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Compras Governamentais: leis protecionistas de incentivo à indústria existem em 10 estados e são responsáveis pelo fortalecimento do setor no Acre

Falta de política tributária eficaz gera a guerra fiscal entre os estados

O quarto mandato da Frente Popular do Acre fundamentou-se na retórica de que seria um “mandato da industrialização”. Ainda em campanha, o então candidato Tião Viana reforçava a necessidade de ampliação da base produtiva com agregação de valor por meio da indústria focada em produtos agrícolas e florestais.

A partir do instante em que esse discurso desenvolvimentista assume o governo, naturalmente o Acre passa a integrar uma agenda comum de outros estados que elegeram a mesma prioridade nas ações públicas. O problema é que também esses estados passam por crises. Detalhe: são estados e regiões que já possuem sólida base industrial, situação bem diversa do Acre.

A ausência de uma política industrial eficaz; de políticas fiscais e tributárias justas; de mecanismos legais que garantam reserva de mercado sem atentar contra a concorrência e de medidas que combatam a “guerra fiscal” entre os estados tornam o Brasil vulnerável. Esse cenário deixa a indústria brasileira mais fragilizada.

O Acre não está sozinho nessa empreitada protecionista. Outros dez estados da federação têm leis semelhantes. “Há várias formas de olhar para uma lei. A forma que o procurador olha é apenas uma forma”, analisa o secretário de Desenvolvimento Florestal, da Indústria do Comércio e dos Serviços Sustentáveis, Edvaldo Magalhães, um dos responsáveis pela elaboração do programa Compras Governamentais.

“Esse problema só vai ser resolvido quando nós tivermos no país uma reforma fiscal e tributária”, afirmou Magalhães. No programa cuja constitucionalidade é questionada pelo MPF, o Governo do Acre tem condições, amparado pela lei, de comprar da indústria local com preços até 10% acima do ofertado em mercados fora do estado.

“Ratos de pregão” – O governo estadual entende que a geração de renda, de emprego formal e de consequente aumento de receita por meio de pagamento de tributos compensa a compra local mais cara.

“Eu não posso deixar que ratos de pregão eletrônico comprometam a indústria do Acre”, vociferou o secretário. “Isso faz parte da nossa luta diária para quem luta por diminuir as desigualdades regionais”.

Magalhães lembra ainda que foi essa mesma legislação que é questionada pelo MPF que mudou o comércio de frango na região, fazendo com que a Acre Aves (hoje abocanha 55% do market share local) superasse a Anhembi, do Mato Grosso. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)

Adin retoma debate sobre Desenvolvimento Regional

Abertura de indústrias conta com incentivos do governo

A representação da Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei do Estado do Acre nº 2.548/2012 reconstrói o debate sobre Desenvolvimento Regional. A lei trata da formulação e execução do Programa de Compras Governamentais com Incentivo à Indústria Local. A Adin é formalizada pelo procurador da República Felipe Valente Siman e expõe, via legislação, as falhas do sistema fiscal e tributário do país.

“Ocorre que, ao dispor, em seu artigo 3º, que a ‘Administração Pública poderá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à aquisição de produtos fabricados por indústrias instaladas no Estado’, violou-se materialmente a Constituição da República”, frisa o procurador na representação.

Siman lembra o artigo 19 da Constituição Federal que ressalva ser vedado à União, Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si” (inciso terceiro).

“Com efeito, a Lei impugnada criou uma discriminação arbitrária, privando fornecedores de produtos oriundos de outros estados da federação de participarem de licitações pelo só fato de não terem indústrias instaladas no território do Acre”, pontua o procurador.

“Estabeleceu-se, assim, uma reserva de mercado no âmbito deste estado, que impede outras pessoas interessadas – pelo simples fato de não possuírem indústria no território acreano – de participarem do procedimento licitatório com o objetivo de contratar com a Administração Pública”, argumenta Siman.

O procurador lembra decisão já proferida pelo Supremo Tribunal Federal, e assinada pelo ministro Cezar Peluso sobre um problema análogo registrado no Estado do Paraná. “Há competição, pressuposto da licitação, quando o universo dos possíveis licitantes não estiver previamente circunscrito, de sorte que dele não se exclua algum ou alguns licitantes potenciais”, entendeu o então ministro.

