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Percy Fawcett no Acre (I)

O Coronel Percy Harrison  ‘Fawcett’ (1867-1925) foi um dos mais famosos exploradores britânicos. Embora tenha viajado pela Ásia e África, foi na América do Sul que ele ganhou fama e encontrou um fim que até hoje é cercado de mistérios. Foram sete expedições pelo continente até o seu inexplicável desaparecimento, em 1925, durante uma expedição em busca das ruínas de uma cidade antiga (que ele chamava de ‘Z’), erguida por uma civilização igualmente desconhecida, localizada na Serra do Roncador, em uma região nas cercanias da atual cidade de Barra do Garças, no Mato Grosso.

Fawcett se alistou no exército inglês antes de completar 20 anos e foi enviado para o Ceilão, atual Sri Lanka. Como militar lutou na primeira guerra mundial e foi enviado para a África como espião do serviço secreto britânico. No início do século XX se associou à Royal Geographical Society de Londres, onde teve a oportunidade de realizar diversas expedições para a América do Sul, em sua maioria relacionadas com a demarcação das fronteiras dos países da região.

No começo de 1906 a Royal Geographical Society de Londres foi escolhida, por sua neutralidade e competência, para realizar a demarcação da fronteira entre o Brasil e a Bolívia que havia sido definida em 1903 pelo Tratado de Petrópolis. O Coronel Fawcett foi convidado e prontamente aceitou a missão de realizar os trabalhos no campo.

Acredita-se que a leitura dos relatórios de campo e a assistência à palestra que Fawcett fez na Royal Geographical Society sobre sua visita ao platô de Huanchaca, na Bolívia, inspiraram Conan Doyle a escrever sua obra mais famosa, ‘O mundo perdido’. Também se afirma que a vida aventureira de Fawcett inspirou a criação do personagem ‘Indiana Jones’, de grande sucesso no cinema.

A leitura dos relatórios de viagem de Fawcett sugere que ele permaneceu pelo menos três meses no Acre. Chegou no final de 1906 e em abril de 2007 relatou estar deixando o Rio Abunã. Entrou no Acre por Cobija, na Bolívia, subiu o Rio Acre até suas cabeceiras e depois desceu o mesmo passando pela cidade de Xapuri e seringal Capatará, até chegar ao seringal Volta da Empresa, atual Rio Branco. Depois, retornou para o Capatará onde ficou alguns dias e, com o apoio de Plácido de Castro, cruzou por terra cerca de 80 km até a vila de Santa Rosa no Abunã, na Bolívia.

Acredita-se ser de Fawcett a foto de Plácido de Castro que ilustra este artigo, provavelmente tomada em março de 1907 – ele foi assassinado em agosto de 1908. A foto, originalmente publicada no livro ‘Exploration Fawcett’ (Phoenix Press, 2001), mostra Plácido de Castro com aproximadamente 34 anos, e na descrição original contém a seguinte declaração: “Cel. Plácido de Castro em Capatará – Este grande brasileiro foi assassinado pouco tempo depois que esta foto foi feita”.

Fawcett sobe até as cabeceiras do Rio Acre
Fawcett chegou a La Paz em junho de 1906 e após alguns desentendimentos com o governo boliviano sobre o seu pagamento, partiu por terra em direção à cidade de Riberalta. De lá ele subiu os rios Orthon e Tahuamanu até o povoado de Porvenir. De Porvenir seguiu cerca de 25 km por terra até Cobija, já na margem Rio Acre. Fawcett passou o natal de 1906 em Cobija e logo descobriu como eram difíceis as condições de vida no interior da América do Sul. Doenças eram comuns e a ele foi dito que a taxa de mortalidade em Cobija era de quase 50% ao ano. Isolados do resto do mundo, muitos habitantes terminavam por exagerar no consumo de álcool.

Em janeiro de 1907 Fawcett subiu o Rio Acre até suas cabeceiras, cuja localização geográfica era desconhecida, para esclarecer sua posição em relação ao paralelo 11°S e a longitude 69°W. Dependendo de sua localização, a fronteira Brasil-Bolívia-Peru seria considerada segundo as hipóteses previstas nos itens A e B do parágrafo 7° do artigo primeiro do Tratado de Petrópolis.

Durante a subida do Rio Acre, Fawcett fez alguns comentários, publicados originalmente no livro ‘Exploration Fawcett’, que transcrevemos a seguir:

“Em território brasileiro, todas as casas eram bem construídas, espaçosas e mobiliadas. Na sede do seringal Porto Carlos, no Rio Acre, o proprietário e sua família viviam em ótimas condições, em uma excelente casa e completa de tudo.” Porto Carlos é sede de um antigo seringal cujas terras pertencem hoje aos herdeiros do Sr. Tufi Mizael Saady – família tradicional da região. Nessa época a cidade de Brasileia não existia e a cidade brasileira mais próxima era Xapuri.

“A etiqueta do seringal recomendava que se fizesse uma parada em cada barracão para tomar ao menos um café com os residentes. O povo vivia isolado, ansioso por notícias do mundo e esta era a oportunidade de saber as novidades. Para ver quem eram os forasteiros, aproveitar a conversação e se sentir em contato com a civilização”.

Mais acima, em Tacna, Fawcett abandonou o batelão em que viajava e o substitui por duas canoas para poder chegar às cabeceiras do Rio Acre. Tacna corresponde às localidades conhecidas na atualidade como Iñapari e Bolpebra, em frente à Assis Brasil. “Um pouco acima de Tacna nós chegamos à Yorongas, o último seringal do Rio Acre. Acima estava o desconhecido – pela inexistência de seringueiras e pela hostilidade dos índios Cateana”. O último seringal do lado brasileiro, acima de Assis Brasil, é o São Francisco. Na margem direita é a localidade Bélgica. Possivelmente a Yorongas de Fawcett corresponda à Bélgica atual.

“Acima de Yorongas as florestas eram ricas em animais de caça. Havia capivaras e antas, muito boas para alimentação, embora dizem que são venenosas em algumas regiões, dependendo do que os animais se alimentem. Porcos do mato eram também numerosos, sugerindo que os índios, que são bons caçadores, viviam distante das margens”.

“Pelas leis brasileiras, a um proprietário é limitada uma área de 20 km de frente para o rio e 10 km de fundos. De qualquer maneira este limite não pode ser maior, tendo em vista os índios e a dificuldade de transportar as pelas de borracha para a margem do rio. As barracas dos seringueiros situadas nos “centros” eram frequentemente atacadas e os índios mortos quando vistos”.

“Os índios encontrados no Acre são os Cachitis, Cateanas, Maritinaris e os Guarayos. Estes últimos são provavelmente os remanescentes de uma antiga grande nação, pois estão dispersos na região entre o Rio Beni e o Rio Purus”. No alto Rio Acre resta na atualidade apenas os Jamináuas.

[Artigo continua…]

*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da UFAC;

**Alceu Ranzi é paleontologista e professor aposentado da Universidade Federal do Acre.

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