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Juíza avalia primeiro ano do novo modelo de semiliberdade no Acre

Em entrevista exclusiva para a equipe de A GAZETA, a juíza titular da 1ª Vara da Infância e Juventude, Rogéria Epaminondas, esclareceu o funcionamento da medida de semiliberdade executada no Acre. O modelo realizado no Estado desde dezembro de 2012 é pioneiro no país e atua de forma invertida, em que o adolescente passa o dia na unidade em atividade de escolarização e profissionalização, e à noite retorna para casa. Atualmente, essa medida é cumprida no Centro de Apoio à Semiliberdade, ao Egresso e Família (Casef), antigo Centro Socioeducativo Acre.

Um ano após a implantação do sistema inédito no Brasil, a magistrada aponta as dificuldades, os desafios e os bons retornos encontrados em uma das áreas mais difíceis da socioeducação.

A GAZETA – Como surgiu a ideia de implantar um novo sistema de semiliberdade no Acre?
Rogéria Epaminondas – A nova proposta de semiliberdade foi apresentada em uma reunião com a presença dos promotores de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre, defensores públicos, além de servidores e de técnicos. Na ocasião, o presidente do Instituto Socioeducativo do Acre (ISE), Henrique Corinto, acompanhado do chefe da Divisão de Meio Fechado, Leonardo Carvalho, mostrou uma nova forma de aplicar a medida. Ao invés de a semiliberdade ser executada como um albergue, em que o adolescente só ia à unidade dormir, ele propôs que o socio-educando ficasse no local durante o dia realizando atividades, e à noite retornasse aos cuidados da família dele. Eu achei a proposta excepcional e vi aí um novo caminho a ser seguido.

A GAZETA – Os adolescentes respeitam a medida, já que não estão completamente privados de liberdade?
Rogéria Epaminondas – A semiliberdade é a medida socioeducativa mais difícil de ser cumprida pelo adolescente, porque nela se deve ter disciplina. Por isso fiz uma contraproposta e solicitei que esse novo modelo fosse transferido da Casa Reviver, que ficava no bairro Universitário, para o até então Centro Socioeducativo Acre, que era uma unidade de internação, devido à ótima estrutura do local. O espaço dispõe de escola, campo de areia, espaço de leitura, piscina e até unidade de saúde. Como a maioria sofre com a dependência química, ali eles podem tratar com os médicos, enfermeiros e técnicos esse problema em um trabalho conjunto com a família. O local agora se chama Casef.

A GAZETA – Como funciona a rotina dos socioeducandos no Casef?
Rogéria Epaminondas – O dia começa logo às 7h da manhã, quando o adolescente em semiliberdade é buscado em casa por um ônibus, já que é uma escola de ensino regular e integral. O adolescente toma café ao chegar à unidade, estuda e almoça. Pelo turno da tarde, ele participa de cursos profissionalizantes e de atividades esportivas. Por volta das 18h o menino retorna para casa.

A GAZETA – Qual o perfil dos adolescentes em semiliberdade?
Rogéria Epaminondas – Do furto ao roubo. Essa é uma medida transitiva. Geralmente o adolescente que está nela já passou pela internação ou pela Liberdade Assistida. Mas há também os casos dos que estão ali pela primeira vez. Atualmente, estamos com 113 adolescentes cumprindo a semiliberdade. Como temos um alto índice de violência praticada por adolescentes em todo o mundo, em especial, aqui onde vivemos, as pessoas ficam revoltadas e pensam que nada acontece a eles. Uma verdadeira sensação de impunidade. Como ele está em desenvolvimento e existe uma garantia institucional da proteção integral, o adolescente não é punido como o adulto, mas não deixa de ser responsabilizado pelas consequências do ato infracional praticado.

A GAZETA – Os processos são avaliados com qual celeridade?
Rogéria Epaminondas – A partir do momento em que o ato infracional é praticado, nós temos 45 dias para concluir o processo, caso contrário, o adolescente pego em flagrante é solto. Muitas vezes nós solucionamos um caso envolvendo o jovem mais rápido do que o caso do adulto.

A GAZETA – A socioeducação realmente transforma jovens que cometeram atos infracionais em bons cidadãos?
Rogéria Epaminondas – O nosso objetivo é de que até o final do cumprimento da medida socioeducativa, o adolescente tenha sido convencido a se desviar do abuso de drogas, dos relacionamentos errados e tentar buscar uma vida mais produtiva e feliz para ele e para a comunidade. Buscamos que ele tome gosto por estudar e por aprender uma profissão. Que ele não volte mais para o Centro Socioeducativo e quando for maior de idade também não vá para uma penitenciária. Nós temos vários exemplos de sucesso, que hoje estão trabalhando e deixaram totalmente a prática infracional.

A GAZETA – O índice de drogadição entre os adolescente é alto? Como a equipe combate isso?
Rogéria Epaminondas – Não tenho uma estatística para afirmar que 99% dos adolescentes em semiliberdade usam drogas, mas no conhecimento empírico é isso. É um ou outro que não usa entorpecentes, pelo menos maconha. Enquanto ele está no Casef, em cumprimento da medida, não vai ser permitido a ele usar a droga. No entanto, às 18h ele é liberado e retorna para a casa, em que a família é a responsável. Sem contar com os finais de semana e feriados. É nesse momento que vem a dificuldade. A maioria dos socioeducandos mora em locais que precisam de uma assistência. Existem mães que não têm renda e sobrevivem de programas sociais e pais ausentes. Muitos já tinham largado a escola e quando chegam à unidade são obrigados a voltar a estudar. Já em casa não há uma figura que diga “meu filho, você tem tarefa para fazer”. Precisamos do envolvimento das igrejas, dos centros comunitários e das famílias. Porque esse adolescente precisa voltar para casa e encontrar um ambiente em que não haja droga.

A GAZETA – O novo modelo de semiliberdade já corresponde às expectativas no primeiro ano de execução no Acre?
Rogéria Epaminondas – O novo sistema de semiliberdade é radicalmente melhor. Não existe comparação com o modelo anterior. O antigo formato não vale à pena, não se sustenta, jamais. Voltar a ele seria um retrocesso tremendo. Um prejuízo inigualável. Tem muito a ser feito ainda, mas o novo modelo é o que dá certo e é nele que a gente tem que apostar. Nós só precisamos investir mais.

A GAZETA – Há planos de ampliar e melhorar o sistema socioeducativo no próximo ano?
Rogéria Epaminondas – Sim. Para 2014 queremos estreitar ainda mais os atores desse sistema. Temos que fazer com que os pais estejam ali também, colaborando conosco. Futuramente, a ideia é transformar a semiliberdade em medida protagonista do sistema socioeducativo. Apesar das pessoas terem uma sensação de segurança com a internação, a semiliberdade traria muito mais resultado na mudança do adolescente que cometeu o ato infracional. Assim ele buscaria mais cursos profissionalizantes, mais escolarização, mais convívio social e o retorno para a sociedade seria muito melhor.


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