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Mãe de vítima da boate Kiss tenta recomeçar no Acre

Maria Deloci de Camargo mãe de Merylin de Camargo dos Santos Acre Foto Caio Fulgêncio G1“Nossos filhos saíram lindos e voltaram dentro de um caixão”.  O desabafo é da técnica de enfermagem Maria Deloci de Camargo, que perdeu a filha de 18 anos, caçula de três filhos, no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria/RS, há exatamente um ano. Há dois meses, ela mudou-se para o Acre e tenta aos poucos refazer a vida depois de perder sua filha, Merylin de Camargo dos Santos. Mesmo distante, ela clama por justiça e afirma que só poderá seguir tranquila depois que os culpados forem devidamente punidos.

Rio Branco, Capital do Acre, foi a cidade que a família escolheu para tentar recomeçar. A pedido do filho mais velho que havia passado em um concurso público, ela visitou a cidade por algumas vezes e há dois meses decidiu ficar de vez. Ela diz que gostou do Estado e pretende ficar. “Pretendo ficar aqui se nada mudar, porque eu nunca me imaginei morando aqui, mas por algum motivo – que desconheço – algo me chamou para cá”, ressalta.

Ainda com as lembranças da tragédia, ela conta que não consegue mais viver em Santa Maria por causa da saudade, porém, isso não a impede de acompanhar tudo de perto. Ela fez questão de deixar uma representante e mantém contato com outros pais. “Eu não consigo mais viver lá, porque para mim, parecia que ela sempre ia chegar. Principalmente à tarde, porque eu trabalhava de manhã e depois do almoço eu chegava e a gente conversava, tomava café”, se emociona.

Com uma voz aveludada que demomonstra serenidade apesar da dor, Maria Deloci conta que a perda jamais vai ser superada. Ela encontra na fé forças para pedir justiça pela morte da filha e dos outros jovens que morreram no incêndio da boate. “Só vamos conseguir continuar nossas vidas depois que os culpados forem punidos. Foram 242 crianças mortas naquela noite”, diz.

Segundo a mãe, Merylin não gostava de ir àquela boate, porém, decidiu ir para acompanhar os amigos que comemoravam aniversário. “Ela não gostava porque tocava sertanejo. E ela me disse que ia sair às 3h e saiu, mas morta”, afirma.

A técnica de enfermagem lembra que no dia da tragédia, ficou ao lado da filha até o momento da festa. “Ela sempre me dizia que queria viver intensamente. Passamos o dia juntas e à tarde ela me disse que iria sair pra comemorar o aniversário de uma amiga. Ela disse que queria ir bem linda, ela não era de usar vestidos, o estilo dela era jeans, camiseta e tênis. Mas nesse dia, ela fez questão de ir bem bonita, de vestido e um sapato meu de salto alto que ela mesma escolheu. Parece que estava adivinhando”, lembra emocionada.

Seguidora do espiritismo, Maria Deloci diz que já chegou a receber mensagens da filha, inclusive de desculpas pela ausência. O que acalma a saudade, para ela, é o sentimento de que aproveitou Merylin ao máximo. “Cuidei dela a vida toda, todos os 18 anos em que ela passou comigo e eu a amo imensamente. Sou espírita e já recebi mensagens dizendo que ela está bem, uma até pede desculpas por não estar com a gente. Mas é muito difícil”, desabafa.

Atualmente, ela faz um acompanhamento com psicólogo e psiquiatra e diz ainda precisar de um tempo para que tudo se encaixe no seu lugar, agora sem a filha. “Eu vim pra cá para dar um tempo para minha cabeça em relação a isso. Tudo mudou para mim”, conta.

Justiça – A mãe de Merylin diz que seu desejo é comum ao de todos os pais que perderam seus filhos naquela noite do dia 27 de janeiro de 2013. “Eles dificultaram a saída dos jovens que estavam lá, eles trancaram as portas porque ainda o sistema era de comandas. A nossa vida só vai mudar a partir do momento que a gente souber que eles estão lá presos. Porque não foi uma pessoa só, foram 242. Você imagina o pânico deles naquela noite? Teve crianças que morreram que só entregaram o corpo e mandaram enterrar, tudo queimado, pisoteado”, desabafa.

Deloci diz que viu fotos da festa e o clima era de alegria entre todos os jovens. “Eu tive acesso a algumas fotos, estavam todos lindos. O nome da festa era ‘Os Aglomerados’ e foi isso, eles se aglomeraram e morreram. Isso tudo dói muito”, ressalta.

Unidos pela mesma dor
A técnica de enfermagem diz que os pais se uniram pela dor. Ela define a filha como faceira e apaixonada por bichos. Aos 18 anos, ela iria começar o curso de medicina veterinária. “Ela chegou a ter 18 cachorros, de tanto que gostava de bicho”, brinca. A mãe lembra da filha com saudade e diz que encontra um pouco mais de conforto com aqueles que compartilham da mesma dor. “Ela era uma menina faceira, tentava me pegar no colo. E hoje, eu queria estar em Santa Maria para poder abraçar meus amigos, porque depois disso todo mundo se uniu. Eu falo dos pais, porque a cidade mesmo parece que nem está aí para a gente e isso dói. Os pais lutam muito para que os responsáveis sejam punidos”, diz.

Respostas – Deloci acha que falta um pouco de pressão por parte dos moradores da cidade. Para ela, se a mobilização fosse maior, talvez algo mais ostensivo tivesse ocorrido. “Nós queremos que justiça seja feita, mas a vigília que teve em Santa Maria, foram 600 pessoas só. O povo de lá, eu digo que é um pouco egoísta, porque se todo mundo fosse pra cima mesmo, esses caras nem tinham saído da prisão. Se todos se unissem, a justiça ia ser mais rápida”, desabafa.

Lembranças – Hoje, Maria Deloci, veste uma camiseta com a foto da filha, a frase ‘Nossa estrela brilha para sempre, Mery’ e uma broche com ‘Meu partido é um coração partido’, fazendo alusão ao Movimento Santa Maria do Luto à Luta.

Ela diz que usou no túmulo da filha uma frase que ela gostava de usar no cotidiano. “Sem drama”, o que causa estranheza em algumas pessoas, segundo a mãe. “Ela era maravilhosa, com ela, não tinha erro de nada, ela sempre dizia ‘ sem drama’, todo mundo acha estranho”, fala.

Classificada como uma dor sem fim, Maria reafirma que só vai seguir em frente quando a justiça der o passo. “Não pode ficar impune, porque a vida da gente só vai pra frente depois que a gente tiver certeza que vai haver justiça. Infelizmente tem que ser na pressão”, finaliza. (Tácita Muniz e Caio Fulgêncio, do G1/AC)


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