Esta é uma crônica pretensiosa que não pensa em se dar foros de legitimidade científica, é claro. Ela sugeriu a si própria chamar-se assim para não estabelecer muitos vínculos com a verdade que Demóstenes Torres procurava com uma lamparina à mão, lá em Goiás, de olhos plantados na cachoeirinha. O vestido roto lembra as tonalidades próprias de uma literatura parca produzida por este poeta abobalhado. Aqui a viagem e a vadia-gem são mais longas, porque o cronista se permite dormir hoje e acordar ontem. É isto o que a licenciosidade poética faculta aos que não têm o exato domínio da letra, como eu. Que o leitor não busque a linearidade da história, pois nem os passos deste vate já não são tão lineares, principalmente, agora, depois da quinquagésima sétima volta ao redor do sol. Quase envelheço.
Um dia, então, ao dirigir-se à Ágora, Platão estava cansado de tão somente pensar, refletir, meditar, vagabundear e mirar, libidinosamente, o corpanzil e as ancas rijas do velho e atlético mestre metido a viril, de nome Sócrates. Depois da preleção, os dois subiram uma montanha e depois outra para, enfim, avistarem um grande vale ornado de amendoeiras em flor. Era quase outono. Muito foi dito e mais ainda foi cometido. Certo é que, além do chamego fedorento, daí surgiu o princípio básico da famosa Apologia. O discípulo, então, de credor passou a devedor. Ah, sim! Está também nesse episódio a origem da palavra efebo, hoje, traduzida, no Brasil, para bofe… Era previsível.
Pow! É inacreditável. Os caras não queriam nada com atividade alguma que lhes exigisse um pouco mais de esforço físico. Não. Depois da cossa-ção de saco, que é o estudo da filosofia clássica, eles tinham toda a tarde para admirar a beleza uns dos outros, enquanto faziam exercícios esquisitos nos ginásios de esportes onde as mulheres não entravam. Nunca. Elas os denunciariam aos machos da Macedônia, por atentado violento ao pudor, e estes as fariam bem mais felizes em orgasmos infiéis. Os gregos não faziam nada que não fosse pensar a verdade, a sabedoria, o devir da humanidade, o metafísico, o irreal, o trivial, o sexo a três por quatro… E assim por diante.
Enquanto isso, os escravos conquistados de todas as partes do mundo conhecido, desde o século de Péricles ou até antes, ardiam de sol a sol trabalhando duro nos vinhedos e olivais, debaixo de chicote, para que os gregos homens puros pudessem se amar nas praças notívagas como animais. Não, senhores. Os helenos não gostavam de trabalhar. Jamais.
Aí surgiu o Império Romano, uma potência que teve mais de trezentos anos de apogeu. Estes, depois de dominarem os gregos, conseguiram formar uma sociedade segundo os moldes do povo conquistado, com todos os vícios e manias bestiais. O homossexualismo era tão arraigado que, por fim, em vista da falta de braços fortes para a guerra contra os bárbaros metidos a machões, o império ruiu. Os costumes, segundo Petrônio, o árbitro das elegâncias, exigiam que cada senador, como outros patrícios, só para ilustrar com um mero exemplo, deveria amasiar-se com rapazolas de dezoito ou dezenove anos e, com estes, dividir ou apenas tirar o gozo das esposas gordíssimas. Coitadas!
Depois de muito vinho, os romanos mais aquinhoados se permitiam namorar uns com os outros nos banhos públicos, antros de permissividade, não como no Brasil moderno, onde, nas saunas, oportunistas falidos mentem a respeito dos negócios que nunca dão certo apenas por pura burrice em perfumes de eucalipto. Eu vi!
Também os parentes dos césares – e a viadagem de outras dinastias e famílias – deixavam o trabalho duro para os escravos trazidos das mais remotas paragens por onde se estendia o grande Império. Ou roubavam as províncias conquistadas com impostos que muitas vezes iam a cem por cento do que era produzido pelos povos sob o seu jugo. Mas que ladrões!
E tudo foi tomando ares de uma tradição que chega aos tempos ho-diernos. Vagabundear, vadiar, flautear, trotear e rodar bolsinha, para ambos os sexos, passou de esporte nacional a valor cultural arraigado e preservado pelo mundo conhecido de então. Os ocidentais, principalmente os do signo do besouro, podiam tudo, até trocar de posição na hora da pegada, como hoje. Prostitutas e homossexuais eram negociados no mercado negro, em muitas ocasiões, com valores acima do ouro ou do trigo. Quem não queria ir para a cama com uma morena parecida com a Cléo? Quem tem dólares suficientes para arregalar a butuca da última vagabunda que largou Mr. Trump? Ô povo tarado!
E vieram os tempos medievos ao fim dos quais jesuítas e templários, além das batinas que escondiam muita sacanagem, ainda assassinavam pobres diabos em nome de Deus. Aí também quem trabalhava era a criadagem. O europeu puro, aquele sangue bom, fartava-se com vinho de categoria e orgias da pesada. Arre!
Só para se ter uma ideia, da comandita de meliantes que saiu de Portugal, e acompanhou o rei frouxo rumo ao Brasil, borrando as calças com medo de um efeminado Napoleão, apenas trêspor cento sabia ler e todos, juntos, passaram a ser tratados por fidalgos. Estes não podiam trabalhar. Quem ia para a faina braba era a negrada trazida da África, como os meus ancestrais. Pode-se dizer que os portugueses de então eram todos analfabetos, sim, mas superdotados na arte de roubar. Além daquela sacanagem que fizeram com o Tiradentes, surrupiaram todo o ouro de Minas Gerais para pagar dívidas contraídas com a Inglaterra, cujos donos eram bem mais gatunos que os tristes lusos que foram bisonhamente passados para trás. Tome-lhe!