A Adin fundamenta também que o artigo 19 da CF, que trata do preceito geral da igualdade, foi violado. “A lei impugnada [que trata do programa Compras Governamentais], em um só tempo, promove a desigualdade entre as pessoas interessadas e diminui a possibilidade do Poder Público obter o contrato com as melhores condições para o interesse público”, diz a Adin assinada pelo procurador Felipe Siman. (Foto: Gleilson Miranda)

Programa aquece indústrias de confecções do Acre
 O Programa de Compras Governamentais foi criado em 2012 pela Lei 2.548, como forma de incentivar o desenvolvimento das indústrias acreanas. De acordo com esta lei, a administração pública poderá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à aquisição de produtos fabricados por indústrias instaladas no Estado.

Com essa medida, o governo conseguiu injetar de maneira direta, somente nos setores de confecções e movelaria, nos últimos dois anos, cerca de R$ 15 milhões.

O último exemplo de sucesso, que mostra a grande vantagem desse Programa para a indústria acreana aconteceu com o setor de confecções, que venceu uma licitação de quase R$ 1,1 milhão para fornecer fardamento para a Polícia Militar do Acre.

“Há mais de 10 anos trabalhando com confecções, nunca tivemos um ano tão bom para o nosso setor” diz Maria Elisa de Almeida, proprietária de uma fábrica de confecções em Rio Branco, que produz fardamento militar.
A empresa dela, juntamente com outro confeccionista acreano ganhou a licitação para fornecer uniformes e assessórios têxteis para toda a Polícia Militar.

“No passado, nunca uma empresa do Acre conseguiria vencer uma licitação desse valor, porque as grandes fábricas do Sul, Sudeste e Centro-oeste vinham ‘pesadas’ para a disputa, e nós não tínhamos condições de competir com elas. Agora, com o Programa de Compras Governamentais nos tornamos competitivos”, explica.

O titular da Secretaria de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis (Sedens), Edvaldo Magalhães, explica que essa lei 2.548, que instituiu o Programa fortaleceu as indústrias e a economia do Acre. “Antes, empresas de outros estados vinham aqui, ganhavam as licitações e levavam todo esse dinheiro para fora do estado. Agora não, esse recurso fica aqui, fortalecendo nossa economia e gerando emprego para os acreanos”, disse Magalhães.

A cada licitação vencida pelas indústrias acreanas são mais empregos que estão sendo gerados no estado. Somente a empresa de Elisa irá gerar, nos próximos 90 dias, que é o prazo para entrega dos uniformes, mais de 20 empregos.

“Para dar conta da demanda eu estou contratando 20 costureiras, que fizeram curso de corte e costura pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e ganharam máquinas de costura semi-industriais da Secretaria de Pequenos Negócios”, disse a confeccionista.

Alessandra Gomes, 29, costureira no Conjunto Residencial Cabriúva, em Rio Branco, é uma das beneficiárias do curso e da máquina de costura. Na sala de sua casa, que ganhou do Programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, ela atende aos pedidos dos moradores do bairro. “Só assim eu consigo fazer um dinheirinho e ajudar nas despesas de casa. Mas agora, com a nova oportunidade, de ajudar a fazer o fardamento dos militares, posso contribuir muito mais na renda da família”, comenta.

Cada costureira que for contratada para trabalhar neste período deve ganhar, em média, R$ 1,3 mil mensal. (Jaqueline Teles /Assessoria Sedens)

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Comissão aponta irregularidades do “Minha Casa Minha Vida” em Plácido de Castro e formaliza denúncia no MPF

Material de construção comprado com notas fiscais sem discriminação de valores e questionamentos relacionados aos critérios de seleção dos beneficiados têm como pivô o vereador do PROS de Plácido de Castro, Camilo da Silva. Ele é acusado de praticamente articular a execução da política habitacional rural na região e de só beneficiar pessoas ligadas ao seu grupo político. Acre Economia ouviu o parlamentar que negou todas as acusações

Comissão formalizou denúncia de má aplicação dos recursos do programa federal

ITAAN ARRUDA

Uma comissão formada por servidores públicos e produtores rurais formalizou uma denúncia junto ao Ministério Público Federal que tem como foco a execução do programa habitacional federal Minha Casa Minha Vida na zona rural de Plácido de Castro e no distrito de Vila Campinas.

O grupo assegura que está havendo uso político das obras e direcionamento para que só sejam beneficiadas famílias vinculadas diretamente ao vereador Camilo da Silva (PROS), cujo partido pertence à base de sustentação do prefeito na Câmara de Vereadores.

