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Uma nova era para os seringueiros nas reservas extrativistas do Acre

Contagiado pela alegria dos seringueiros, Tião Viana assinou o termo que beneficia a produção florestal em R$ 28,5 milhões
Contagiado pela alegria dos seringueiros, Tião Viana assinou o termo que beneficia a produção florestal em R$ 28,5 milhões

Há duas décadas e meia os seringueiros de Xapuri se reuniam para chorar com o mundo a perda de um dos maiores heróis da história acreana. Mas a vida do grande Chico Seringueiro trouxe a eles uma esperança. Uma perspectiva de que os extrativistas podiam viver felizes com a floresta e sonhar com dias melhores no futuro. E foi com este sonho, contextualizado em uma nova era para o Acre, que eles voltaram a se unir no último sábado, dia 31 de maio.

Eles fizeram o Encontro dos Extrativistas dentro das suas terras, na casa de Raimundo Barros, o ‘Raimundão’; primo e legatário da mensagem de Chico Mendes. Só que dessa vez eles não se reuniram para chorar suas perdas, nem lamentaram a falta de apoio à causa ou se queixaram diante das adversidades do dia a dia vivido no seio da floresta. Isso tudo virou passado para eles. Os trabalhadores agora comemoraram a concretização do seu maior sonho. Uma nova força da economia florestal, fortalecido pelos 24 anos da Reserva Extrativista Chico Mendes.

E, no dia, descobriram mais motivos para comemorar. No encontro, o Governo do Estado mostrou aquilo que o grande líder seringueiro já sabia 30 anos atrás e que o mundo teimou em acreditar: a viabilidade econômica do trabalho no campo, na mata. Através da Secretaria de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis (Sedens), com apoio da Seaprof (Extensão Agroflorestal e Produção Familiar) e da Sema (Meio Ambiente), o Estado anunciou um pacote de recursos para incentivar o avanço da produção dos extrativistas acreanos.

Foram mais de R$ 28,5 milhões do governo estadual, além de quase R$ 14 milhões de contrapartida do banco alemão Kfw pela prestação de serviços ambientais e mais R$ 11 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Milhões e milhões para uma classe de trabalhadores que antes não tinha apoio nenhum e chegou a ser tratado como ‘pedra no sapato’ para muitos governos passados que acreditaram numa via errada de progresso para o Acre.

Centenas de extrativistas de comunidades de Xapuri, Epitaciolândia Brasiléia, Capixaba, Feijó, Rio Branco, Sena Madureira, de Tarauacá, do Rio Liberdade e do Alto Juruá participaram do ato.

Durante o encontro, o governador Tião Viana falou sobre a importância dos extrativistas para a identidade do Acre. Para ele, estes R$ 28,5 milhões que o governo investirá no trabalho dentro das reservas locais mostram o valor dos extrativistas para a maior riqueza natural do Estado, ou seja, suas matas. Tião também disse que o esforço destes trabalhadores representa o apego com passado acreano. E eles é que vão levar o melhor do Estado para as gerações futuras.

“Somos capazes de preservar o Acre que queremos. E o que queremos são as reservas extrativistas. Elas significam a floresta em pé, viva. Muitos disseram que para conservar as nossas florestas não poderíamos criar animais. Mas estavam errados. Podemos sim criá-los com responsabilidade. Podemos tirar madeiras da reserva, mas através do manejo. E nestas terras os trabalhadores também devem plantar. Produzir. Este é o debate do nosso futuro e o ser humano não pode ser excluído dele’’, complementou o governador.

Antes do discurso, o governador Tião Viana assinou, orgulhosamente, um termo de cogestão para os recursos anunciados. Uma prova de que o dinheiro será administrado por diversas esferas do poder público e que será destinado da melhor forma possível para atender aos anseios dos moradores das reservas. Em outras palavras, as associações, cooperativas e outras entidades que representam os trabalhadores foram chamadas e disseram o que queriam.

Tião Viana também destacou a presença do presidente do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMbio), Roberto Valentim. E ressaltou que a participação do instituto ativamente no Acre é uma prova de que as comunidades das reservas são valorizadas, pelo cuidado com a floresta.

“Houve um tempo em que disseram que só a bala tinha força. Mas a história nos mostrou o contrário. Que as ideias são mais fortes ainda. Estamos construindo hoje ideais para o futuro. Vivemos numa Amazônia que nos desafia a toda hora. Chico Mendes nos convidou a sonhar mais alto. Cuidamos da nossa comunidade e o mundo cada vez mais vê isso”, ressaltou o governador.

Por sua vez, Valentim falou, com suas próprias palavras, sobre esta política de conservação especial do Acre e o apelo especial que tem a reserva Chico Mendes. “Temos hoje no Brasil mais de 50 reservas extrativistas, mas apenas uma tem o nome do Chico Mendes. Nosso nariz está aqui. O legado dele está aqui. E o que o país tem que reconhecer é que estas mais de 50 mil famílias que vivem nas reservas da Amazônia vivem nas nossas maiores riquezas. Portanto, vamos trabalhar para ampliar as políticas públicas aos extrativistas e incentivar, além da produção, os serviços ambientais, como o Acre já está fazendo”, mencionou Valentim.

