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Vegetação do tipo “formações pioneiras de influência fluvial” (FPIF) ao longo dos rios acreanos

As Formações Pioneiras de Influência Fluvial (FPIF) são uma classificação inédita no âmbito do sistema brasileiro de classificação da vegetação, sistematizada na mais recente edição do Manual Técnico da Vegetação Brasileira, publicada pelo IBGE em 2012, e correspondem, no complexo de formações vegetais adjacentes aos cursos de água e rios de pequeno e médio porte do oeste da Amazônia, à região compreendida entre a praia e o início da ocorrência de florestas primárias em áreas de terra firme (Figura 1).

É interessante notar que os autores do capítulo dedicado à descrição da vegetação acreana nas publicações referentes às fases I e II do Zoneamento Ecológico e Econômico do Acre, ignoraram a ocorrência de Vegetação com Influência Aluvial, sensu IBGE, ou seja, as diretrizes descritivas existentes na edição 1992 do Manual Técnico da Vegetação Brasileira.

A partir da margem dos rios e outros cursos menores de água, a largura das FPIFs pode variar entre algumas dezenas até mais de duas centenas de metros. Nas margens opostas às FPIFs (Figura 2a), geralmente em terraços elevados, é possível observar a ocorrência de florestas primárias de terra firme que são constantemente erodidas pela força das águas (Fig. 2b), e florestas primárias sobre terreno consolidado (não aluvial), baixos e passíveis de inundações temporárias no período das cheias (Fig. 2c). A zona de transição entre as FPIFs e as florestas de terra firme sobre terraços consolidados pode ser facilmente observada a partir do leito dos rios (Fig. 2d).

De uma maneira geral, as FPIFs tendem a ocorrer sobre solos formados por deposição fluvial (Neossolo Flúvico) ou em solos com lençol freático alto (Gleissolos) e a correta delimitação em mapas das FPIFs é praticamente impossível, pois para isso seria necessário anotar, ao longo da trajetória dos rios, as margens de deposição e as de erosão aluvial.

Estando em zonas alagáveis e de deposição intensiva de sedimentos, a vegetação das FPIFs é muito dinâmica em suas mudanças e adaptações a um ambiente naturalmente instável, podendo mesmo ser considerada efêmera. Mesmo assim, formações do tipo FPIFs são muito comuns ao longo de rios de médio a pequeno porte de todo o oeste da Amazônia. Sob o ponto de vista florístico, as mesmas são, infelizmente, pouco estudadas.

Para suprir essa deficiência, realizamos um estudo para investigar a composição florística e a estrutura da vegetação de uma FPIF existente no alto Rio Purus, nas cercanias da cidade de Santa Rosa do Purus. Ele consistiu na ava-liação da vegetação e das características físicas do solo ao longo de uma trilha (trasecto) com aproximadamente 250 metros de comprimento e 20 m de largura. Este transecto foi posicionado de forma perpendicular ao eixo do rio, iniciando na margem do rio (praia) e terminando no ponto de início da ocorrência de uma floresta não inundável.  

A FPIF estudada ocorria sobre solo areno-argiloso e rico em matéria orgânica e exibia uma clara mudança na composição das plantas na medida em que a vegetação se afastava da praia e se aproximava da Floresta Primária dos terraços não inundáveis.

A vegetação na praia consistia, majoritariamente, em ervas anuais cujo desenvolvimento é desencadeado pela baixa do nível das águas. Estas ervas são, em sua maioria, das famílias Solonaceae, Asteraceae, Euphorbiaceae e Poaceae. Apenas a planta conhecida popularmente como orana (Adenaria floribunda.  Lythraceae) se apresentava como um arbusto lenhoso perene capaz de resistir ao período da cheia dos rios.

A maioria do componente florístico da FPIF é formada por espécies pioneiras, dentre as quais se destacam o assa-peixe (Vernonia ferruginea), canarana (Gynerium sagitatum), embaúba  (Cecropia spp.) e, às vezes, o algodoeiro (Ochroma pyramidale).

A Floresta Primária adjacente às FPIF apresentava dossel com árvores de grande porte, com até 30 m de altura, como a guariúba (Clarisia racemosa) e manitê (Brosimum sp.) As espécies do estrato intermediário incluíram a maparajuba (Manilkara  sp.), ingá branca (Inga sp.), uricu-ri (Attalea phalerata)  e maraximbé branco (Trichilia pleeana). O canela de velho (Rinorea viridifolia), pimenta longa  (Piper hispidinervum)  e japécanga  (Smilax sp.), eram algumas das principais espécies arbustivas. Heliconias, Araceae e Poaceae representavam a maioria das espécies do componente herbáceo.

Estudos realizados por pesquisadores holandeses e finlandeses no Peru demonstraram a importância das formações pioneiras que ocorrem nas áreas de deposição aluvial dos rios da Amazônia peruana e comentam que a dinâmica destas formações pode ter influência não apenas ecológica, mas econômica tendo em vista que os solos onde elas crescem são geralmente muito férteis.

No estudo que realizamos no alto Rio Purus, observamos que o gradiente de variação do solo ao longo do transecto foi de areia pura na margem do rio, passando por uma espécie de Argissolo sob a FPIF, e solo predominantemente argiloso sob a floresta primária. O solo mais promissor sob o ponto de vista de riqueza em matéria orgânica era o encontrado na área da FPIF, que se beneficiava da constante deposição de matéria-orgânica em função da variação constante do nível da água no período das chuvas. Essa vantagem, entretanto, parece ser relativa, pois na medida em que se aprofunda, este solo vai ficando mais argiloso. Essa condição interfere na velocidade infiltração da água, que é muito rápida na superfície e lenta na subsuperfície, tornando o solo extremamente suscetível à erosão severa.

A estrutura da vegetação que compõe as FPIFs é fortemente influenciada pelo solo e embora as mesmas possuam alto valor biológico, sua preservação ou conservação é problemática, pois estão localizadas sobre terreno cuja estabilidade depende da dinâmica dos rios meândricos que atuam diretamente na formação de florestas primárias nestas áreas, na medida em que os sedimentos aluviais acumulados se consolidam.

Estudos adicionais são necessários para conhecer melhor a distribuição geográfica e a composição vegetal das FPIFs no oeste da Amazônia, de modo que as mesmas possam ser reconhecidas oficialmente com uma classificação distinta no âmbito do sistema brasileiro de classificação de vegetação.

*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa e do Parque Zoobotânico da Ufac.


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