“As reclamações e denúncias chegaram até mim logo no início das obras”, lembra o servidor público Gildomar Oliveira Gomes, ex-vereador pelo PSDB (derrotado nas últimas eleições) e rival político do candidato mais votado no último pleito, Camilo da Silva.

Gildomar Gomes, conhecido na região de Plácido de Castro e Vila Campinas como Charqueiro, exigiu provas dos denunciantes. “Apareceu na minha casa, um envelope com seis notas de pedidos com indícios de irregularidades: não tinham preços e, a partir daí comecei a perceber que o beneficiário não sabia o que estava comprando. Há um indício de desvio, de corrupção. É um direito de informação que está sendo negado ao beneficiário”.

Charqueiro assegura que o programa federal de habitação rural está sendo usado no município como “trampolim politico” dos partidos da situação. “Hoje tem mais de 20 de casas prontas e você olha para os beneficiados e 99 por cento são pessoas que acompanharam esse vereador na sua eleição”, afirma o servidor público. “O critério do programa do Governo Federal seria para atender às famílias carentes dos polos agrícolas. Mas, o que se vê em Vila Campinas e Plácido de Castro são pessoas que têm casas na cidade, que já estão com suas casas prontas. São taxistas, mototaxistas, micro-empresários, comerciantes, presidente de associações de criadores de caprinos”.

Direcionamento

Custo do imóvel rural em Plácido de Castro é estimado em cerca de R$ 30 mil

Outra suposta irregularidade apontada pela comissão diz respeito à compra do material de constrição. Para o grupo de denunciantes, não há dúvidas: está havendo direcionamento.

“O processo licitatório da compra desse material estava sendo feito de forma muito obsoleta, quase indicativa (sic), direcionada”, denuncia o ex-vereador Charqueiro. “Hoje tem mais de 20 de casas prontas e você olha para os beneficiados e 99 por cento são pessoas que acompanharam esse vereador na sua eleição. O critério direito ao programa todo produtor rural tem. Mas, o critério do programa do Governo Federal seria para atender às famílias carentes dos polos agrícolas. Mas, o que se vê em Vila Campinas e Plácido de Castro são pessoas que têm casas na cidade, que já estão com suas casas prontas”.

Para os integrantes da comissão, esse direcionamento prejudica a economia de Plácido. “Quem está fornecendo o material para o programa é um empresário de Vila Campinas. Há uma reclamação dos empresários do município de Plácido de Castro, do setor de material de construção. Não houve, inicialmente, o processo licitatório que eles tivessem o direito de concorrer e o projeto federal dá direito para que a compra desse material de construção seja no próprio município para aquecer a economia local e, no final das contas, isso não aconteceu”.

O grupo diz que já procurou a direção da Caixa Econômica Federal para expor a situação. O banco público é a instituição financeira responsável pela liberação dos recursos para execução do programa habitacional.

Os integrantes da comissão asseguram que a orientação da Caixa é a seguinte. “Lá em [Vila] Campinas, vocês procurem o vereador Camilo”. “Isso é um tráfico de influência e isso é crime”.

Diante da denúncia da comissão, o Ministério Público Federal instaurou um “Procedimento Preparatório” (reunião de evidências documentais das instituições envolvidas no programa federal no que se refere a todo processo de execução da política habitacional do Minha Casa Minha Vida).

A denúncia foi formalizada em outubro do ano passado. De lá para cá, o procurador da República, Felipe Valente Siman, já acumulou extensa troca de informações com a Caixa Econômica, como demonstra o histórico de acesso público via internet.

Manobra destitui presidente de associação para “facilitar” execução do programa

Notas fiscais são emitidas sem valores dos produtos

A professora Terezinha Dias Gondim era presidente da Associação de Moradores e dos Produtores Rurais de Vila Campinas até o dia 27 de maio do ano passado. Ela estava no cargo há quatro meses. Era domingo, o último dia de reunião da associação naquele mês.

Ela foi eleita por aclamação “porque não tinha ninguém para assumir esse cargo” e teria dois anos de trabalho. “Foi quando começou a liberação dos recursos federais para o programa Minha Casa Minha Vida na zona rural para Plácido e Vila Campinas”, lembra.

