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“Conversa comprida”

Parece até contraditória, a conversa comprida num mundo de comunicação eletrônica acelerada. Mas essa é a nova palavra de ordem que o senador Jorge Viana (PT/AC), vice-presidente do Senado, propõe a si mesmo e aos seus assessores para ajustar o mandato às reivindicações e mobilizações populares. A ideia, que ele planeja há pelo menos dois anos, é criar “conselhos do mandato” independentes nos 22 municípios do Acre, para discutir e resolver problemas ajudando a construir uma vida melhor e sustentável para a sociedade.

Na prática, essa história começa em Xapuri, terra de Chico Mendes, com três reuniões realizadas no último fim de semana (27 e 28 de setembro) somando mais de 10 horas  de duração. O encontro mais esperado aconteceu na manhã de sábado, a partir das 9h40 no restaurante da Pousada Xapurys, ou Pousada do Garrinha. As mesas foram retiradas e o longo espaço ocupado por cadeiras arrumadas em circulo (na verdade, na forma oval) onde se acomodaram jovens estudantes e professores do IFAC e da UFAC, professores, alguns líderes comunitários da cidade e da floresta, comerciantes, donas de casa e convidados especiais.

A equipe técnica do senador distribuiu crachás de identificação e montou um kit eletrônico com tela e Power Point. E Jorge Viana assumiu a posição de conferencista para explicar melhor a proposta de criação dos conselhos. O senador exibiu a performance do líder político diferenciado que desde 1990 acompanha (e de certa forma conduz) as principais mudanças que projetam o Acre nos cenários nacional e internacional.

Quando, em 1985, ainda frequentava o curso de Engenharia Florestal na Universidade de Brasília, sua turma precisou ceder, por um dia, o espaço físico para que Chico Mendes e outros líderes extrativistas da Amazônia criassem o Conselho Nacional dos Seringueiros. Assim, acabou participando do evento e conhecendo pessoalmente o Ghandi da floresta. Desde então, Jorge Viana e Chico Mendes se tornaram parceiros em defesa da floresta e dos povos da floresta acreanos.

A trajetória politica do senador foi acelerada: ele começou como técnico da Fundação de Tecnologia do Acre, em 1986, e em 1990 já saiu candidato ao Governo pelo Partido dos Trabalhadores, quando ambos (partido e candidato) ainda engatinhavam. Surpreenderam, entretanto, disputando o segundo turno com Edmundo Pinto, da Arena, que se elegeu, mas acabou sendo assassinado num hotel de luxo em São Paulo.

Embora derrotado, o jovem engenheiro florestal não passou despercebido pelo líder nacional dos metalúrgicos Luís Ignácio da Silva, o Lula, que o procurou e ofereceu apadrinhamento político. Jorge passou dois anos estudando ciências politicas e gestão no Brasil e na Venezuela. Em 1992, se tornou prefeito de Rio Branco iniciando a modernidade administrativa da capital acreana. No fim da década, foi eleito (1998) e reeleito (2002) governador. Agora estava ali, diante de pessoas representativas da sociedade xapuriense, com moral para falar de acreanidade e dos sonhos que todo indivíduo precisa ter.

Alguns dias antes de seguir para Xapuri, ele viajava de Brasília a Rio Branco num Boeing da TAM quando, ao anunciar o procedimento de pouso, o comandante Tavares passou pelo som de bordo o simpático aviso aos passageiros: “Senhoras e senhores, pousaremos dentro de instantes na capital acreana. Pra mim é uma felicidade fazer este vôo, porque sou acreano, nasci no seringal São João do Iracema, em Xapuri,  e mantenho ligação afetiva com esta terra”. Imediatamente, Jorge Viana foi cumprimentá-lo na cabine e gravou uma pequena entrevista com o recurso do seu Iphone.

Um grande trunfo: antes de rodar a imagem em Xapuri, o senador falou da importância de toda pessoa ter um grande sonho na vida. Pois na entrevista, o comandante Tavares fala com visível felicidade das dificuldades que enfrentou para realizar o seu. Chegou a trabalhar numa lanchonete na China para pagar as aulas de pilotagem.

O efeito na plateia foi mágico: olhos brilhando e bom humor nos relatos. Jovens  revelaram  sonhos relacionados ao futuro, ainda nebuloso, de Xapuri como cidade reconhecida pelo ambientalismo internacional: Delvan, Larissa, Cleilson, Elieane e Tadeu, entre outros, deixaram a  impressão que nem só de pistoleiros e drogas vive o munícipio. A educação, por exemplo, avançou muito, chegou ao nível técnico e universitário e se expande pelos seringais.

O quadro otimista foi reforçado pelas palavras maduras e conscientes da professora Irmã Ignez, do IFAC, para quem Xapuri “é diferente e especial”.  O sonho dela é ver a cidade transformada num centro universitário. Bom, era esse o propósito do ex-governador Binho Marques (2007-2010), responsável em grande parte pelo avanço da educação no Estado nos últimos vinte anos. Não sabemos o que atrapalhou esse sonho.

A Irmã Ignez também não sabe, mas deixou uma advertência para quem sabe: “A educação pode acontecer sem desenvolvimento, mas desenvolvimento sem educação é impossível”.  Ela diz, com tristeza, que em Xapuri “estamos pobres de biblioteca, cinema, teatro, música”… 

* Elson Martins é jornalista.

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