X

ESPECIAL CHICO MENDES

Chico Mendes: a história de luta de um homem simples que mudou a forma de o mundo ver a Amazônia

Um patrono. Um mártir. Um legado. Inúmeros adjetivos podem ser usados para descrever a vida e os valores deixados por Chico Mendes. Mas, acima de tudo, ele foi um homem. Um homem de ideais simples e compromissados em fazer o bem. Nos 25 anos da morte do mais célebre acreano, A GAZETA preparou um caderno especial sobre a trajetória e os grandes princípios deixados pelo herói da floresta não só para o Acre, mas especialmente para o mundo.

Páginas de lutas e mais lutas, sofrimento, derrotas e poucas conquistas de uma minoria ignorada pela sociedade. Ainda assim, uma minoria com uma causa. Ou, como o próprio Chico Mendes costumava dizer: “No começo, pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a floresta amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade”. E foi por esta humanidade que no fim ele e sua ideologia saíram triunfantes. Mas um ‘triunfo’ que lhe custou à vida.

Os dados gerais são meramente para apresentação. Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, nasceu no dia 15 de dezembro de 1944, no Seringal Porto Rico, em Xapuri. Era filho do retirante cearense Francisco Alves Mendes e de Maria Rita Mendes. Engajou-se em correntes sindicalistas contra os latifundiários de terras em 1975. ‘Assumiu’ o movimento em 1980, após a morte de Wilson Pinheiro, e teve este mesmo trágico destino aos 44 anos, em 22 de dezembro de 1988, executado com um tiro no peito, na porta dos fundos de sua casa.

Esta é a história que todos conhecem. Mas o que há nas entrelinhas dela? Como começou?

Primeiro, é preciso destacar que Chico Mendes nasceu na floresta – e morreu por ela. A vivência no meio da selva fazia com que os seringueiros se afeiçoassem a ela. Um elo forte. Chico cresceu com tal ligação. Seu modo de vida lhe ensinou a ser protetor das matas. Segundo o historiador Marcos Vinicius, um entusiasta da história acreana, aos 10 anos, Chico começou a trabalhar no seringal. Com o passar do tempo, foi descobrindo a importância de saber ler e escrever. Nos anos 60, já aos 16 anos, passou a ter contato com um vizinho idealista refugiado político, Euclides Távora, parente distante do militar político Juarez Távora.

Com Távora, seu ‘mentor’, o jovem Chico Mendes se ‘politizou’. Aprendeu a desenvolver um raciocínio mais crítico. Começou a tomar gosto por ouvir emissoras de rádios internacionais (BBC de Londres, a Rádio Moscou) e foi apresentado a textos com uma visão de mundo mais ampla, muito além da sua vida no seringal. Ali, Chico criou uma ‘bagagem’. Viu que o mundo era maior do que as florestas que tanto amava e que tanto precisariam da sua ajuda. 

‘Integrar para não entregar’ – o estopim para uma década brutal
De 1971 a 75, no governo de Wanderley Dantas, Marcos Vinicius conta que todos concluíram de vez que o histórico regime da borracha não sustentava mais o Acre. Um novo modelo econômico seria necessário para o futuro. Daí surgiu o lema de ‘integrar para não entregar’. Uma promessa de dias melhores. Mas só trouxe violência. Queriam trazer ‘homens sem terras, para terras sem homens’. A União e o governo local passaram a incentivar programas e a vinda de latifundiários para se apossarem das terras do Acre. Só que estas terras já tinham pessoas, que estavam ali há anos. Não como donas delas, mas como arrendatárias. E o que restou a elas? Sair. Perder tudo.

A pecuária passou a ser a aposta para o Acre. E quem se metia no caminho do avanço dos pastos se dava mal. Até aí os seringueiros/posseiros não resistiram. Foram expulsos. Migraram para as cidades e nas periferias delas passaram a tentar se reerguer, na miséria. Os mais resistentes, acabavam saindo de forma violenta. Raros foram os casos dos que aceitaram fazer acordos com os ‘paulista’ para ficarem com quadrados improdutivos de terras.

Após anos de submissão, os seringueiros passaram a fazer o que sempre acontece quando um grupo tem uma causa e inimigos em comum. Uniram-se. E foi nesta união que a figura de Chico Mendes ascendeu para marcar a história. Não como um guerreiro, mas sim como um líder.   