Ela e os assessores iniciaram o processo de cadastro de produtores. “Nós iniciamos a inscrição do povo, ao processo de documentação burocrática para a Caixa Econômica Federal”.

Das 64 casas previstas para a região, 34 teriam obras iniciadas mediantes seleção das famílias. A associação, nesses casos, funciona como uma espécie de instituição organizadora de todo processo.

É ela quem tem o contato direto com o produtor rural e sabe de quem mais necessita do benefício. Mas, o Minha Casa Minha Vida tem outras instituições que referendam o nome do beneficiário: o Incra, com a emissão de um registro de beneficiário (RB); a Seaprof (que emite a Declaração de Aptidão ao Pronaf: um documento que registra a renda anual do produtor) e, por fim, a Caixa Econômica Federal.

Qualquer irregularidade na aplicação do programa aponta falha em uma dessas instituições. Nesse roteiro, a Associa-ção de Produtores Rurais é estratégica. “Quando se percebeu a importância da associação, em um mês e meio eu fui arrancada do cargo”, recorda a ex-presidente da associação, professora aposentada Terezinha Gondim, emocionada.

“Pegaram tudo e arrancaram da mesa e eu fiquei passando mal porque sou hipertensa. Fiquei sem tato. Fui chamada de irresponsável e incompetente só para ficarem com o cargo”, denuncia.

O Minha Casa Minha Vida na região de Plácido de Castro e Vila Campinas constrói residências rurais em um valor estimado de cerca de R$ 30 mil. Dessa quantia, as famílias beneficiadas arcam com aproximadamente R$ 2 mil em um prazo de quatro anos.

Vereador Camilo nega acusações e atribui denúncia a “questões políticas”
O vereador de Plácido de Castro Camilo da Silva (PROS) acusado nega todas as acusações. Por telefone, minimizou as denúncias afirmando se tratar de “questões políticas relacionadas à última eleição”. “Eu fui o vereador mais votado nas últimas eleições com 440 votos e isso causa inveja”, analisou o parlamentar do PROS.

Quanto à acusação de “tráfico de influência” para beneficiar aliados políticos junto ao programa Minha Casa Minha Vida, o vereador faz a seguinte análise. “Olha, essa denúncia é completamente infundada e descabida porque quem define os critérios de benefícios do programa não sou eu”, garante.

“É um critério burocrático e rigoroso em que participam o Incra, a Seaprof e a Caixa Econômica Federal. Eu não tenho nada com isso. O que a Câmara de Vereadores fez nessa questão do Minha Casa Minha Vida foi prestar uma assessoria jurídica no que se refere à documentação das famílias candidatas ao benefício”.

Camilo da Silva se diz vítima de um movimento político que não desfez o palanque das últimas eleições. “Eu já acionei judicialmente pessoas que me caluniaram em relação a esse problema porque não admito que manchem minha integridade, diante de um trabalho sério que está sendo conduzido”.

Caixa Econômica não fez declarações
Por telefone, a assessoria de imprensa da Caixa Econômica Federal no Acre foi acionada para tratar da questão. Foi exigido que se “passasse a solicitação por e-mail”. A reportagem assim o fez. Até a manhã de sábado, nenhum retorno foi formalizado pela assessoria do banco federal.

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ARTIGO
Um ator ausente

CAMILA  ASANO*

Para grande parte dos 20 mil haitianos que cruzaram a fronteira do Acre nos últimos 4 anos, chegar ao Brasil significava encontrar um porto seguro. Era ali, na pequena cidade de Brasiléia, que os haitianos começavam a ver pela primeira vez a concretização dos sonhos, ideias e esperanças que se formaram 6 mil quilômetros antes, em um Haiti ainda cambaleante e abatido pelo devastador terremoto de 2010.

A coragem para enfrentar a viagem de violência e extorsão era alimentada pela imagem de um Brasil acolhedor, protagonista na missão de paz da ONU presente no país caribenho desde 2004. No início de abril, quando o Governo do Acre anunciou o fechamento do galpão que lhes servia de abrigo em Brasiléia, também essa expectativa desmoronou.

Não que antes as condições de acolhida pintassem um quadro muito diferente daquele que se vê nos campos de desabrigados de Porto Príncipe. Em missão a Brasiléia, em agosto de 2013, representantes da Conectas constataram que o espaço, com capacidade para 200 pessoas, era então dividido por 800.

