é para médicos brasileiros formados no exterior. Os médicos formados na Bolívia, por exemplo, não permaneceram lá. A ideia que tem na medida provisória de que não podemos buscar médicos onde existe uma proporção de profissionais inferior que a do Brasil é para garantir que não possamos vir a causar impacto no sistema de saúde, que já não tem estrutura o suficiente.
A GAZETA: O que está sendo feito para que isso seja implantado no Acre?
Suely Melo: Na semana que vem, vamos ao Ministério da Saúde, o governador, eu, senadores, a bancada federal e a bancada estadual. Não temos uma data definida, pois a agenda do ministro ainda será confirmada. Se isso der certo, ficaremos em uma condição muito boa. O Programa Mais Médicos já nos trouxe 20 profissionais, 4 na primeira leva e 16 na segunda. Os que já estão aqui, irão para 2 regiões de saúde: a do Baixo Acre, em Rio Branco, e a do Alto Acre, no Juruá. Também ficará 1 médico na região do Purus, em Manoel Urbano. Se, além disso, conseguirmos também os médicos formados na Bolívia, ficaremos com um número razoável de profissionais. O número do Brasil é 1,8 médicos para cada 1 mil habitantes. Para ficarmos adequados com o país, precisaríamos de pelo menos 500 médicos. A nossa proposta para o Governo Federal é de que fiquemos com pelo menos 1,5 médicos, o que daria em torno de 300 profissionais a mais do que temos cadastrado na nossa rede do SUS e na nossa assistência. A atenção básica deve ser resolutiva para 80% dos casos de Saúde de qualquer unidade territorial, de acordo com uma convenção da Organização Mundial de Saúde. E é isso o que queremos. Porque se fizermos prevenção de doenças, consequentemente teremos uma população mais saudável. Desta forma, gastamos menos dinheiro com a média e a alta complexibilidade. É necessário que tenhamos médicos para cuidar da hipertensão para não ter um AVC dentro de uma UTI, que é R$ 3 mil a diária. É necessário que tenhamos equipe para cuidar dos diabéticos, para não haver uma amputação, perda da visão ou um infarto agudo. Se a gente cuidar dos paciente na atenção básica, iremos impactar e ter sustentabilidade econômica. Fortalecer a atenção básica é cuidar da saúde.
A GAZETA: A Sesacre se preocupa com o serviço prestado pelos novos médicos?
Suely Melo: Não só nós como também o Governo Federal possui uma grande preocupação a este respeito. O fato de conseguirmos abrir um edital para contratar médicos formados em países com indicadores menores que o do nosso, a dificuldade da língua e se eles têm qualidade técnica, tudo isso foi previsto na medida provisória. Antes de irem direto para a assistência, eles passam 3 semanas em um hospital/escola sendo avaliados por um tutor brasileiro. Só vão ser aprovados e ter homologada a sua inscrição se eles tiverem condições técnicas de prestar assistência médica. Quando passam na 1ª etapa, estarão com tutoria permanente e vão fazer um curso de pós-graduação durante 3 anos. Eles não só vão estar aptos, mas também capacitados e qualificados para serem pós-graduados em Medicina da família.
A gente sabe que a atenção básica não funciona como deveria. É público e notório que um médico que atende 16 fichas em 1h não está preocupado com a qualidade da assistência. E hoje isso é o que mais tem nos PSFs. O Governo Federal diz que o médico do programa tem que prestar 8h de serviço. Se não, a bolsa deles será suspensa e serão demitidos. Hoje, a gente está refém dos profissionais médicos para poder manter o PSF aberto, porque eles vão e passam pouco tempo prestando assistência.
A GAZETA: Como funciona o Programa de Saúde da Família, o PSF?
Suely Melo: Cada bairro, cada comunidade, cada número ‘X’ de pessoas tem um PSF. Essa equipe é formada por 1 médico, 1 enfermeiro, 1 dentista, 1 técnico de enfermagem e os agentes de saúde, que são os que fazem as visitas domiciliares, acompanham os pacientes e fazem orientação. Este sistema foi montado para funcionar na atenção básica, que opera hoje de forma precária.
A GAZETA: O Acre possui PSF’s suficientes para atender toda a população?
Suely Melo: Temos várias equipes. Porém, a maioria delas não está completa, porque falta o profissional médico. E algumas que estão completas não funcionam de forma adequada, porque o médico, que tem um contrato de 8h, vai lá e faz 16 consultas em 1h e depois vai embora.
A GAZETA: E quem fiscaliza essa situação?
Suely Melo: Quem fiscaliza é a prefeitura, a Secretaria Municipal de Saúde. No entanto, é impossível dominar um serviço onde você tem poucos profissionais. Ruim com eles, pior sem eles. Então é aquela história em que o médico diz: ‘eu não vou ficar no PSF. Não sou bem remunerado lá e só tenho essa disponibilidade de horário’. O gestor municipal fica refém. Não é só em Rio Branco que isso acontece, mas sim em todos os municípios, devido ao quadro reduzido de médicos que o Acre tem.
A GAZETA: O CFM informou, na última sexta-feira, 20, que os conselhos regionais devem conceder registro provisório a estrangeiros do Mais Médicos. Como a senhora recebeu esta notícia?
Suely Melo: Fico muito feliz com isso, porque demonstra que o conselho amadureceu a este 1º impacto. Não estou generalizando, pois sei que existe muito médico bom e responsável. O problema são os que se seguram na condição de serem poucos para fazer reserva de mercado e para acumular 2, 3, 4 empregos e acabam não prestando um serviço de qualidade.
A GAZETA: A senhora se preocupa com o fato de os médicos que já atuam no país discordarem da vinda dos profissionais estrangeiros?
Suely Melo: Essa preocupação de trazer médicos estrangeiros também estava calçada na ação da reserva de mercado. E isso na verdade não existe, porque, por mais que venham médicos, sempre vai faltar. O Reino Unido definiu que uma condição ideal para uma sociedade é de 2,5 médicos por habitante. Para chegarmos a este nível, iremos precisar de mais 1 mil médicos para o Acre. O Brasil, hoje, não tem este número de profissionais para disponibilizar aos estados. O país tem 5.500 municípios. Destes, 700 não têm médicos. Então, por mais que a gente ponha no mercado médicos estrangeiros, não vamos conseguir cobrir o nosso déficit, que, com certeza, passa de 11 mil profissionais. Só iremos atingir isso lá para 2026. Portanto, este medo dos médicos de concorrência não procede. A não ser que se estejam preocupados com a qualidade, aí tudo bem. E esta qualidade, pelo que vi na medida provisória, a presidenta Dilma Rousseff e o ministro Alexandre Padilha tiveram muito cuidado em garantir.
Sinceramente, acho que é só uma questão de tempo para esses médicos se adaptarem. Porque é natural do ser humano ter receio ao novo. Acredito que, em um momento, eles irão perceber que essa rejeição não faz sentido. Afinal, por mais que eu traga gente para o Acre, ainda não vou conseguir estabelecer uma concorrência.
A GAZETA: E o que está faltando para esses novos médicos começarem os trabalhos no Acre?
S.M: Essa é uma questão nova levantada pelo nosso governo estadual. Mas a gente ainda está negociando a vinda de mais médicos brasileiros formados no exterior. Dei entrada no dia 16 de setembro, no Ministério da Saúde. Levei uma caixa grande, com todas as inscrições e entreguei à coordenação do Programa Mais Médicos. Disse para eles: ou vocês preparam uma tese para dizer sim ou não, porque vamos vir com a bancada do Acre inteira para brigar por isso, pois acreditamos nessa ajuda, apesar de não ser a solução definitiva dos nossos problemas. Acredito que se tivéssemos uma cobertura de PSF boa, teríamos uma população mais saudável economicamente, mais viável do que temos hoje, porque gastamos muito com casos de alta complexibilidade.
A GAZETA.: Uma pesquisa apontou o Acre como um dos principais destinos na escolha dos médicos do programa. O que explica esse comportamento?
Suely Melo: Fui buscar os médicos que chegaram na 2ª fase e tive uma surpresa. Pensei que iriam vir pessoas jovens, aventureiras. Mas o que percebi é que se trata de pessoas maduras, com mais de 10 anos formadas e que querem fazer disso uma contribuição de vida. Eles vieram dividir o seu conhecimento com os acreanos, que vieram ajudar porque são ideologistas. Isso me deixou muito impressionada. São médicos de 30, 40, 50 e 60 anos. Pessoas aposentadas que dizem: ‘eu já contribuí com a minha terra e agora vim ajudar o Acre’.
O sentido do nosso estado para o Brasil e até para o exterior é o Chico Mendes, a floresta. Essa coisa lúdica que o Acre representa para o resto da nação. Estamos em um estado que tem 80% de cobertura florestal. Dá a impressão que a gente vive no meio do mato. Só descobrimos o que é o Acre quando chegamos aqui. Acho que isso também estimula o sentimento de aventura. Então, acredito que é um misto de vontade de ajudar com a de viver uma nova experiência que faz esses profissionais escolherem vir para cá. O importante é que eu vejo um bom sentimento.
A GAZETA: Diante de algumas denúncias de irregularidades e falta de medicamentos, há uma preocupação da Sesacre com a estrutura dos hospitais dos municípios?
Suely Melo: Em relação à estrutura da média e alta complexibilidade, que é o que o governo responde, estamos muito bem. Graças a Deus, todos têm estrutura. Visitei uma a uma destas unidades, e não foi só uma vez. Entro pela porta da cozinha e saio pela porta da frente. Olho até se a tomada está funcionando. Então, garanto que as nossas unidades têm estrutura, umas mais velhas, outras mais novas, algumas pobres, mas todas oferecem condições de atendimento a qualquer momento. Já as unidades básicas de saúde eu não conheço, mas sei que já estão quase 100% reformadas. Conheço algumas de Rio Branco e posso afirmar que são muito boas. Nas unidades dos municípios, posso garantir que pelo menos 1 ou 2 possuem qualidade. Outras são capengas, velhinhas, mas o Governo Federal liberou, junto com o programa Mais Médicos, R$ 7,9 bilhões para reformar e estruturar todas as unidades de Saúde do país.
A GAZETA.: Por que o Acre possui tanta dificuldade para manter uma boa estrutura em 100% das unidades de saúde?
Suely Melo: O Acre é considerado ‘pobre’. Optamos pela sustentabilidade, o que torna o nosso desenvolvimento mais lento. Por isso, vamos demorar um pouco mais para ficar tão ricos quanto o resto do Brasil.
(Foto: Odair Leal)