(Foto: Divulgação)
 

Os ideais de proteção ao meio ambiente que conquistaram o mundo

BRENNA AMÂNCIO

Neste contexto de repressão contra os seringueiros, lideranças começaram a surgir e unir forças para lutar contra os pecuaristas e assim garantir a proteção das terras em que vivam e de onde tiravam o sustento da família. Em 1975, Wilson Pinheiro fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e convidou Chico Mendes para assumir o cargo de secretário geral da instituição.

Apesar da organização sindical, a destruição das florestas continuava acontecendo de forma criminosa. Casas de madeira eram derrubadas com mulheres e crianças ainda dentro, relata o historiador Marcos Vinicius. Nada conseguia impedir a ganância de um governo querendo incessantemente o ‘desenvolvimento’ da Amazônia. “A maioria das autoridades estavam a favor dos fazendeiros. Desde 1971 as pessoas estavam sendo expulsas de seus lares e sendo empurradas à força para a cidade. A resistência só começou em 1975”.

Em março 1976, o seringueiro Francisco Pacheco recorreu ao sindicato após perceber que o barulho das motosserras estava cada vez mais próximo da casa dele. Com o pedido de ajuda feito em assembleia, providências mais drásticas foram tomadas. Homens se reuniram em frente às árvores destinadas a serem derrubadas como uma forma de impedir que o desmatamento continuasse no Seringal Carmem. E foi assim que o 1º ‘empate’ foi realizado.

No início, apenas homens participavam dos ‘empates’, montando barreira humana para que as máquinas não avançassem e destruíssem a floresta. No entanto, logo mulheres e crianças foram incluídas nessa causa.

A fim de estender o trabalho de resistência dos seringueiros, Chico Mendes ajudou a fundar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, em 1977. Neste mesmo ano, foi eleito vereador do município pelo partido do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

O poder de liderança de Chico incomodou muita gente. Os fazendeiros passaram a vê-lo como um perigo aos seus interesses. Ameaças de morte surgiram de todos os lados, mas nada parava o homem, que sem perceber passou a carregar uma luta maior do que simplesmente proteger os seringueiros.

O Partido dos Trabalhadores (PT) foi fundado, no Acre, com ajuda de muitos seringueiros, entre eles estava Chico Mendes, que tentava apostar no início de uma vida política.

A coragem dos homens que enfrentavam o regime da época tinha um preço caro e o recado era sempre violento. Em 21 de junho de 1980, Wilson Pinheiro foi morto com um tiro pelas costas a mando de latifundiários. Ele estava reunido com outros dirigentes do sindicato quando foi surpreendido covardemente.

A partir desse momento, Chico, que antes era apenas um ajudante de Pinheiro passou a liderar a causa, tornando-se presidente do Sindicato de Xapuri.

O seringueiro teria dificuldade em ir tão longe não fosse pela amizade com a antropóloga influente Mary Alegretti. Enquanto realizava pesquisas para um trabalho acadêmico no Acre, ela acabou tomando conhecimento dos absurdos que aconteciam ali. A partir de 1981, a antropóloga e Chico iniciaram um trabalho de lutas e propostas pelo Brasil e pelo mundo.

O líder sindical desistiu de vez da carreira política quando não conseguiu se eleger para deputado estadual.

Os avanços de um trabalho unificado foram muitos. Em 1985, Chico Mendes organizou o 1º Encontro Nacional de Seringueiros, no Brasil. A categoria buscava reconhecimento e tornar públicas as dificuldades enfrentadas na Amazônia.

Dentre outros destaques do trabalho de liderança de Chico se enfatiza a participação na proposta da “União dos Povos da Floresta”, que previa a aproximação dos interesses dos indígenas e seringueiros em defesa da floresta.

Durante o início da construção da Estrada Transamazônica, Chico Mendes recebeu, em Xapuri, uma comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) para mostrar a devastação provocada na floresta amazônica pelas empresas financiadas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). As denúncias chegaram ao senado dos Estados Unidos e os investimentos à obra foram suspendidos. De acordo com o jornalista Elson Martins, a atitude incomodou muitas autoridades. “Imagine. Aquelas obras eram máquinas de dinheiro que rolava solto na época. A ação dele foi uma afronta”.

