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População armada

Recentemente, um vereador de Rio Branco disse que, no caso de ter sua casa assaltada, não hesitaria em “mandar bala” nos seus supostos agressores. Outro dia, Roselane dos Sports, também vereadora, arguiu ao senhor secretário de Segurança do Estado, sobre a possibilidade da população ter armas em casa. Nesta semana, o governador da Geórgia, EUA, Nathan Deal assinou Lei consentindo que portadores de armas com licença regularizada possam carregá-las em bares, escolas, locais de cultos religiosos, se os líderes permitirem, e em algumas repartições públicas. A Lei determina que as armas estejam à vista. Nesse caso, pelo menos na Geórgia, estamos de volta aos tempos do Velho Oeste, quando os cidadãos de pequenas e grandes cidades, traziam na cintura porta revólver com cartucheiras repletas de balas.

Os que defendem e lutam pela livre agência de armas, encravam suas estacas e argumentos, sobre a situação terrível vivenciada pelos cidadãos comuns que, desarmados, experimentam no dia-a-dia, verdadeira agonia existencial. Pessoas de bem que, sem acesso legal às armas, se tornam eternos reféns dos “bandidos urbanos”.

Sancionada essa tendência de todos andarem armados, morrem as esperanças, de que neste novo século (XXI) por tudo o que já vivemos de mal, os homens assumam atitudes mais civilizadas, no que concernem à preservação da vida. Mas, é justamente neste século tão decantado que a violência vem se apresentando em suas formas mais insidiosas, mais cínicas, num grau de refinamento que provavelmente supera em muito os períodos mais cruéis da história da humanidade. Genocídios e torturas “cientificamente” organizados; perseguições de todos os matizes, depurações raciais e “limpezas étnicas”; êxodo forçado de populações inteiras e grupos sociais indefesos.

Cito dois exemplos legítimos do que afirmo: um é a saída forçada, por conta da guerra imbecil que lá acontece, de mais de 2 milhões de pes-soas do território Sírio; outro é o exodo de milhares de haitianos, entrando inclusive pelas fronteiras acreanas. Igualmente, o terrorismo em formas inumanas; segregação e/ou exclusão econômica, racial e religiosa, todos são comportamentos individuais e coletivos que traduzem nada mais, nada menos, do que o simples e cruel desejo de matar.

Essa realidade insana faz ressuscitar e inspirar em mim um pessimismo do tempo das catacumbas, que não vê nada de bom neste mundo, com exceção das belezas naturais ainda preservadas. O homem, ou a raça humana, cada dia que passa se escraviza em ações que coloca em risco a própria existência humana.

O sentimento geral é a de que não existe norma alguma, ou pelo menos nenhuma norma objetiva. Parece que estamos literalmente sem lei para guiar ações éticas relevantes. As alegadas normas éticas que nós os homens usamos, ou são destituídas de valor objetivo ou destituídas de relevância empírica. São, ou puramente, subjetivas, ou completamente emotivas.

Então, fazendo uso, talvez inconscientemente, da escola do positivismo lógico de A. J. Ayer cuja ética é conhecida como emotivismo, fica claro aos olhos de qualquer cidadão atento, que a defesa ou apologia em favor do livre acesso, na obtenção e uso de armas e munições, surge a partir de apelos dramáticos de pessoas de bem, representando outros milhares, que foram infelicitadas pela perda de amigos ou parentes queridos, vitimados pelo uso indevido de armas de fogo. Nesse caso, sem sombra de dúvidas, exageraram no apelo ao emocionalismo. Infelizmente, para casos que envolvem caráter emotivo, a ética não preceitua. Não há mandamentos. Existem apenas expressões de sentimentos pessoais de alguém. Também, se todo problema fosse tratado pelo lado emotivo, de estalo viria à tona diversos assuntos urgentes, urgentíssimos, sobre as mais variadas questões que nos agridem diariamente. E, aí?

Nesta pugna, de se permitir ou não que população ande armada, a reflexão que fica, pelo menos para este escrevinhador, é a seguinte: Experimentamos a realidade nua e crua aludida, há milhares de anos, no Livro de Eclesiastes: “Todas as coisas têm seu tempo, e tudo o que existe debaixo dos céus tem sua hora…” Desta forma, parece que o homem dos dias atuais, está vivendo o tempo de matar.

*Pesquisador Bibliográfico em Humanidades.
E-mail: assisprof@yahoo.com.br

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