Sentado à porta do quarteirão, ele vê dois rapazes passeando pela rua. Solta assobios. Os chama para dentro. Promete dinheiro por carícias. Saciado o desejo, não cumpre o que promete. É espancado até a morte.
O relato acima é real, aconteceu em 2013 e engrossa a minguada, mas significativa estatística de mortes violentas de homossexuais em Rio Branco. Diferente do que possa se acreditar, a maioria dos crimes contra homossexuais aqui, ou é motivada por roubos, ou é passional.
No Acre, não há registros oficiais de que crimes contra gays estejam sendo cometidos com conotações puramente homofóbicas, porque geralmente eles acontecem dentro de residências, a facadas ou a pauladas, por pessoas que, teoricamente, já tinham algum grau de intimidade com a vítima.
De acordo com a polícia, esse pode ter sido o caso do funcionário público Adriano Araújo Lima, encontrado morto a facadas, no último dia 5 deste mês, em um apartamento do bairro Cadeia Velha.
No Brasil, o documento mais atual sobre assassinatos de homossexuais é ainda de 2012, do Grupo Gay da Bahia (GGB). No relatório, o Acre aparece com nenhum registro, embora em Rio Branco, a Associação dos Homossexuais do Acre (Ahac) acompanhe alguns poucos inquéritos policiais de mortes, cuja motivação pode ter sido homofóbica.
Diz a CGB que no país, em 2012, foram registrados 338 assassinatos de gays, travestis e lésbicas. Isso significa que naquele ano, houve um assassinato a cada 26 horas, o que causou um aumento de 27% em relação ao ano anterior.
Numa de suas páginas nas redes sociais, o presidente da Ahac, Germano Marino, denuncia a forma covarde com que são tratados gays, lésbicas travestis e transexuais. Ele mencio-na nomes de casas noturnas e bares da Capital que eventualmente destilam atos preconceituosos contra essas pessoas.
“A gente é sim, todos os dias por uma coisa ou outra, discriminado (sic). Não adianta negar isso”, frisa Marino, um dos organizadores da Marcha Contra a Homofobia, que ocorre no próximo sábado, 17, na Capital.
“Em Rio Branco, mulheres lésbicas são espancadas por seguranças (…) travestis e transexuais são agredidos na sua integridade humana, quando são proibidos de usar o banheiro feminino em balneários, e gays são avacalhados, xingados e torturados psicologicamente por suas famílias, na escola e na rua”, ressalta Germano Marino.
No entanto, a coisa fica mais terrível no momento em que a discriminação descamba para a agressão física e morte, que na sua maioria é brutal, dolorosa e covarde.
Banalização da vida
– Há uma vertente no Acre que não acredita que se vive uma onda de homofobia. Aliás, o Estado é considerado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos como um dos menos homofóbicos do país.
Como em todo o país, a sociedade daqui está permeada de brincadeiras preconceituosas sobre esses indivíduos, assim como também sobre traídos e negros.
Para Moisés Alencastro, presidente da recém-criada Comissão de Diversidade Sexual, da Ordem dos Advogados do Brasil, uma análise mais coerente revela que os últimos assassinatos contra gays, em Rio Branco, mostram que foram motivados por relacionamentos amorosos não correspondidos ou latrocínio.
“Caso como o de Adriano, com certeza, foi crime passional ou de latrocínio, pois crimes homofóbicos deixam vestígios muito mais evidentes”, afirma Alencastro, que há dois anos participou também da criação do Comitê Contra a Homofobia no Acre, ligado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos. A entidade, no entanto, não evoluiu no Estado.
Ele admite que é preciso uma conscientização melhor sobre os riscos a que são submetidos quem mora sozinho ou com quem deseja se relacionar.
Uma das formas mais seguras seria a união estável, algo que ainda é considerado tabu até entre os próprios homossexuais.
Um ano após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter aprovado a Resolução número 175, que impede os cartórios brasileiros de se recusarem a converter uniões estáveis homoafetivas em casamento civil, apenas dois casamentos civis desse tipo foram celebrados no Acre. Foram mil deles em todo o país.
Para o conselheiro do CNJ, Guilherme Calmon, ”o baixo quórum de pedidos de casamentos homoafetivos está relacionado ao preconceito da população”.
“Essa é uma questão complexa. Estamos falando de uma sociedade muito heterogênea. Há pais que chegam a banir os filhos que assumem sua homossexualidade”, disse.