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Governador traz membro do instituto ATÁ para conhecer o mel das abelhas nativas do Juruá

Mel. Esta seria a resposta menos provável quando se pergunta sobre o desenvolvimento do Acre. No entanto, já está passando a ser o ‘ganha pão’ de muitos acreanos pela zona rural do Estado. Na manhã de sexta-feira, 20, o governador Tião Viana visitou a comunidade de Santa Luzia, situada no Ramal Três, na estrada para Cruzeiro do Sul. Ele levou sua equipe para apresentar o trabalho local de Meliponicultura (criação racional de abelhas sem ferrão) ao ambientalista Roberto Smeraldi, fundador da Oscip Amigos da Terra e representante do instituto ATÁ.

O Estado aposta alto na Meliponicultura. Em 2013, a Secretaria de Pequenos Negócios (Sepn) já capacitou cerca de 2 mil produtores familiares de todas as regiões do Estado para trabalharem com as 11 espécies de abelhas que existem nesta prática no Acre. Mais de 8 mil caixas para o manuseio das abelhas foram entregues aos produtores pela pasta. Um investimento de R$ 1,5 milhão.

E se os números parecem altos, maior ainda é a retorno financeiro das abelhas. Cada família de criadores fica com cerca de 20 caixas. Em cada uma destas colmeias, elas chegam a produzir de 10 a 20kg de mel por ano (cerca 1,5 l por mês). Em lugares como São Paulo, por exemplo, o litro do mel amazônico chega a custar R$ 200,00. Só que, voltando à realidade local, o produtor tira por caixa uma faixa de R$ 300,00 mensais. Como são 20 caixas que a família recebe, a renda mensal dela pode ficar entre R$ 5 a 6 mil. É lógico que estes números va-riam, pois as abelhas não são máquinas. Elas podem ter uma produtividade maior ou menor do que estas mencionadas.

Outro fato interessante é que as propriedades não precisam ser exclusivas para a criação das abelhas. Elas podem comportar o plantio de açaí, óleo da andiroba e outros produtos florestais.   

De acordo com Tião Viana, estes números de 2013 foram ótimos. Serviram para abrir os olhos das comunidades produtivas do Estado. Mas a expectativa para 2014 é alavancar a atividade. Para tanto, o governador conta que a meta para o próximo ano será treinar mais 3 mil produtores para o trato e o manuseio de 14,6 mil caixas/colmeias, totalizando 5 mil em todo o Acre.   

“Estamos muito otimistas com os resultados da atividade e esperamos expandi-la muito mais em 2014. Por isso, peço e insisto aos produtores que não desistam. Não parem de trabalhar neste projeto. Só assim teremos uma produção em larga escala e fortaleceremos o valor comercial do nosso mel, que é um produto de excelente qualidade e mais saudável (tem menos açucar) do que aquele extraído da abelha convencional”, declarou o governador.

O secretário de Pequenos Negócios, José Carlos Reis, também falou sobre as perspectivas para Meliponicultura em 2014. Ele adiantou que o Estado pretende firmar parceria com o Ifac e a Ufac para viabilizar estudos e pesquisas que forneçam conhecimentos e dados mais técnicos sobre a criação das abelhas, tais como o tipo de flor local que elas preferem polinizar. Reis também disse que a extração do mel da abelha sem ferrão seguirá como uma das prioridades para o ano que vem. Paralelo a isso, o governo também incentiva a criação de abelhas com ferrão, que são menos produtivas/ rentáveis, mas que têm uma atuação mais benéfica ao ecossistema local.  

Mel da Amazônia para todo o Brasil
A missão do jornalista e chef gastronômico Roberto Smeraldi foi o que mais deixou os produtores otimistas. Smeraldi acompanhou o governador para que o instituto ao qual representa, o ATÁ, um grupo formado por chefs de cozinha e outros profissionais da área gastronômica, avaliasse qual seria o potencial do mel da abelha nativa da Amazônia. O ativista ambiental gostou do que viu e principalmente do que experimentou por aqui: um mel puro, saudável, fruto de um projeto com comunidades de baixa renda, de cunho socioecológico, e com uma cadeia produtiva viável

 “Descobrimos aqui uma solução para extrair um mel de qualidade. Nosso desafio agora será criar mercado fora. Precisamos levar este mel para ser vendido pelo resto do Brasil. O instituto ATÁ agora vai se esforçar para articular junto ao Ministério da Agricultura (o Mapa) a obtenção do SIF (Serviço de Inspeção Federal) para autenticar o mel acreano. Com o SIF, sei que vamos viabilizar a comercialização para que profissionais de cozinha do país inteiro utilizem uma linha de produtos produzidos aqui pelo Juruá”, discursou Roberto, diretamente para os produtores.

Tião Viana emendou a fala, afirmando que conseguir o SIF será o próximo grande passo para o avanço da Meliponicultura acreana e que Smeraldi será o ‘embaixador’ da causa do Estado junto ao ministro do Mapa, Antônio Eustáquio Andrade. “Com o SIF, não teremos mais barreiras para a nossa produção. Já temos uma indústria pronta e logo teremos nossa marca no Brasil”, completou.   

Ao terminarem os seus discursos, Tião e Roberto Smeraldi foram aplaudidos esperançosamente pelos meliponicultores acreanos. Pessoas humildes que sonham em ter as suas produções sustentando uma cadeia nacional e fazendo parte de um grande projeto em prol da Amazônia.

Acesso restrito é uma estratégia do programa
O Ramal Três é o acesso às terras dos produtores de mel do Santa Luzia. Ao todo, o ramal possui centenas de famílias morando ao longo dos seus 60 km de extensão. Para chegar às primeiras propriedades das criações das abelhas nativas, é preciso percorrer 30 km ramal adentro. Por tal rota, dá para imaginar um local inacessível, com estrada de lama e muitos buracos. Errado. Para facilitar o aceso e assegurar a logística aos produtores de lá, o governo asfaltou cerca de 25 km no ramal. Faça sol ou chuva, os meliponicultores podem transportar seu mel do local.

E vendo o sucesso dos criadores do Ramal Três, comunidades vizinhas passaram a seguir o exemplo. Os ramais próximos às margens da BR-364, entre Cruzeiro do Sul e Tarauacá, passaram a ter suas criações também. A fama se espalhou tanto que outros municípios de lugares mais distantes entraram na prática, tais como Brasiléia e Epitaciolândia. Atualmente, apenas no Ramal Três, mais de 80 produtores investem na extração de mel.

Mas por quê a criação das abelhas sem ferrão têm de ser tão longe? O criador João de Oliveira Miranda, que tem 22 caixas em suas terras e desde o começo do ano trabalha com as abelhas, explica o motivo. Elas são animais que podem ser domadas para a criação, mas não deixam de ser silvestres. A atividade exige cuidados. E um deles é a tranquilidade da floresta.

“Aqui é o lugar ideal. A mata nos acolhe. Sem barulho e sem pessoas. As abelhas são animais que exigem certos cuidados e é só na floresta que conseguimos tê-los. Além disso, as abelhas precisam estar em meio à selva para polinizarem a flora local e tornar o nosso mel um produto 100% natural. 100% amazônico. Gostamos de viver aqui”, completou João Miranda, que além de abelhas cultiva andiroba em suas terras para extrair óleo da sua semente.  

Da ilegalidade até a atividade promissora para o Juruá
De onde surgiu a ideia de apostar no mel da abelha sem ferrão? Engelberto Flach, que faz parte da equipe técnica de extensão da Sepn, conta que a ideia surgiu de onde menos se esperava. Tudo começou quando o promotor de Justiça do Juruá, Leonardo Honorato, passou a acionar os produtores do Ramal Três e comunidades vizinhas para pararem de praticar atividades nocivas ao meio ambiente. Sem saber como poderiam aproveitar suas propriedades sem ferir o ecossistema ao qual viviam, eles procuraram no governo uma resposta: a meliponicultura.

Em julho de 2011, Engelberto lembra que o governo passou a investir na produção de mel e deu o pontapé inicial para treiná-los para o aprendizado no trato com as abelhas nativas sem ferrão (Uruçú e Jandaíra). A praticidade das abelhas conquistou os produtores e logo o sucesso da prática se espalhou. Porém, só saber lidar com as abelhas não era o suficiente para garantir todos os processos produtivos da atividade. Faltavam equipamentos e mais experiências.

Por isso, Engelberto recorda que o governo foi buscar na Alemanha os aparelhos de coleta do mel nas colmeias (ou caixas) e outros equipamentos necessários para o êxito da produção local.

 “A Meliponicultura agora se tornou um programa de Estado rentável, com políticas públicas sólidas e que desperta o interesse dos nossos produtores e até de pessoas de fora. E o nosso desafio hoje é conti-nuar produzindo um mel que cada vez mais agregue valor, abra o mercado e garanta a preservação do nosso ecossistema. Assim, tenho certeza que o mel se consolidará como a grande aposta para o desenvolvimento da região do Juruá”, concluiu Flach.

(Foto: Tiago Martinello/ A GAZETA)

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