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Cultura da mediocridade

Hoje, especialmente, abro espaço para homenagear o filósofo e teólogo  Isaltino Gomes Coelho Filho, que faleceu, vítima de câncer, terça-feira (1º/10) na cidade de Campinas-SP. Professor, conferencista e escritor de mancheia, com mais de 33 obras relevantes publicadas, Isaltino exercia também o ministério pastoral por mais de quatro décadas em igrejas filiadas a Convenção Batista Brasileira. No que cabe a mim, Isaltino foi,  sem  equívoco, um bom amigo. Um dos poucos amigos, entre as dezenas de pessoas conhecidas com quem me relaciono em longo dos anos.

Destaco aqui um dos seus últimos textos, que traduz bem a sua insatisfação com a cultura do vulgar e do medíocre, em alta no Brasil nas redes sociais e, notadamente nos meios evangélicos. Eis o texto:

A mediocridade da cultura atual é assustadora.  A bobagem avulta em todos os segmentos da mídia! As pessoas se pautam pela mediocridade, até mesmo as que deveriam ter a mente iluminada por Cristo!

Recordo-me de um jornal de Boa Vista, Roraima, que certa vez entrevistou com uma menina de 15 anos. Cada frivolidade! Seu sonho de consumo era uma Ferrari vermelha. Seus votos: “Simplicidade para todos!”. Dá para entender? As pessoas hoje são famosas não pelo brilho intelectual ou por acrescentarem à sociedade, mas pela estética e por aparecerem na tevê. Então, lemos na Internet: “Veja o que os famosos estão fazendo hoje!”. Bisbilhotar gente fútil é cultura!

Nesta semana li uma entrevista com uma candidata a miss, num jornal de Macapá. Que raso! Espremendo não dá uma colher de café. Mas é querer muito que pessoas que saem em jornais porque foram maquiadas tenham o que dizer. Um português fraco, não corrigido pela redação (aliás, corrigir erros de português é preconceito linguístico!). Indagada sobre Deus, a jovem disse: “Tudo que preciso para me sentir bem”.

Deus virou Lexotan. Não é mais um Ser, o Criador, o Sustentador, a Perfeição, o Absoluto que serve de padrão para nossas ações. É algo para nos sentirmos bem. E o que é “me sentir bem”? Para o drogado, uma pedra de crack. Para o sádico, infligir mal a alguém. A vida é se sentir bem? Ou é ser bom, fazer o bem, ser íntegro e honrado? A vida é só sensação, prazer, ou é dever e saber viver em grupo? E quando fazemos essas coisas nos sentimos bem de verdade!

O individualismo contemporâneo tem produzido uma geração fútil, mesquinha e egoísta. As pessoas parecem querer que o mundo gire  ao seu redor. São o centro do mundo, e geralmente seu mundo é pobre. São vazias. A vida lhes é roupa de grife, a traquitana eletrônica mais recente, e indigência existencial. Parece que quanto mais medíocre for a pessoa mais sucesso faz. Recordo de um decadente ator de televisão: “Machado de Assis? Pô, cumpadi, tu mi pegô, esse aí num sei não quem é!”.  O ator deitava falação sobre a vida, ensinando aos jovens como viver. Deveria ir para uma escola. Bem, não sei se ajudaria. Queda-me a impressão que o Estado está mais preocupado em distribuir kit gay e a possibilidade de dar preservativos aos adolescentes que com a qualidade de ensino. Pelo menos discute mais aqueles que este.

Dá-se o mesmo no evangelho. Cânticos pobres, mensagens pobres, cultos pobres, um blábláblá terrível. Espreme-se e não sai uma colher de café de conteúdo. Boa parte da teologia pregada é como a da mocinha: Deus é uma coisa para elas se sentirem bem. As pessoas não são chamadas à vida santa útil, correta e dedicada a Deus e aos outros. Deus é o açúcar e não o Senhor de suas vidas. Arrependimento, abandono do pecado e santidade saíram do temário. O tema agora é ser feliz e abençoado.  E os outros são pretextos, objeto em discurso. Amamos os que nos amam, elogiamos os nossos queridos e nossos familiares, evitamos os irmãos de quem não gostamos, e dizemos que vivemos em amor e somos filhos de Deus. Boa parte dos crentes nunca leu a Bíblia toda, não conhece os fundamentos da sua fé, não tem base alguma. Mas se o culto lhes fez bem, foi tudo que elas precisavam. Deus existe para fazê-las felizes, não para lhes dizer como viver. Nessa hora, “ninguém tem nada com a minha vida!”.

Quando tinha 20 anos de idade, numa aula de Teologia Sistemática, eu disse ao professor, o saudoso Dr. Soren, que a razão era uma maldição. Quatro décadas depois, valho-me da razão: ela é muito boa, uma bênção de Deus, mas às vezes é mesmo uma maldição. Deve ser maravilhoso não pensar. Quem não pensa não tem crise existencial nem frustração com a humanidade. Não ra-ciocinar, não avaliar, satisfazer-se com o visual e com as sensações, sem avaliar nada, deve trazer algum bem. Caso contrário, as pessoas seriam mais analíticas.

Definitivamente não dá para aceitar frivolidades como filosofia de vida. Menos ainda como teologia.

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Categories: Francisco Assis
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