Apenas 10 latrinas e 8 chuveiros atendiam os imigrantes. Não havia distribuição de sabão ou pasta de dente e o esgoto corria a céu aberto. “Se soubéssemos que a situação aqui seria essa, não teríamos vindo”, afirmou à Conectas a vendedora Charles Marie Joseph, da República Dominicana. Não escondia a frustração.

Agora, à falta de estrutura de acolhida (que persiste em Brasiléia, mas começa a se mostrar também em Rio Branco e São Paulo) se soma o jogo de empurra de responsabilidades.

Em entrevista à Rádio Estadão na sexta-feira, o governador Tião Viana acusou o Executivo paulista de xenofobia e rebateu as críticas da secretária de Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo, Eloisa Arruda, para quem o Governo do Acre foi “incosequente” ao enviar os migrantes para a capital paulista sem o devido planejamento.

Mostrando ignorar que essa é demanda antiga das ONGs que trabalham com o tema, a secretaria afirmou que a falta de aviso e planejamento dos homólogos acreanos é responsável pela falta de vagas em abrigos no estado.

Por trás do bate-boca vicia-do pelo clima pré-eleitoral paira uma sombra: a do Governo Federal, que assiste, impassível, o desenrolar de uma crise que, segundo a Constituição, é sobretudo sua.

Tal como admitiu Tião Viana durante a mesma entrevista, Brasiléia tornou-se ponto central de uma rota internacional de migração que hoje traz ao Brasil, além dos haitianos, importantes levas de marroquinos, senegaleses, dominicanos e nigerianos. Trata-se, portanto, de uma questão de dimensões nacionais, própria da nova posição do Brasil no cenário econômico global. É atribuição do Executivo federal resolvê-la com protagonismo e estratégia, e não só com a distribuição de promessas e novos recursos.

Nenhuma dessas responsabilidades deveria causar temor no governo. Em foros nacionais e internacionais, nossas autoridades têm sustentado um discurso progressista, baseado nos direitos humanos, pedindo a revisão das restritivas políticas migratórias dos países desenvolvidos. Agora que a oportunidade se planteia, por que não aproveitar para tirar as palavras do papel aqui mesmo, no Brasil?

Para isso, é importante sublinhar, o país terá de começar pela revisão do caduco Estatuto do Estrangeiro, de 1981. A lei, criada em tempos de supremacia da segurança nacional, começa a passar por um promissor processo de revisão baseado nos direitos humanos. O não arrefecimento dos fluxos em direção a Brasiléia mostra que esse debate é urgente.

Outro passo que deve ser dado é a ampliação da estrutura da embaixada brasileira em Porto Príncipe, onde são emitidos os vistos humanitários. A dificuldade em consegui-los é o que lança os haitianos pela rota dominada por “coiotes”.

Por fim, acreditamos que essa política pode e deve ser radicalizada para cumprir com sua inspiração humanitária e, por isso, deve preceder a abolição da exigência de vistos para qualquer haitiano que queira reerguer-se no Brasil.

*CAMILA ASANO é coordenadora de Política Externa da ONG Conectas

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NOTAS ECONÔMICAS

Passou batido I
 Desde o último dia 22 de abril (terça-feira), uma informação passou despercebida na seara da Economia/Negócios do Acre: a prorrogação de prazo do Simples Nacional para os contribuintes do Acre.

Passou batido II
A medida foi formalizada pelo Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria Executiva do Comitê Gestor do Simples Nacional. Desde terça-feira, estão prorrogadas para o último dia útil dos meses de novembro de 2014, dezembro de 2014 e janeiro de 2015, as datas de vencimento dos tributos apurados.

Fôlego
Como diria o matuto, “é um ‘forgo’ a mais” nesse período de crise instalada no comércio. Para quem iria ter que ajustar as contas com o Simples em maio, junho e julho e agora só vai botar a mão no bolso para pagar o tributo em novembro, dezembro (2014) e janeiro do próximo ano, é um alento.

Sem restituição
O secretário-executivo que assina a portaria, Silas Santiago, esclarece que as empresas que já efetuaram o pagamento não terão direito a restituição. Ou seja: quem já pagou, pagou e pronto. Já se livrou da mordida da Fazenda Nacional.

Equívoco I
E os haitianos, hein? Como rendem histórias esses imigrantes! Um dos destaques da semana no noticiário nacional foi a crise institucio-nal instalada entre o Governo do Acre e o Governo de São Paulo: uma polêmica repleta de equívocos tanto de um lado quanto de outro.

Equívoco II
 O problema de fundo que precisa ser revisto com urgência é a revisão do Estatuto do Estrangeiro, de 1981. A lei foi criada ainda durante a ditadura militar no Brasil quando valia a toda poderosa LSN. De lá para cá o mundo mudou um pouco, mas essa lei não.

Sem heróis I
E outra coisa: o Brasil é signatário de uma série de acordos internacionais estruturados na defesa de uma política humanitária, inclusive no que diz respeito a imigrantes. Nós, em tempos passados, assinamos documentos em que nos comprometemos a nos comportar de uma determinada forma quanto aos imigrantes.

Sem heróis II
Como nossas avós diziam, “o combinado não é caro”. A execução de uma política estruturada na defesa dos Direitos Humanos não pode servir de munição para embates entre gestores públicos. Ao seu modo e dentro das condições possíveis, o Acre tentou cumprir uma política humanitária já prevista. Não há heroísmo ou caridade nisso.

Falhas
 Certamente, o Acre falhou na execução dessa política de acolhida aos imigrantes. O abrigo de Brasiléia é demonstração concreta disso. Mas, a postura da secretária de Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo, Eloisa Arruda, não ajuda em nada a compreensão da estrutura do problema. Aliás, lamentável e com ranhuras de xenofobia.

Na plateia
 Enquanto o Acre e São Paulo se engalfinham, o Governo Federal assiste a tudo, silencioso. Na verdade, a responsabilidade maior sobre o problema está nas pranchetas, sobretudo, da presidente Dilma.

Normalidade
 Aos poucos, volta a ser rotina na frente das lojas o desembarque de mercadorias por parte das transportadoras. E, dessa forma, um pouco da normalidade vai sendo retomada. As feridas abertas entre parceiros comerciais durante o período de isolamento, as dívidas e outros problemas da gestão de empresas ainda vão perdurar.

Sem volta I
 Mas, o Acre Economia insiste no raciocínio de que a iniciativa privada precisa radicalizar pela consolidação da integração econômica com o Peru. Todos sabem das limitações estruturantes da economia peruana: mão de obra desqualificada, miséria entre boa parte da população, problemas ambientais graves, baixo capacidade de consumo.

Sem volta II
Mas, o que o Acre precisa é diagnosticar em quais setores é possível o comércio lucrar mais desta banda da fronteira: seja na relação custo/benefício, seja na questão da qualidade dos produtos. A integração deve ser um caminho sem volta.

É do privado
Essa é uma agenda, sobretudo, do setor privado do Acre. O Acre Economia não se furta em fazer críticas aos governos, mas, nesse caso específico, é preciso reconhecer que já existe legislação que trata de comércio internacional e que cabe às empresas puxar a demanda e forçar o poder público a fazer os ajustes da legislação. Mas, é preciso trazer o problema.

Às moscas
 De que adianta montar uma fenomenal infraestrutura aduaneira para passar dois caminhões por dia? Acisa, Fecomercio, Federação das Associações Comerciais, Fieac são instituições que, passado o aperreio pós-enchente do Madeira, não podem deixar esfriar o debate sobre a integração com o Peru.

Exemplo
 Um exemplo de como o nosso olhar está viciado pelas regiões do Sul e Sudeste brasileiro. O cimento peruano nos serviu durante o período de isolamento. Mal a BR-364 deu tráfego, já reiniciaram a comercialização com Minas Gerais. Não pode! Se tem cimento de boa qualidade aqui pertinho por que teimar em buscar 2 mil quilômetros mais adiante. É um problema cultural nas empresas.

Rsrsrs I
 Uma das imagens muito divulgadas pelas redes sociais é a do Capitão Nascimento (personagem do filme Tropa de Elite) com o dedo em riste no rosto do empresário Ádem Araújo, exigindo a baixa dos preços com a normalidade do tráfego pela BR-364.

Rsrsrs II
Para além do hilariante da brincadeira, a imagem mostra como a falta de transparência é ruim para as relações de consumo. Estamos em uma época em que os complicados fatores da “formação de preço” precisam ser apresentados para o consumidor. E de forma simples. É um direito e não faz nenhum mal à imagem das empresas. Caso contrário, “pede pra sair!”

 

A Gazeta do Acre: