Ícone do site Jornal A Gazeta do Acre

O trabalho que consome a vida

Tenho em mim que um dos maiores avanços da sociedade moderna está no trabalho feminino, na figura da mulher, num mundo antes só ocupado por homens. E, nesse sentido, embora a divisão sexual do trabalho seja um fenômeno histórico, contextualizado e definido nos diferentes modelos de sociedade, tem-se reestruturado, significativamente, com as exigências do mundo moderno. Há, todavia, modelos que não avançaram muito. E, assim, numa sociedade onde a mulher não exerce nenhuma atividade econômica rentável, diz-se que ela não trabalha. Como denominar, então, às atividades exercidas no lar, na educação dos filhos, na organização da casa, na administração da vida familiar incluindo nos seus afazeres  à atenção dada ao marido?

Por outro lado, numa sociedade capitalista como a nossa, o sexo feminino entra, ainda mais, em desvantagem, pois na divisão do trabalho, às tarefas domésticas  ficam, sempre,  a cargo das mulheres, tenham elas um emprego formal no mercado de trabalho ou não.

Ora, por qual razão o trabalho doméstico, desempenhado pelas mulheres, não pode ser entendido como fazendo parte da divisão social do trabalho? Afinal é um trabalho, para não dizer um grandioso trabalho. E, nesse aspecto de definição de trabalho, que me perdoem os economistas de “olhos vendados”, quando recusam aceitá-lo como um trabalho simplesmente por estar fora das relações de  produção. Ele é, indiscutivelmente, um trabalho, um trabalho economicamente produtivo, administrativo, gerencial, educativo etc., que consome  e absorve o mundo feminino.

E, nesse particular, a divisão desigual no trabalho consome a vida da mulher, ao tempo em que expressa uma hierarquia de gênero que aponta sempre para a desqualificação do trabalho feminino, socialmente desvalorizado e mal remunerado.

As sociedades capitalistas hierarquizaram tanto o gênero masculino que o feminino perdeu, mais uma vez, na quantidade remunerada. Ao tempo em que a mulher tornou-se mais  participativa e competitiva no mercado de trabalho, os altos salários, pagos a alguém do outro sexo, sumiram em muitas profissões e ofícios ocupados, hoje, por mulheres.  Exemplo clássico, para nós, é a carreira de professor primário. Enquanto foi eminentemente masculina era bem remunerada e socialmente distinguida. Ao se feminilizar, perdeu parte do prestígio social e tornou-se mal remunerada. A ocupação manteve o mesmo conteúdo, as mesmas horas de  trabalho, mas perdeu a qualificação quando passou a ser executado por mulheres. O mesmo pode ser dito em relação a uma cozinheira e um <<chef de cuisine>>. Embora as funções não sejam substantivamente diferentes, ele é considerado altamente qualificado enquanto ela é considerada desqualificada. Um outro exemplo é o das parteiras que perderam a qualificação quando seu trabalho foi apropriado pelos homens obstetras.

Esse tema, portanto,  sempre atual, deve ser retomado e discutido, vez que a divisão sexual do trabalho não é neutra. A mulher vem demonstrando, no curso da história da humanidade, que as sociedades não crescem sem elas e que necessitam cada vez mais delas. Há uma tese que assegura ser a mulher o termômetro social. Isso significa dizer que quando a sociedade está bem é porque a mulher vai bem, obrigada.

Nesse sentido, o trabalho feminino e o trabalho masculino são categorias importantes, não em função da natureza técnica da atividade, mas em função das relações hierárquicas que encobrem o conceito e a definição de trabalho. E, no que se refere ao espaço de trabalho das mulheres, elas trabalham duplamente, um trabalho que consome a vida e, por ironia, dignifica-a mais.

DICAS DE GRAMÁTICA
E as expressões MEIO e SÓ, como fazer a concordância, professora?
– Observando a sua significação, da seguinte forma: Meio (significando a um tanto) e só (equivalendo a somente) são advérbios, e permanecem invariáveis. Assim diga seguramente:
Nós só comemos frutas. (=somente)
Tu, só tu, homem, sentirás a minha ausência. (=somente)
Elas ficaram meio envergonhadas. (um tanto)
Vocês ficaram meio confusos comigo?! (um tanto)

O anel, comprei ele para você. Posso falar assim?
Até pode, mas não deve. Os pronomes eu, tu, ele, nós, vós, eles, não podem ser objeto direto. Então, diga de outra forma:
Comprei-o para você;
Mandei-os sair da loja;
Mandou-nos entrar na sala;
Viu-a escrevendo ao amigo Roberto.

O ingresso para o show é gratuíto?
Nossa, esse doeu no ouvido, heim?! O ingresso é gratuito. A pronúncia correta é <<gratúito>>, assim como circúito, intúito, fortúito, flúido, condôr, recórde, aváro etc. (O acento não existe e só indica a letra tônica.)

* Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Membro da Academia Acreana de Letras; Professora Visitante Nacional Sênior – Capes.

Sair da versão mobile