O presidente do ICMBio também enalteceu a iniciativa do governo acreano de enxergar o potencial das suas reservas e sempre procurar o Governo Federal para cuidar melhor delas.


Produtores florestais vão receber sem atraso

Edvaldo Magalhães falou sobre fundo que garantirá pagamentos rápidos, enquanto Perpétua agradeceu os extrativistas
Edvaldo Magalhães falou sobre fundo que garantirá pagamentos rápidos, enquanto Perpétua agradeceu os extrativistas

O secretário da Sedens, Edvaldo Magalhães, detalhou os milhões deste investimento histórico. De acordo com ele, dos R$ 28,5 milhões a serem aplicados nas reservas extrativistas acreanas, R$ 2 milhões serão para atender as demandas de comunidades produtivas nas beiras do rio; R$ 2 milhões serão destinados para subsídios da borracha; R$ 5 milhões para impulsionar o manejo florestal nas reservas; R$ 2 milhões para a ampliação de cadeias produtivas locais, como a do murmuru; R$ 3 milhões para o pagamento adiantado dos coletores de látex para a Natex, parte de uma parceria com a Funtac; R$ 3,5 milhões serão usados para as plantações de seringueiras em mais de 600 hectares de florestas; entre outras aplicações.

Outra proposta que os extrativistas elogiaram bastante foi a renda per capita da floresta. Segundo Edvaldo Magalhães, o Governo do Estado está trabalhando para criar um fundo que garanta o retorno financeiro imediato pela produção dos extrativistas, tal como o murmuru, a farinha, a borracha/látex, a goma de biscoito, macaxeira, a castanha, abacaxi, buriti, açaí, e muitos outros.

“Com isso, os extrativistas vão ter a certeza de que vão produzir e receberão na hora por isso. Acontece muito de eles chegarem com a sua produção, mas a compra dela demora muito. Muitas vezes são semanas de espera. A partir deste fundo, os extrativistas no ato da entrega da produção, já vão receber na hora, sem atraso. E depois, quando o dinheiro da compra sair, ele vai repor o que o fundo pagou adiantado ao produtor florestal. Isso faz parte da organização do trabalho. E nós confiamos no trabalho de vocês, extravistas”, explicou Edvaldo.

A deputada federal Perpétua Almeida, também presente no Encontro dos Extrativistas, destacou que tudo isso que o governo investe nos produtores florestais é só uma mostra do agradecimento pelo esforço deles em abrir mão de atividades econômicas predatórias em favorecimento às boas práticas sustentáveis. “Vocês é que botam alimentos na nossa mesa. Então, este é o grande momento de agradecer aos extrativistas. Vocês são as provas vivas de que o Acre produz. E não deixem de acreditar nisso, porque muitos, por interesses políticos, vão querer ir a televisão ou rádios para dizer o contrário. Dizer mentiras. Mas estão errados”, frisou Perpétua Almeida.


As vozes que ecoam na floresta já não podem mais ser ignoradas

Raimundão: ‘não devemos abaixar nossas cabeças’
Raimundão: ‘não devemos abaixar nossas cabeças’

Diante de tantos investimentos, ‘Raimundão’, um dos grandes herdeiros do movimento iniciado décadas atrás por Chico Mendes, ficou até sem palavras. Mas a imprecisão do discurso em nada atrapalhou o anfitrião e seringueiro com orgulho de demonstrar toda a sua alegria. Uma alegria de satisfação em ver que os extrativistas de Xapuri e todos aqueles que são seus irmãos de amor e respeito pela floresta finalmente são levados a sério e incluídos no progresso do Acre.

’Há 34 anos eu convivia com seringueiros que amavam o que faziam, mas infelizmente não tinham ajuda de ninguém. Mais de 90% deles não sabiam escrever e nem ler seus nomes escritos. Hoje é diferente. Vivo ao lado de trabalhadores que sabem ler e escrever. Que vão atrás de crescer, de estudar, de ensinar seus filhos. Posso não ter as melhores palavras, mas sei que estamos reunidos aqui neste sábado vitorioso para dizer que somos mais fortes. Que não mais abaixaremos a cabeça pra ninguém. E vamos comemorar nossas conquistas, mas também estamos reunidos para discutir nosso futuro. Porque ainda há muito a ser feito’’, bradou Raimundão.

Além do anfitrião, o encontro dos seringueiros teve a presença e a participação ativa de outros líderes seringueiros. Um deles foi José ‘De Araújo’, diretor do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). De Araújo contou como foi a articulação para que os recursos chegassem até os extrativistas. Segundo ele, os seringueiros viram os grandes projetos do governo estadual mudarem a vida de milhares pessoas nas cidades, tal como o Ruas do Povo, a Cidade do Povo, entre outros.

“Só que o nosso público não era contemplado. E queríamos fazer parte disso. Conversamos com o governador Tião Viana e a sua equipe e a resposta veio rápido. Hoje temos aqui um resultado concreto deste processo. Antigamente, pela FDL (Folha de Defumação Líquida, uma borracha beneficiada sem mais ingre-dientes, usada para a transformação industrial), nós pagávamos de subvencão ao Estado R$ 0,70. Agora pagamos R$ 3,50. O látex também subiu de R$ 4,20 para R$ 4,40. Ou seja, temos a borracha mais valiosa do mundo’’, titulou De Araújo.

Das cooperativas, grandes aliadas dos trabalhadores da resex Chico Mendes, os representantes da Cooperfloresta, Dionísio Barbosa, e da Cooperacre, Manoel José da Silva, fizeram questão de agradecer ao Governo do Estado pelo incentivo à produção florestal. E ressaltaram que este segmento é a alternativa certa para o desenvolvimento. Dionísio centrou sua fala em pedir uma balsa para ajudar no transporte de madeira certificada dos trabalhadores. A requisição foi prontamente atendida (assim como seu pedido de obter o telefone do governador Tião Viana).

Já Manoel José fez um comparativo em como era o trabalho dos seringueiros antes e depois do apoio governamental para a sua causa. “Em outros tempos, só tínhamos problemas pra resolver. Por isso, os trabalhadores ficavam meio desanimados, não tinham bons lucros, nem ramal para facilitar o transporte. Mas hoje não é mais assim. A nossa reunião agora é para celebrar os avanços, com incentivos e ramais acessíveis’’, relembrou José, com nenhum saudosismo.

Manoel também comentou sobre o bom momento da Cooperacre, que para alavancar suas atividades teve de financiar mais de R$ 10 milhões em capital e de créditos com o Banco da Amazônia. Hoje, a cooperativa já tem mais de R$ 8,5 milhões pagos no banco e com ótimos números em crédito.  “Hoje o nosso trabalhador produz polpa de fruta e castanha da melhor qualidade. A Cooperacre possui a maior indústria de castanha do Brasil. Do Mundo, quem sabe. E isso tudo é fruto de uma política que pega o capital do povo e joga para o povo. Com isso, teremos a cada dia um seringueiro mais e mais feliz’’, desejou Manoel José.


Resex vai ganhar núcleo da Justiça Comunitária

Desembargadora Eva Evangelista falou sobre os planos do TJ de instalar o núcleo
Desembargadora Eva Evangelista falou sobre os planos do TJ de instalar o núcleo

Presente no Encontro dos Seringueiros, a desembargadora Eva Evangelista anunciou, em primeira mão, que a Reserva Chico Mendes vai ter, em breve, um núcleo de Justiça Comunitária. Através dele, a desembargadora conta que todos os conflitos internos na resex serão resolvidos logo, sem que os casos precisem passar por longos processos judiciais. “Onde tem pessoas, sempre há conflitos. E para resolver estes conflitos o Tribunal de Justiça do Acre está apostando na figura do mediador. E ele é quem vai resolver os conflitos na comunidade. Em resumo, serão vocês os juízes dos seus próprios casos’’, acrescentou a magistrada.

A desembargadora contextualizou esta estratégia do TJ/AC em se aproximar cada vez mais das pessoas trilhando os caminhos da Justiça Comunitária. E, neste sentido, Eva Evangelista traçou um paradoxo entre os conceitos da Justiça comunitária e do desenvolvimento sustentável, justificando o porquê de a Resex Chico Mendes necessitar de um núcleo.

“A sustentabilidade é construída aqui a partir do momento em que o homem vive a sua vida com dignidade e sendo um aliado da floresta. Aqui moram quase 10 mil pessoas e o Tribunal de Justiça do Acre deve garantir a todas elas o acesso à Justiça. Temos este compromisso. Por isso, um núcleo de Justiça Comunitária é o melhor caminho para cá’’, detalhou ela.

Representando o Ministério Público do Acre, o promotor Vinícius Menandro acrescentou que o órgão é um apoiador das políticas públicas do Estado que venham a incentivar as práticas extrativistas no Acre. Ele também disse que a presença destas ações no seio das matas acreanas é uma forma de levar cidadania aos homens do campo.

A digital dos seringueiros da Reserva Chico Mendes
Os 24 anos da Reserva Chico Mendes não poderiam caber apenas nos discursos de um encontro dos seringueiros da comunidade. Por isso, a Biblioteca da Floresta preparou uma exposição de fotografias que marcaram a trajetória árdua dos povos das florestas de Xapuri. Para o diretor da biblioteca, o professor Marcos Afonso, a exposição retrata bem a vida dos extrativistas.

“Esta é a digital de vocês, extrativistas. Muitos aqui nestas fotos, tiradas há 30, 40 anos, não sabiam ler, nem escrever. Mas construíram sua história com o valor do trabalho e hoje estão aqui como vencedores comemorando o sucesso. As crianças, os filhos e netos de vocês verão com muito orgulho a história de vocês. E elas levarão as suas mensagens para o futuro. Por isso, sintam orgulho’’, pediu Marcos Afonso, acrescentando que a exposição dos seringueiros da reserva de Xapuri é itinerante e, portanto, será levada para todos os municípios acreanos.

(Fotos: Gleilson Miranda/ Secom)

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