Vai aí de gorjeta apenas uns dois séculos de tapeação, maquiagem, gatunagem, malandragem e contra cultura. É de lascar!
Vivo hoje a pretensa modernidade. Agora, as crises financeiras e morais sacodem a velha Europa e o Império de Tio Sam. Todos, juntos, cambaleiam. Percebo, cá co’s meus botões de madrepérola, que os gregos faliram desde há vinte e cinco séculos. É só contar.
Quantos pratos foram quebrados! Quanta fanfarronice! Só a História os celebra ainda hoje. Sempre tagarelaram muito e fizeram pouco ou quase nada, a não ser uma indústria turística tão débil quanto a sua economia no mundo do euro. Triste é a senhora Merckel que acredita nos gregos e ainda leva muitos dos ocidentais também a fazê-lo.
Vai o foco agora para a França, onde a maioria da população não se dá ao luxo de trabalhar para comer. Eles querem viver apenas de champagne, caviar e turismo sexual nos seus aposentos mínimos decorados com mobílias do tempo de Maria Antonieta. Não tomam banho e são chegados aos indefectíveis lencinhos umedecidos utilizados até para secar as damas em dias de bandeira vermelha. Sequer lavam as roupas bolorentas usadas por semanas a fio. Também não lavam a louça nem cuidam dos seus jardins. Para isto tudo, eles ocupam uma horda de marroquinos, argelinos, líbios, tunisianos e egípcios desgarrados que trocam um prato de comida para lhes consertar os sapatos sempre em frangalhos.
Ninguém pense que aquelas pessoas pálidas, infelizes descendentes dos mouros e sarracenos de outrora, são considerados franceses legítimos. Não. Muito menos aqueles de pele escura e cabelos encarapinhados. Nunca. E esses forasteiros pobres que se metam a besta e serão expulsos do paraíso em que vivem nos subúrbios infectos de Nice, Toulouse, Avignon, Dijon, Lion, Bordeaux e Paris. Quando foi para dominar o norte da África e de lá extorquir bens, suor e sangue, eles souberam fazer com a competência dos grandes gatunos da história que são. Alipor aquelas paragens francesas, o descendente dos antigos colonos africanos que estiver procurando emprego será perseguido e fugirá para os locais de onde jamais deveria ter vindo.
Por que Zidane, Lizarazu, Henry, Karembeu, dentre outros futebolistas, não comemoram os seus gols franceses? Eles odeiam aqueles que lhes tratam tão mal desde séculos. Amam, sim, a profissão, mas detestam a pátria inclemente que, depois, há de lhes querer ver pelas costas.
Ah, sim. Na Europa, há quem trabalhe duro e por isso têm dado certo apesar das seguidas derrotas em duas guerras mundiais. Os alemães vertem bastante suor nas suas minas de carvão. Os demais, ao contrário, são espíritos escravocratas empedernidos que não largam pornada a vida que antes era tão farta e que agora dá sinais de falências múltiplas que passam pela romântica Capri, Itália, vão a Saint Tropez, na França, não esquecem a Espanha e muito menos Portugal, este, um país que, hoje, tem oito milhões de portugueses residindo lá e dez milhões deles morando no Brasil. Ufa!
A África de ontem é a mesma de hoje. Os indivíduos formadores da mão de obra escrava já não apanham sozinhos, individualmente. Eles são chicoteados em grandes grupos por um sistema que lhes obriga a sair da sua terra para mendigar em países que lhes pagam salários suficientes apenas para que a inanição não lhes roube a vida assim tão rapidamente.
Noto, ademais, que os brasileiros, hoje, devem ter dinheiro no bolso para entrar em uma Espanha depauperada, falida. Se nos aeroportos de Madrid ou Barcelona o tupiniquim não tiver cento e setenta euros, volta para casa no mesmo voo. Enquanto isso, a hospitalidade brasileira recebe e dá de comer a milhares de haitianos vitimados pelos grandes sustos pregados pela mãe natureza.
Até mesmo os americanos ricos – ou os que se acham os mais puros etnicamente, talvez membros de uma klu klux klan moderna – nada fazem ou não derramam uma gota de suor porque o trabalho pesado é feito por escravos modernos importados de Governador Valadares, Minas, Brasil. O serviço sujo, lá, é feito por latino-americanos escravizados que buscam fôlego num deserto humano onde só tem direito à vida plena os escolhidos pela cor dos olhos verdes de Tio Sam. O new deal prega uma América só para os americanos. Os demais que comam as migalhas que caírem das mesas de Las Vegas, posto que Atlantic City está às moscas.
Percebei vós, irmãos do terceiro mundo, ratos de todos os esgotos. A crise de europeus e norte-americanos é ditada tão somente pela arrogância, pela ambição e pelo ímpeto colonizador de países que se dizem compor o primeiro mundo, mas, na realidade, chafurdam no lodaçal das bolhas econômicas que os têm levado à bancarrota, inapelavelmente.
Em verdade, o império romano durou trezentos anos, mas o império americano não chegou a completar um século. Que eles revejam os seus princípios e passem a olhar o mundo com os olhos de uma humildade que a sua futura pobreza haverá de lhes emprestar.
*Autor de Janelas do tempo, livro de crônicas; e O inverno dos anjos do sol poente, romance de viagem cujo foco maior é o Acre dos anos 40 e 50, a ser lançado em junho próximo. Cronista do jornal A Gazeta, de Rio Branco, Acre: www.claudioxapuri.blog.uol.com.br