Provando que estava no caminho certo, em 1987, o seringueiro foi premiado várias vezes, sendo sempre lembrado pela luta a favor do meio ambiente e dos povos da floresta. O principal reconhecimento foi quando recebeu o prêmio ‘Global 500’, entregue pela ONU.

Participou da criação das primeiras reservas extrativistas no Estado, ideia vendida como uma reforma agrária para a Amazônia. Também foi eleito suplente da direção nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) durante Congresso Nacional.

Em dezembro de 1988, um tiro no peito matou Chico Mendes. O líder sindical foi assassinado aos 44 anos de idade na porta de casa, quando saia para tomar banho, em Xapuri. Ele deixou mulher e 3 filhos.

A justiça brasileira condenou os fazendeiros Darly Alves da Silva e o seu filho Darcy Alves Ferreira pelo crime. A principal testemunha foi o garoto Genésio Ferreira, de 13 anos de idade, que era empregado da família de Darly.

Com os relatos do jovem, ficou constatado que muitos fazendeiros desejavam a morte de Chico Mendes e que alguns pagaram para que o assassinato acontecesse. Muitos costumam dizer que a morte do seringueiro foi anunciada, mas que as autoridades deram as costas para isso.

Pressionados pela imprensa internacional, os acusados não escaparam, como em outras vezes, do julgamento e tiveram que responder pelo crime.

A história e a luta de Chico Mendes se tornaram conhecidas em todo o mundo. E nem mesmo a ganância dos fazendeiros conseguiram apagar o legado do homem que via na floresta um lar.

|

(Fotos: Divulgação e arquivo A GAZETA)

Dom Moacyr ainda sente tristeza pela morte do líder seringueiro até hoje

BRUNA LOPES

Bispo de Rio Branco na época da luta e morte de Chico Mendes, Dom Moacyr Grechi, é um importante personagem da história que transformou o Acre em referência na defesa ambiental. Sua atuação em prol dos indígenas, dos seringueiros e dos trabalhadores rurais rendeu algumas ameaças de morte, apesar dele mesmo não acreditar. Denunciou a violência na região e lutou pela punição dos assassinos de Chico Mendes.

Atualmente Grechi é Arcebispo Emérito de Porto Velho, Rondônia. E confessa que Chico faz muita falta hoje. “A luta esmoreceu, em função da ascensão dos colaboradores da luta de Chico Mendes ao poder municipal, estadual e federal. Atualmente o governo é amigo do projeto que começou lá trás com os empates promovidos por Chico Mendes. No Acre existe a força de vontade e algumas ações que garantem a permanência da floresta em pé para que os seringueiros tenham condições econômicas de se manter na floresta. O Acre foi fundamental para que o Brasil e mundo percebessem que o meio ambiente é tão importante quanto a economia”, explica Dom Moacyr.

Os dois se aproximaram por lutarem pelas mesmas causas. “Naquela época através das Comunidades Eclesiais de Base tentávamos conscientizar o povo de que o verdadeiro cristão tinha que ser fraterno, ir à missa e participar das atividades de sindicatos que buscavam uma solução para o bem comum, mas de maneira inteligente, sem violência. Foi assim que conheci Chico Mendes. Após um tempo, as reuniões do sindicato passaram a acontecer nos pátios das igrejas”, explica o arcebispo.

Além disso, a importância da participação das mulheres, incentivando os maridos a entrar na luta em defesa da floresta e os filhos presenciando todo aquele movimento também era algo incrível recorda Dom Moacyr.

“Chico Mendes era o líder, mas o movimento também era composto por mulheres, crianças e outros homens corajosos que enfrentavam os fazendeiros. Homens como Wilson Pinheiro, existem outros, muitos, dezenas, talvez centenas”, explica.

O bispo chegou a hospedar Chico por seis meses. “As ameaças contra ele estão ficando cada vez mais sérias. Por um tempo éramos inocentes demais, prova disso, foi um aparelho encontrado por algumas religiosas dentro da sala de reunião na Igreja, onde ocorriam os encontros de seringueiros. Percebemos que os fazendeiros sabiam tudo que falávamos e planejávamos. Descobrimos depois que o equipamento era de transmissão e até hoje está nos cofres do Vaticano”, destaca.

Nesses 25 anos sem Chico Mendes, Dom Moacyr fala da tristeza que sente nessa época do ano. “Apesar do medo que imperava, foi um período muito bonito. Queria que ele estivesse aqui para ver todos os avanços que ocorreram. Mas, a semente foi plantada e floresceu, prova disso, é a luta pela preservação do meio ambiente que está na cabeça e nas ações de muita gente”, conclui.

Programação no final de semana
Dom Moacyr vai participar da Semana Chico Mendes em 2 momentos. No domingo ele celebra uma missa na Igreja São Sebastião, Xapuri, às 10h. Depois participa do encerramento da Semana Chico Mendes com solene homenagem e ato ecumênico no Palácio Rio Branco, a partir das 18h.

(Foto: Arquivo A GAZETA)

Penalidades para crimes ambientais

BRUNA LOPES

Desmatar além do permitido por lei ou queimar geram multas altas, mas dificilmente levam o autor para atrás das grades. A última alteração que tratava das multas foi em 2008, mudando o valor, sobretudo, dos crimes de desmatamento. No Acre, as ações de desmate e queima juntas, dependendo da quantidade de hectare atingida, pode gerar uma multa superior a R$ 30 mil para um pequeno produtor.

O superintendente do Ibama no Acre, Diogo Sellhorst, explica que os problemas começam quando o valor do imóvel é pífio a multa. “Como um pequeno produtor pode pagar uma multa dessa? Mesmo assim acredito, que as penalidades são suficientes. O autor do crime não escapa de sofrer as sanções, como por exemplo, entrar na Lista de Áreas Embargadas”, explica.

No caso da lista, por exemplo, nenhum frigorífico aceitará a carne do pecuarista que quer vender o gado, mas tem o nome incluído no documento. “São sanções que ajudam com que as pessoas entrem na linha. Existem outros mecanismos de autuação. A própria sociedade e setores econômicos ajudam a fechar o cerco a quem degrada o meio ambiente”, ressalta o superintendente.

No Acre, o desmatamento é o crime ambiental mais comum, e o Ibama tem focalizado nesse crime. O Governo Federal tem dado ênfase nas ações, prova disso é a redução do índice de desmatamento em toda a Amazônia. “O último dado publicado, revelou um pequeno aumento na taxa anual, mesmo assim é a segunda menor taxa. O Acre teve redução quando a tendência da Amazônia foi de aumento. O Estado reduziu 35% entre 2012 e 2013”, revela Diogo.

A redução é consequência de ações parceiras entre Ibama, Imac, Semeia, ICMBIO, além das políticas estaduais que tem dado alternativas ao homem do campo, sem aumentar a área desmatada.

Detenção
Quando confirmado o crime ambiental pelo Ibama, o Ministério Público é notificado para que a Justiça seja acionada. Com isso, o autor, responde criminalmente na Justiça. Existe detenção, entretanto a maioria dos crimes ambientais é passível de transação penal, ou seja, convertidas em doação de cestas básicas ou prestação de serviços comunitários.

Diogo lembra que o Ibama tem poder de polícia para crimes ambientais, e em caso de flagrante, o autor pode ser encaminhado para a delegacia. Lá é feito o  Termo Circunstanciado de Ocorrência e em seguida liberado.

O que a lei diz
Pratica crime ambiental, punido com pena de reclusão que pode variar de 1 a 3 anos, além do pagamento de multa, aquele que alterar o aspecto, a estrutura de edificação em local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial em virtude de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a que foi concedida.

(Foto: Divulgação)

Jornal ‘Varadouro’ denunciava o descaso vivido nos seringais

A imprensa no Acre surgiu décadas antes, mas o 1º grande projeto jornalístico veio só com o Varadouro. O jornal teve 24 edições com tiragem de 5 a 7 mil exemplares cada, publicado entre 1977 até 81. A proposta do jornal era simples: ser a ‘voz das selvas’. De acordo com o jornalista Elson Martins da Silveira, que teve a iniciativa junto do seu parceiro de profissão, o hoje diretor-geral de A GAZETA, Silvio Martinello, o objetivo inicial era fazer o jornal sair de mês em mês. Mas, devido às dificuldades, algumas edições saíram em intervalos maiores. Algumas até de 6 meses.

Elson Martins conta que fazer o Varadouro era uma experiência sem igual nos dias de hoje. As reuniões de pautas eram feitas com a participação de todos. Qualquer um podia chegar e dar sua sugestão do que viraria matéria no jornal. Seringueiros, filhos deles, agentes comunitários, militantes, universitários e ‘até’ jornalistas. Todos escreviam para o jornal, sem qualquer tipo de distinção, censura ou temor.

Elson conta como conheceu Chico Mendes. Em 1975, durante uma reunião para a criação do sindicato de Brasiléia, João Maia (então delegado regional da Contag) desconfiou de um rapaz muito agitado, que ia de mesa em mesa conversando com os seringueiros para saber mais detalhes sobre o movimento. Sem chamar atenção, Maia alertou Elson para ficar de olho naquele rapaz, pois ele poderia ser um ‘espião’ dos fazendeiros. Elson e o amigo prestaram bem atenção no jovem, até que decidiram abordá-lo. Bastou uma conversa com Chico para saber que toda a apreensão de outrora era desnecessária. “O jeito humilde dele o denunciava: Chico era um dos nossos”.

Martins conta que, quando chegava às redações de outros jornais da cidade, muito antes da fama e do peso do nome, Chico Mendes não era muito levado a sério. “Os jornalistas da época até brigavam entre si para não atendê-lo. Diziam: ‘vixi’, lá vem aquele homem para denunciar mais uma morte de seringueiro”. Coisa de jornalista. Mas no Varadouro, Chico tinha espaço.

Tanto que, segundo Elson, algumas vezes o próprio Chico escrevia notas e textos curtos sobre o que acontecia dentro das florestas. Um tipo de ‘correspondente’ do Varadouro nos seringais.

Vale destacar que, antes do Varadouro, outra publicação, de caráter menos jornalístico, mas com um cunho social tão grande quanto, deu vez aos seringueiros. Foi o boletim da Igreja Católica ‘Nós Irmãos’, que tinha 35 páginas e tiragem de mil exemplares. O Nós Irmãos surgiu para expressar o sofrimento das pessoas que as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja abrigavam. Ele acabou porque o bispo Dom Moacyr, acreditando que o periódico já não comportava todas as demandas das comunidades, decidiu articular a criação de um projeto com mais cara de jornal: o Varadouro.

(Foto: Tiago Martinello/ A GAZETA)

Convertido ao Evangelho, Darly Alves se diz hoje um homem resignado

DA REDAÇÃO

Em algumas poucas entrevistas que concedeu, o fazendeiro Darly Alves da Silva, 78 anos, sentenciado como mandante da morte de Chico Mendes, se diz hoje evangélico.

Recentemente hospitalizado, depois de ter sofrido um atropelamento, mostrou arrependimento ao falar para um repórter do jornal O Estado de São Paulo. Passados 25 anos do crime, o pecuarista ainda parece sentir o peso de sentar nos bancos dos réus, ao afirmar que não deseja a ninguém o que passou.

“Crime nenhum compensa”. O filho, Darci, que matou Chico, também se converteu à Igreja Evangélica e se tornou pastor, no interior do Pará.

O velhinho de aspecto franzino estampa as marcas do desgaste natural de quem cumpriu uma pena pesada – hoje no regime semi-aberto.

No entanto, parece resignado e ciente de que o que cometeu pagou. “Eu não desejo mal a ninguém. Me pintaram de matador e agora, que eu havia matado muita gente no Paraná, mas é tudo conversa mentirosa”.

A Bíblia Sagrada, a qual não larga nunca, ele a classifica como sua “arma”. Prestes a sair para o regime semi-aberto Darly pensava em cumprir pena em Brasília, onde teria conhecido pastores da Igreja Deus é Amor, enquanto preso na Papuda.

Antes preocupado com a salvação, hoje ele tem certeza de que “está salvo”. Atualmente, ele vive na Fazenda Paraná, às margens da BR-317, em Xapuri.

Resex: concretização do sonho de Chico Mendes e o atual pesadelo para a floresta Amazônica

BRUNA LOPES

Fazer com que a floresta gerasse renda às comunidades tradicionais foi uma luta de Chico Mendes. Após a sua morte, começaram a ser criadas as reservas extrativistas (Resex) exatamente com esse objetivo. O Acre possui cinco Resex, sendo que a primeira a ser criada após a morte do líder seringueiro levou o seu nome e abrange sete municípios acreanos, além de possuir uma área de 970.570 hectares e abrigar mais de 10 mil pessoas.

As reservas no Acre são: Chico Mendes, Alto Juruá, Alto Tarauacá, Riozinho da Liberdade, Cazumbá-Iracema. Além disso, o Estado conta com dois parques nacionais, uma estação ecológica, quatro florestas estaduais de produção, três florestas nacionais, Floresta Nacional e terras indígenas. Isso corresponde a 50% do território de áreas protegidas.

“Se não fosse a Reserva Chico Mendes, não haveria mais floresta em grande parte do Acre. Além disso, Os seringueiros estão melhor hoje do que há 20 anos. Todo morador tem a sua motocicleta, mas continua indo à floresta para extrair o látex”, estima a gerente da reserva extrativista, Silvana Lessa.

O secretário geral da SOS Amazônia, Miguel Scarcello, confirma que o legado de Chico Mendes são as Resex que teriam que praticar a economia florestal. “Mas, hoje na prática o que percebemos é o avanço da agropecuária. Além do manejo madeireiro e isso foge totalmente da bandeira de luta do líder seringueiro.

O superintendente do Ibama/AC, Diogo Selhorst, destaca que a reserva parece um maciço florestal. “Pelas imagens de satélites é possível perceber o avanço do desmatamento ao redor da reserva. Além disso, já identificamos quantidade de gado além do permitido dentro da Resex”.

Mas, o superintendente ressalta o papel importante da reserva para contenção do desmatamento. “Apesar de pequenos problemas, a criação das reservas tem contribuições importantes. Isso era a luta de Chico”, conclui.

“O Chico nos fez entender melhor e sentir a magia do jardim de Deus que é a Amazônia”, diz Tião Viana

JOSÉ PINHEIRO

“A agenda global passa pela semente que o Chico deixou”. Essa foi a frase proferida pelo governador Tião Viana (PT) para destacar a importância do líder seringueiro Chico Mendes na luta em defesa do meio ambiente. Tião Viana comentou a taxa de redução de desmatamento na Amazônia e especial no Acre.

“Acredito que quando o Acre, que é a pequena semente que o Chico tenha deixado, este ano afirma o menor desmatamento da Amazônia, 35% em relação ao ano passado, isso já demonstra uma presente influência do Chico. Tivemos a Amazônia nos grandes centros das discussões e isso começa a partir dele, para que ela não fosse destruída. Hoje temos uma agenda mundial sobre meio ambiente, quando discutimos a política de carbono em qualquer país do mundo, tudo isso é fruto do Chico”, diz Tião Viana.

O governador também destacou a aprovação do Código Florestal pelo Congresso Nacional, que teve o senador Jorge Viana (PT/AC) como relator da matéria. Segundo o chefe de Estado, a nova redação do Código Florestal Brasileiro era necessária tendo em vista os novos desafios que o país enfrenta. Pontuou que a matéria não foi unanimidade entre os ambientalistas e seguidores de Chico Mendes, mas que faz parte do processo democrático.

“Se você disser que agrada os seguidores do Chico? Eu diria que uma parte sim outra parte não, o que é normal em um país democrático como o Brasil que tem compromisso de debater o meio ambiente. Não sou ambientalista, mas tenho o maior respeito por quem ajuda construir uma consciência justa para essa causa, e eu como operário me coloco ao lado com a mais absoluta serenidade”, enfatiza o governador acreano.

Questionado qual pensamento resumiria o sindicalista e ambientalista Chico Mendes, Tião Viana foi categórico ao afirmar que o legado do seringueiro contribuiu para que a sociedade repensasse seus valores e para iniciar uma nova relação do homem com a natureza.

“O Chico nos fez entender melhor e sentir a magia do jardim de Deus que é a Amazônia. Nos fez sentir que podemos viver em um mundo melhor. Nos fez sentir que podemos unir as relações. O Chico era uma profecia de ideais, de utopias. Ele simboliza uma nova relação humana com o meio ambiente”, finalizou Viana.


Defender a amazônia fez dele uma personalidade. (Foto: Divulgação)


Chico Mendes em momento descontraído com os filhos. (Foto: Divulgação)


Trabalho sindical garantiu organização dos seringueiros (Foto: Divulgação)

Chico Mendes, o grande mestre

JORGE VIANA*

Falar dos 25 anos sem Chico Mendes, para mim que tive o privilégio de conviver com ele, só tem sentido se eu falar dos anos dessa convivência, que foi curta. Uma pena! A primeira reunião que tive com o Chico foi na Universidade de Brasília, em 1985, quando ali acontecia o primeiro encontro do Conselho Nacional dos Seringueiros. Poucos meses depois, vim para o Acre e, como engenheiro florestal, comecei a trabalhar e a me envolver com o movimento que ele liderava.

Se o tempo foi curto ou pouco até sua morte em 1988, posso afirmar, entretanto, que foi o mais rico de formulação de conceitos do movimento dos povos da floresta. O mundo ainda não conhecia o conceito de sustentabilidade, mas ele nascia ali. Em um discurso que fez no Senado, na sessão solene lembrando os 25 anos da morte de Chico Mendes, o ex-governador Binho, que de todos nós foi o que mais conviveu com o ele, porque foi o primeiro a ir a Xapuri dar aula e ajudar na construção de escolas do Projeto Seringueiro, disse: “O Chico era detentor de um pensamento extremamente rebuscado e complexo, uma inteligência refinada que eu vi em poucas pessoas em toda a minha vida. Na minha opinião, o grande feito do Chico é ser talvez o fundador, ou uma das pessoas mais importantes para o socioambientalismo. Chico Mendes foi realmente um grande mestre”.

No meu caso, o mestre Chico deu sentido para minha vida. Não tenho nenhuma dúvida de que o movimento político que realizamos no Acre não teria ocorrido sem a acreanidade e os ideais que o moviam. Ou alguém acha que o Acre ganharia a dimensão desproporcional no cenário político nacional, que projetou Marina Silva, se não tivesse nascido aqui o movimento desse povo simples, que morava na floresta e lutou para permanecer nela?

Chico Mendes era um visionário que sabia projetar para o futuro conquistas ainda não imaginadas para quem vive fora da floresta. Para ele, a floresta nunca foi o “fim do mundo”, mas sim o começo de um “admirável mundo novo”. No início dos anos 80, o Acre era lugar de encontros que hoje fazem parte da história. Foi aqui e nessa época que Lula veio dar apoio ao movimento e receber suas primeiras lições sobre meio ambiente e as populações tradicionais da floresta. Daí eu sempre ressaltar o privilégio que minha geração teve de ter dois mestres na nossa formação: Lula na política e Chico Mendes no ambientalismo.

Muitos perguntam qual foi o legado de Chico deixou. Todos querem saber sobre economia florestal, avanços sociais e proteção ambiental. Mas as respostas tem que levar em conta que a Amazônia é muito complexa. Não tenho nenhuma dúvida de que na biodiversidade, na natureza da Amazônia, estão todas as respostas para as perguntas que fazemos e para aquelas que ainda não aprendemos a formular. É claro que os ganhos, graças a luta de Chico Mendes, são enormes. A destruição das florestas reduziu drasticamente na região, a educação chegou aos seringais, tivemos melhorias sociais e temos experiências exitosas de desenvolvimento econômico comunitário.

Mesmo 25 anos depois de sua morte, tem muitas lições que não aprendemos em nosso país. Floresta não pode seguir sendo vista como um problema. Floresta é o nosso melhor ativo econômico. As políticas públicas precisam incorporar as lições que Chico Mendes nos deixou. Foi assim que tivemos êxito no Acre. O nosso Governo da Floresta se guiou no conceito de florestania e nos ideais de Chico Mendes. E foi bem sucedido. O Binho trabalhou, e agora o Tião trabalha na busca de consolidar o desenvolvimento sustentável no Acre.

Os desafios que temos pela frente ainda são enormes, porque o mundo já incorpora os  conceitos que Chico Mendes ajudou a conceber, mas nós na Amazônia, ainda não. A vantagem, entretanto, é que contamos com o protagonismo daqueles que foram liderados por ele. Por isso, acreditamos no futuro.

Se eu fosse fazer uma lista dos 100 brasileiros mais importantes do século passado, nesta lista estaria o nome do mestre Chico Mendes, hoje patrono do meio ambiente brasileiro.

* Jorge Viana é engenheiro florestal e senador da República pelo PT/AC.


Categories: Geral
A Gazeta do Acre: