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Insustentabilidade da exploração madeireira em florestas com bambu no Acre

Já comentamos aqui que no sudoeste da Amazônia ocorrem extensas áreas de florestas nativas com o sub-bosque dominado pelo bambu (Guadua spp.), também conhecidas popularmente como ‘tabocais’. Estas florestas ocupam cerca de 160.000 km² e compreendem uma pequena porção do sudoeste do estado do Amazonas, cerca de 38% da superfície do Estado do Acre, grande parte do sul da Amazônia peruana e uma pequena área ao norte da Amazônia boliviana.

As florestas dominadas por bambus apresentam-se estruturalmente alteradas e com uma menor densidade das árvores. A presença do bambu pode afetar o influxo de novas espécies arbóreas, enfraquecer a habilidade competitiva de espécies com baixa capacidade de adaptação e alterar a composição florística, reduzindo em quase 40% o número de espécies em um hectare de floresta. Por isso, florestas com bambus são pobres sob o ponto de vista da biodiversidade vegetal, fato comprovado por inventários florestais realizados no Acre que mostram que um hectare de floresta com bambu raramente apresenta mais de 300 árvores com diâmetro superior a 10 cm (DAP). Em contraste, nas florestas onde o bambu não ocorre esse número pode atingir mais de 600 árvores.

Isso ocorre porque o bambu apresenta rápido crescimento e grande agressividade na ocupação do sub-bosque das florestas, especialmente aquelas naturalmente mais abertas que predominam na região central e no leste do Acre. O rápido crescimento e a agressividade do bambu se devem ao fato do mesmo formar uma ampla teia de rizomas sob o solo que, ao menor sinal de abertura de clareiras na floresta acima, lança numerosos colmos que ocupam rapidamente o espaço disponível, impedindo o crescimento de outras espécies. O bambu é a planta de mais rápido crescimento no reino vegetal e algumas espécies asiáticas chegam a crescer mais de 1m por dia.

A presença do bambu nas florestas acreanas tem sido objeto de vários estudos biológicos e recentemente os pesquisadores voltaram seu foco para entender as consequências da exploração madeireira nas florestas dominadas pelo bambu. Para a economia acreana, o conhecimento do comportamento das florestas dominadas por bambu é crucial porque hoje o carro chefe da economia florestal do Estado é a exploração manejada de essências madeireiras nativas.

E como tem sido amplamente divulgado, o manejo florestal tem, em teoria, o potencial de garantir a exploração sustentável de espécies florestais madeiras por longos períodos de tempo, visto que adota, entre outras práticas, a retirada de plantas com diâmetro mínimo de corte e explorações com intervalos de 25 ou mais anos para garantir o crescimento das plantas com diâmetro inferior ao mínimo recomendado para a exploração.

Em outras palavras, os pesquisadores estão interessados em saber o que acontecerá nas florestas dominadas por bambu após a retirada seletiva de milhares de árvores. Será que as áreas exploradas seguirão seu curso natural de regeneração ou o bambu, com sua agressividade exagerada, promoverá mudanças estruturais e biológicas com resultados que poderão impactar negativamente a exploração sustentável de madeira nas florestas acreanas?

Sabe-se que a exploração seletiva de madeira na floresta provoca o aparecimento de clareiras extremamente favoráveis à expansão do bambu, pois aumentam a disponibilidade de luz e espaço físico para o seu crescimento da espécie. Havíamos sugerido em artigo anterior que a invasão do bambu também poderia por em cheque a eficácia de técnicas consagradas e indispensáveis para a sustentabilidade da exploração madeireira, como o plantio de mudas nas clareiras abertas após a extração das árvores adultas com o objetivo de repor ou incrementar o estoque das espécies exploradas. Nossa impressão era de que nas florestas com bambu seria necessária a intervenção recorrente do homem para impedir que as mudas plantadas fossem ‘sufocadas’ pelo bambu. Sem isso, afirmamos que seria provável que apenas espécies madeireiras de rápido crescimento e menor valor comercial, como samaúma, tatajuba e canafístula, conseguiriam se desenvolver. Espécies nobres e de alto valor comercial, mas de crescimento muito lento, como mogno, amarelão e cerejeira, provavelmente não prosperariam e tenderiam a desaparecer das florestas com bambu no Acre.

Um estudo publicado por pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e França na edição 315 da conceituada revista científica ‘Forest Ecology and Management’, disponibilizado online no fim de janeiro deste ano, confirmou parte das previsões que havíamos feito sobre as dificuldades para se realizar a exploração madeireira sustentável em florestas com bambu no Acre.

Segundo o estudo, realizado no Projeto de Assentamento Agroextrativista Porto Dias, nas cercanias de Acrelândia, a presença de duas espécies de bambu (Guadua sarcocarpa e G. weberbaueri) afeta negativamente a regeneração natural das árvores. O resultado dessa situação é que neste tipo de floresta o volume de madeira remanescente após a primeira exploração se reduz em 2/3, sugerindo que o manejo em longo prazo das espécies comerciais fica comprometido em razão da pouca quantidade de árvores passíveis de exploração futura.

Em razão do baixo volume de madeira remanescente após o primeiro ciclo de corte, os autores do trabalho chegaram perto de propor que a exploração madeireira em florestas com bambu fosse evitada. A única razão para não adotar essa sugestão foi a consideração que eles tiveram com os pequenos proprietários de áreas florestais, que não têm a opção de mover seu negócio para locais com florestas livres do bambu, como ocorre com os grandes exploradores de madeira do Estado.

Os autores sugerem que a exploração madeireira em florestas com bambu seja feita com cuidado e que para maximizar os ganhos da atividade sejam adotadas práticas para minimizar a mortalidade das regenerações das espécies madeireiras presentes, a diversificação das espécies madeireiras exploradas e, para o caso da exploração em áreas de pequenos manejadores, a retirada concomitante de produtos não madeireiros (frutos, plantas ornamentais e medicinais, etc) em baixa intensidade.

Uma sugestão extrema dos autores, considerada por eles como a melhor forma para se manejar a exploração madeireira em florestas com bambu no Acre é restringir a extração ao período imediatamente posterior aos eventos de mortalidade natural do bambu, que ocorrem a cada 28 anos – segundo dados de pesquisadores do Inpa. Nestes casos, as mudas do bambu são tão vulneráveis quanto a das outras plantas e a teia de rizomas sob o solo ainda é muito pouco desenvolvida.

A ciência tem mostrado, portanto, que o ciclo de exploração madeireira na região central e no leste do Acre está condenado a ser mais curto do que se pensava. Aos proprietários de reservas florestais em locais aonde o bambu abunda é bom que se avise: é quase certo que seus filhos e netos não irão se beneficiar – em 30-40 anos – de um novo ciclo de corte e exploração madeireira. Um freio na ganância e um pouco de cautela na hora de negociar o estoque atual de madeira de suas florestas é mais que recomendável para aqueles que não querem deixar como legado às futuras gerações florestas pobres e vazias.

Leitura recomendada: ‘Logging in bamboo-dominated forests in southwestern Amazonia:
Caveats and opportunities for smallholder forest management’, de autoria de Cara A. Rockwell, Karen A. Kainer, Marcus Vinicio Neves d’Oliveira, Christina L. Staudhammer e Christopher Baraloto, publicada na edição 315 (Março de 2014) da revista Forest Ecology and Management.

*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa e do Parque Zoobotânico da Ufac.

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