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Uma viagem pela BR-364, um roteiro que retrata a esperança para o Juruá de sair do ‘isolamento’

Acre. Um estado. Duas regiões bem distintas. Em uma extremidade, no chamado Vale do Acre, está Rio Branco, a Capital e maior cidade do Estado. Na outra ponta está Cruzeiro do Sul, a 2ª maior cidade acreana e a maior do Vale do Juruá. Pela distância, os 2 locais seguiram ritmos diferentes de desenvolvimento ao longo da história, e agora começam a se aproximar uma da outra. O alvo deste texto é o caminho entre estas 2 cidades, que são referências no Estado.

No final da semana passada, na sexta-feira, dia 11, a Reportagem de A GAZETA acompanhou uma comitiva do governador Tião Viana, o incansável, vistoriando os mais de 650 km pela estrada que liga Rio Branco até Cruzeiro do Sul.

A viagem é praticamente um programa obrigatório para todo acreano que gosta de conhecer melhor as belezas deste majestoso Estado. Além disso, é uma chance para ver mais um ‘reforço de peso’ na luta dos sul-cruzeirenses contra o fim do isolamento e em prol do desenvolvimento econômico. Para se ter ideia, há 10 anos esta viagem durava até 5 dias, tendo que passar com trechos entre a floresta, na lama, pegando balsa. Hoje, é possível fazê-la em até 11 horas.

Para tanto, há mais de 11 semanas, desde o início de agosto, dia 2, o governo estadual trabalha intensamente com obras na estrada, teimando com um ‘verão amazônica’ que não lhe é favorável.  A meta é concluir a estrada inteira até junho, cuidando apenas dos reparos das partes já desgastadas a partir daí.  

Nosso grupo saiu de Rio Branco logo nas primeiras horas da manhã, por volta das 6h20. O dia era bom, ideal, só que o tempo sobre nossas cabeças queria demonstrar o contrário. As nuvens claras com outras num tom levemente escuro/acinzentado ameaçava uma chuva que podia cair a qualquer hora. Uma chuva que seria vilanesca não só para nosso trajeto pela estrada, como também para os trabalhos de conclusão e reparação que estão sendo feitos pela BR-364.

Só que, para nossa sorte, a chuva ficou só na ameaça o tempo inteiro. Não chegou a cair. Um alento para as obras na estrada e uma folga para nosso relógio pela estrada. Nossa viagem, então, começou bem. Rápida. Saímos na parte da estrada até o aeroporto de Rio Branco com uma velocidade velozmente segura. E, ao passar da rotatória de entrada para o complexo aeroportuário, ganhamos mais velocidade. Os primeiros quilômetros pela estrada eram tão bons, tão trafegáveis, que pareceram passar voando. Íamos rápidos e a estrada contribuía para isso.

Mas a nossa rapidez foi retardada logo nos quilômetros à frente. De fato, os 145 km entre Rio Branco começam bem. O carro flui na estrada. Mas as falhas na pista e os buracos começam a vir depois. Não são muitos. Mas são o suficiente para exigir certa habilidade do motorista para desviá-los. Ainda assim, dá para trafegar bem. Não representam nenhum grande atraso no percurso. Ainda mais porque em vários momentos a estrada é larga e permite os desvios dos buracos.

De acordo com o governador Tião Viana, estes poucos mais de 140 km entre Rio Branco e Sena têm muitos trechos que são críticos devido a um impasse do governo estadual com o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Segundo Tião Viana, o responsável pelos cuidados com este trecho da estrada é o Dnit. Logo, a única forma de intervenção do governo sobre a estrada é nas cobranças para que o órgão nacional faça o seu trabalho.

“Estávamos preocupados porque, apesar de não podermos mexer aqui, o governo deve cuidar da BR. Contatamos mais de 20 vezes o Dnit. Mas as coisas aqui vão melhorar. Há cerca de 15 dias, fizemos reunião e depois foram liberados recursos para a reparação da estrada. A população vai se sentir mais respeitada. Sei que tempos difíceis vão ficar pra trás”, informou o governador.

Enfrentando estes buracos, chegamos ao município, às 8h10. Na ocasião, o governador foi ao ramal do bairro Nenê das Neves entregar um pacote de vias pavimentadas com tijolos, saneamento e rede de água, parte de uma programação do Ruas do Povo. O local, antes, era tomado pela lama. Agora oferece amplas condições de acessibilidade. Sena possuía muitos problemas com buracos nas ruas. Com a ajuda do programa governamental, esta dificuldade está sendo enfrentada. Bom para o município! Bom para a população! Bom para o Acre! Bom para nossa viagem!

Quase um ‘tapete’, um dos melhores trechos da viagem
Depois de deixar Sena Madureira, por volta das 8h45 da manhã, para a nossa surpresa, a estrada melhorou notoriamente. A pista era muito bem asfaltada, com vários trechos com acostamento. Não deixava a desejar para nenhuma estrada da região amazônica. Quarenta minutos depois seguindo por esta boa estrada, a uns 50 km depois de Sena, chegamos a um trecho onde, em outros tempos, o barranco ameaçava apartar a estrada. Agora, o trabalho de reparação na BR-364 fez com que o trecho ficasse mais reforçado, seguro. Homens trabalhavam no local.

Só há uma pista neste local. É preciso ter atenção para atravessá-lo quanto aos veículos vindo no outro sentido da estrada.

“Sempre havia deslizamentos nesta área. Era um perigo. Agora, fizemos um reforço e subimos mais de metros o barranco para segurar o barranco e evitar os deslizamentos. Vamos entregar este pedaço já pronto nos próximos 15 dias”, revelou Tião Viana.

Ao passar pelo trecho do deslizamento, a uns 20 e tantos quilômetros adiante, chegamos a Manoel Urbano (cerca de 75 km de Sena), às 10h30. Já foram quase 220 km de estrada desde Rio Branco. Lá, Tião Viana e sua comitiva também entregaram mais um conjunto de vias do Ruas do Povo, além de vistoriar, um pouco antes da entrada da cidade, um loteamento agrário (El Shaday). Os moradores elogiaram muito a presença do governador no município.

“É o governador que mais veio aqui em Manoel Urbano. Nestas últimas semanas, é a 3ª vez que ele vem. E no ano passado, nós contamos, ele veio 28 vezes”, contou um morador, feliz da vida por abraçar ao governador pelo que seu mandato fez pelo município. E não para tanto, em Manoel Urbano, o Ruas do Povo fez mais de 45 ruas. Faltam só 8 para concluir suas ações na cidade.

Dificuldades surgem nas partes em que a pavimentação com asfalto ainda não chegou
Após a entrega das ruas, saímos de Manoel Urbano quase às 11h e seguimos rumo a nossa jornada até Cruzeiro do Sul. Logo depois de sair no município, a estrada é boa até chegar na 1ª grande parte da BR-364 em que o asfalta ainda não se fixou direito. É o chamado trecho sobre o Rio Jurupari. São 70 km (metade do percurso de 150 km entre Manoel Urbano e Feijó) em meio à terra batida, poucas partes em asfalto e muitos, muitos buracos (e inclua muitos nisso).     

Os primeiros quilômetros entre o barro são tranquilos. A terra é bem batida, formando uma trilha que os carros superam com uma ou outra dificuldade. Para um motorista atento e cauteloso, é fácil andar por sobre ele com certa velocidade. No entanto, os quilômetros que se seguem mais adiante não são assim tão fáceis. Os buracos e as falhas na pista vão dificultando a nossa passagem. Perdemos muita velocidade. O carro balançou muito, exigindo muita atenção do motorista.

Após andarmos alguns poucos, mas demorados quilômetros neste ritmo dos buracos, nossa comitiva parou mais uma vez. O governador Tião Viana desceu e nos explicou que estávamos atravessando os 8,7 km que eram a 1ª grande parte que impedia o asfalto na estrada de emendar um com o outro. Tião contou que a meta era avançar as obras neste trajeto, até o fim do verão.

Nossa viagem prossegue ainda com muitos buracos, só que com menos do que nos quilômetros anteriores. Nosso ritmo era lento, mas assim chegamos ao acampamento do Massipira, já bem próximo a Feijó, por volta das 12h20. É lá que iremos almoçar. No entanto, antes da refeição, fomos até uma sala para ouvir explicações técnicas do coordenador da obra do Deracre (Departamento Estadual de Estradas e Rodagens), Fernando Moutinho. Ele informou todo o trabalho que já havia sido realizado na BR-364, assim como os planejamentos para as próximas semanas.

O coordenador do Deracre também detalhou a metodologia de trabalho adotada. Conforme Moutinho, as obras são feitas por parte, divididas em trechos. Cada quilômetro é um trecho. Em dias favoráveis eles conseguem fazer até 1 trecho (ou km) por dia. Mas em outros dias, os planos deles são frustrados pelas chuvas. Moutinho revela que há 10 trechos mais críticos na BR. E são neles que as equipes trabalham. A previsão é de finalizá-los até esta semana. Porém, cada dia de ação para eles depende muito do tempo. Por isso, eles olham, atentos, a previsão todos os dias. Para esta semana, o início indicava algumas chuvas. Ou seja, um obstáculo. A semana mesmo, para eles, deve começar a partir de quarta, quando as previsões apontam uma estiagem maior.

Tudo revelava uma verdadeira corrida contra o tempo. E uma corrida de 2 formas. O primeiro é o ‘tempo’ no sentido literal da palavra: minutos, horas, dias, meses, anos. Já o segundo diz respeito à conotação mais climatológica do ‘tempo’. Mais em particular, as chuvas. E, neste ‘verão’, elas foram constantes, prejudicando – e muito – os trabalhos.

Após os esclarecimentos de Fernando Moutinho, alguém da comitiva comentou baixo: “Nossa, a chuva é mesmo a grande vilã da BR-364”. É verdade. Mas ela não é a única. O solo impróprio e movediço, aliado a um subsolo frágil e que teima em impedir o assentamento firme do asfalto, são dois outros pedregulhos no sapato de quem constrói a estrada.   

O quadro atrás de Fernando Moutinho é emblemático. Ele aponta todo o material que já foi recebido para as obras, o que que já foi utilizado, o que ainda tem em estoque e o que ainda necessita para a conclusão. De cimento, por exemplo, já foram recebidos 2.840 sacos, dos quais 2.745 sacos já foram consumidos e 95 estavam em estocados (e mais de milhares ainda precisavam ser comprados para as obras). De brita 1, 1.602,93 m³ já haviam sido recebidos, dos quais 791m³ já haviam sido usados e 811,93m³ ainda estavam em estoque. Já da chamada ‘brita zero’, 420m³ já foram recebidos e tudo já foi usado. Eles precisavam de mais. Prova de que as demandas para quem trabalha praticamente não param. Elas surgem o tempo todo.  

Trabalhadores e máquinas dão ritmo às obras da BR
Após as apresentações técnicas e o almoço, entremos no carro e seguimos nosso trajeto pela estrada. Já são mais de 1h15 da tarde. A pista ainda não é das melhores, mas conseguimos ir adiante num passo quase ligeiro, até que os buracos reaparecem. Em meio a eles, nossa comitiva para verificar de perto uma máquina de alta tecnologia alemã, que faz 2 funções. Ao mesmo tempo em que ela passa pela terra, consegue reciclar o asfalto já encoberto por todo o barro usado para reparar a estrada danificada. Isso abre caminho para, depois, vir a brita e as demais camadas asfálticas que sustentarão a BR-364. Mas como jogam esta brita?

Seguimos o nosso percurso em uma pista ainda bem esburacada. Logo mais adiante, a nossa caravana faz uma parada para ver de perto outra ‘maravilha moderna’, que acelerou o ritmo de obras da BR. É a operadora de MDR, uma máquina trazida do interior de Minas Gerais e que sozinha faz o trabalho que necessitaria de pelo menos 10 operários para executar a mesma função. A máquina despeja o piche e a brita já juntos, num processo todo milimetricamente digitalizado. Sozinha, este aparelho foi capaz de economizar 16 dias de trabalho nas obras. Dias valiosos.             

A nossa caravana olhou atentamente as máquinas funcionando. Enquanto isso, o governador Tião Viana nos explicou a importância delas. “Estes equipamentos representam uma revolução na forma de construir a BR-364. Eles vão garantir uma estrada de muito mais qualidade”. Tião também aproveitou para fazer outro destaque: os trabalhadores que atuam nas obras da estrada. Ao todo, são mais de 300, que as vezes trabalham das 7h da manhã até das 23h da noite. E a maioria deles são moradores da região. Pessoas que estavam sem trabalho e foram aproveitadas.

O primeiro que nossa equipe entrevistou foi Raimundo Nonato Souza da Silva, 48 anos. Ele está há poucos dias trabalhando lá, mas já é o 3º ano seguido em que participa das obras da BR. Também conta que estava desempregado. Mas agora, com o serviço, ficará mais fácil garantir o sustento da sua mulher e de seus 6 filhos. “O serviço é ótimo. O acampamento dos trabalhadores é muito bom. Comemos bem lá. Podemos viver bem e ajudar nossas famílias”, completou.

Por sua vez, o operário de serviços gerais Algenório José Pinheiro da Silva, 23 anos, conta que também estava desempregado antes de ser chamado para trabalhar na estrada. Ele lembra que sua situação era difícil. Tem mulher e 3 filhos, mas não conseguia emprego. Agora, o salário lhe ajuda nas despesas. Mas isso não é tudo. “Nós nos sentimos valorizados em poder trabalhar aqui, em uma obra tão importante para o nosso Estado”, complementou ele.

Acampamento de supervisão militar e o fim do trajeto
Os últimos quilômetros pelo chamado ‘trecho crítico do Jurupari’ foram num ritmo ainda vagaroso. Assim, com a supervisão das máquinas, a conversa com quem ‘faz’ a estrada e os trechos ainda em construção, o tempo foi passando. Eram mais 13h45 quando chegamos ao acampamento dos trabalhadores. O local é o que se pode chamar de militarizado. Isso porque ele é controlado pelo major Oliveira, formado em Engenharia Civil. O major atuava na segurança do governador Tião Viana. No entanto, quando as obras na BR-364 viraram o foco do governo, o major Oliveira, homem de confiança do governador, decidiu ir ao local para coordenar de perto os trabalhos.

O major cuida do acampamento que tem mais de 75 trabalhadores, com fluxo de pessoas que varia muito. Ele chegou ao local desde o dia 16 de setembro. A previsão é de ficar lá até o fim desta etapa das obras no verão, perto de novembro. O major conta que trabalhar lá é um desafio e que somará muito para a sua carreira militar.

Outro que ressaltou a atuação no acampamento foi Kêmio Dantas. Ele é responsável pelos estoques no complexo, e narrou um pouco sobre como é seu dia a dia lá. “Fazemos estoque de brita 1, brita zero, CM30, RR2C, cimento, combustível, alimentos, etc. Temos o controle de tudo e temos que pedir para não faltar nada, porque os trabalhos não podem parar. É uma tarefa difícil, mas sabemos que isso faz toda a diferença para o andamento das obras”.

Após sairmos do acampamento, o asfalto ganha em definitivo as rodas de nosso carro. Nosso ritmo pela estrada volta a ser tão intenso quanto o dos operários da BR atrás de nós. Passamos por Feijó e até Cruzeiro são mais de 270 km. Já são mais de 14h e ‘apertamos o passo’. Nosso carro parece voar de novo pela pista lisa da estrada. A exceção é um ou outro pedaço ruim. Perto da maior cidade do Juruá, chegamos à balança, que não deixa nenhum veículo pesado ficar na estrada se não respeitar o peso máximo de carga. Daí pra frente mais e mais floresta acreana fica à nossa volta, nas margens da estrada. Uma mata com relevos e depressões, bem diferente da que conhecemos e estamos habi-tuados a ver na outra ponta do Estado, em Rio Branco.

E é com esta selva distinta como pano de fundo que se passem as próximas 3 horas e meia, até que chegamos a nosso destino final: Cruzeiro do Sul. O relógio marca alguns minutos à frente das 17h30, dando-nos uma visão bela e movimentada de Cruzeiro. A estrada ficou pra trás. Mas o que vimos nela deve ficar marcada muitos anos adiante para o povo sul-cruzeirense, e do Juruá, de forma geral: a esperança de uma ligação terrestre que há mais de 30 anos vem sendo planejada e trabalhada, mas que só nos últimos anos vem sendo mantida aberta mesmo durante o inverno, e que nos anos posteriores pode ser totalmente asfaltada.

Neste verão, o governo espera concluir o asfaltamento de mais de 47 km da estrada. Durante o período de chuvas, a ideia é manter os trechos já feitos em constante manutenção. E, na próxima estiagem, em junho, se as chuvas permitirem, todos sonhos em anunciar uma BR-364 concluída.
        
Jamyl Asfury reconhece que desafio de construir é grande
Presente em nossa comitiva estavam dois parlamentares, convidados para vistoriar a BR. Um deles era o presidente da Aleac, deputado Élson Santiago (PEN). Ele revela que acompanha de perto a construção da estrada, e que ela nunca evoluiu tanto quanto agora.

“O trecho de Feijó até o Rio Jurupari, que era a pior parte, está sendo trabalhada e até o final do ano pode ficar pronta. O trecho de Tarauacá até o Rio Liberdade, que já foi feito há muito tempo atrás, ficou danificado e atualmente está sendo recuperado. Portanto, tenho o prazer de dizer que hoje a situação já melhorou muito e tenho certeza, que, conforme Tião Viana falou, as obras serão inauguradas em junho”, destacou Santiago.

Já o outro parlamentar presente em toda viagem, Jamyl Asfury (PEN), formado em Engenharia Civil, disse ter um olhar mais crítico pela estrada e que, por isso, garante que as obras nela tem evoluído a cada dia.

“Temos um desafio na Amazônia em construir estradas. Quem conhece de engenharia, sabe disso. Inclusive, fazendo referência de estradas na Amazônia, temos um exemplo a não ser seguido que foi a Transamazônica, que só hoje está conseguindo ser recuperada. A BR-364 tem esse mesmo desafio, mas nós temos percebido que, sobretudo agora na gestão do Tião Viana, ela tem ganhado uma celeridade muito grande. A participação de mais tecnologia e de equipamentos modernos contribuiu muito. O nosso verão não foi muito bom, mas o grande desafio, que é garantir a infraestrutura, já estamos via-bilizando”, concluiu Asfury.

A Gazeta do Acre: