X

Na fase de vazante, Rio Tarauacá continua a assustar famílias por causa do desbarrancamento

Menino brinca, enquanto espera o pai embarcar, no cruzamento da Rua João Pessoa com a Benjamin Constant

Abrigado com a esposa numa sala de aula da Escola Dr. José Augusto de Araújo, o ex-seringueiro Pedro Batista da Silva, de 72 anos, tem crises frequentes de choro, dificuldades para urinar e pesadelos à noite. Ele é amparado pela mulher, Francisca Justino da Silva, 64, mais lúcida, mas no casal são visíveis as marcas do trauma de ver a casa, no Bairro da Praia, sendo invadida e desmanchada, como um novelo de lã, pelas águas da que já é considerada a maior enchente da história de Tarauacá em 101 anos.

“Nunca na minha vida tinha visto uma alagação tão violenta. A água começou com borbulhas no piso de madeira e em pouco tempo tomou de conta da casa. Perdemos fogão, máquina de costura e geladeira. Saímos só com um saco de roupas”, lamenta o idoso.

Quase na mesma hora, a dona de casa Maria de Fátima Ferreira de Souza, de 45 anos, chega aos prantos ao quartel do Corpo de Bombeiros, onde foi montada uma sala que serve de QG para órgãos de auxílio aos alagados. A sua casa, no Bairro Luiz Madeiro, acaba de desabar. A residência foi tragada pelo desbarrancamento que assola áreas onde a vazão já vem acontecendo, mas cujos bancos de areia são extremamente voláteis.

O prefeito Rodrigo Damasceno, que dispõe de um orçamento público de apenas R$ 43 milhões ainda não pôde fazer as contas do que o município já gastou, mas estima que o prejuízo, somente na área urbana, já beira os R$ 12 milhões.

A cidade, de 37.571 habitantes e distante 400 quilômetros de Rio Branco, está devendo aos seus fornecedores recursos para alimentos, gasto com combustível para barcos e aluguel de máquinas.

Mas a maior preocupação não são os prejuízos, que devem ser sanados por recursos federais, entre eles, os alocados pela deputada Perpétua Almeida (PCdoB/AC), em Brasília. (Leia texto abaixo).

O mais grave é a possibilidade de três ameaças funestas para a maioria das 17,5 mil pessoas afetadas direta ou indiretamente pela inundação, sobretudo, as desalojadas: 525 pessoas no total.

A primeira é a do aparecimento de doenças decorrentes da vazão. A segunda, um possível repique, já que as chuvas continuam a cair nas cabeceiras do rio, e a terceira, que já vem ocorrendo com mais intensidade desde a última quarta-feira, é a da erosão às margens do rio, ao destruir e levar algumas casas já abaladas pela inundação.

Segundo o prefeito, Rodrigo Damasceno (PT), as águas já desceram 60 centímetros e marcavam ontem 10,21m em ritmo de vazante.

No entanto, uma avaliação das Coordenadorias de Defesa Civil, do Município e do Estado, apontava que tinham sido removidos para os abrigos, ao menos nove famílias, entre a noite de quarta-feira e a manhã de ontem, ameaçadas pelo desbarrancamento. Já foram perdidas 50 casas e outras 80 estão sendo desocupadas e seus moradores levados também para os abrigos.

“A nossa orientação é para que [as famílias] permaneçam nos abrigos. O momento é de avaliação sobre os estragos e também de probabilidade de mais chuvas nas cabeceiras”, diz Damasceno.

Vista aérea da cidade, ontem pela manhã, já quase fora d’água; ao lado, cabeceira da ponte é reformada após erosão; população resiste à maior alagação em 101 anos

Perpétua Almeida consegue liberação de R$ 1,6 milhão

Deputada com o prefeito Damasceno e o vice, Batista

Recursos no valor de R$ 1,6 milhão estão sendo liberados pelo Governo Federal, por meio do Ministério da Integração, a pedido da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB/AC) especificamente para o município de Tarauacá.

Extremamente preocupada com a situação das vítimas da enchente, a parlamentar desembarcou ontem no município e tratou de percorrer os mais diversos locais atingidos pelas águas.

“Venho expressar a minha solidariedade a esse povo tão sofrido e anunciar-lhes que eu levei um pedido de liberação de R$ 1,6 milhão dos quais R$ 794 mil já estão liberados para cobrir despesas que a Prefeitura de Tarauacá vem tendo nas mais diversas áreas”, anunciou a parlamentar para uma plateia de voluntários, moradores e representantes de órgãos mobilizados no auxílio às vítimas.

“[O recurso] ainda é a metade para a necessidade, mas servirá, por exemplo, para o pagamento do aluguel de barcos”, completa Perpétua Almeida. Na visita aos abrigos, a parlamentar era recebida com carinho e a resiliência dos que estavam lá e retribuía um a um, o afeto ofertado.

Paralelo a isso, o governador Tião Viana (PT) prepara a entrega de sacolões de alimentos para os próximos dias, quando irá pessoalmente ao município.

Solidariedade entre os próprios desabrigados emociona

Maria de Fátima chora ao ter sua casa levada ontem em deslizamento de terra; ao centro, crianças assistem a desenhos; José Célio mostra sacas de farinhas perdidas

Graças à força descomunal da solidariedade dos próprios moradores, e de uma ação quase heróica das instituições locais, o almoço de ontem foi possível, no abrigo improvisado da Escola Dr. José Augusto de Araújo.

No cardápio, carne moída cozida, curimatã frito, arroz, feijão e carne. Os alimentos foram possíveis graças a uma ‘vaquinha’ feita pelos professores e funcionários de apoio da própria escola.

Diferente do que possa se pensar, ninguém em Tarauacá espera pela ação do Poder Público, tamanho é o poder enfrentamento das adversidades da maioria dos moradores. Enquanto o pirão não saía, na sala de vídeo, ao menos 20 crianças assistiam, aos cuidados de Deise Fontenelle, 43 anos, servidora provisória dos quadros da Educação Municipal, ao desenho animado da Cinderela.

“É muito triste não ter o conforto do lar e estamos aqui para amenizar esta situação”, dispara Deise, demonstrando muita felicidade por estar auxiliando.

No Bairro da Praia, um dos mais miseráveis do município, o tom de altruísmo era o mesmo.

Ali, José Célio Rodrigues da Silva, 42 anos, proprietário de uma pequena padaria, perdeu 25 sacas de farinha, que em cinco dias, possibilitaria vender 20 mil pães. Em vez de se lamentar, ele auxiliava na limpeza das casas de
alguns moradores e já fazia mais pães, dos quais alguns ele iria doar.

Lar de ao menos 4 mil famílias, o Bairro da Praia foi construído numa área de baixio, próximo à Foz do Rio Muru, um dos maiores tributários do Rio Tarauacá. Tal condição deixa muito vulnerável essa população, segundo o vice-prefeito Chagas Batista (PCdoB).

“São pessoas que se assentaram aqui com o fenômeno do êxodo rural”, explica Batista. “Muitos se viram de dia, seja pescando ou trabalhando como estivadores, para ter o que comer à noite”, diz ele.

Um projeto do Governo Federal será implantado no município com vistas a assentamentos nas partes mais altas da cidade. No entanto, poderão ser construídas 1,9 mil casas.

Senadores se mobilizam para obter mais recursos para compra de água e alimentos

MARCELA JANSEN

Os senadores petistas Jorge Viana e Aníbal Diniz participaram de audiência pública na manhã de quinta-feira, 20, com o ministro da Integração, Francisco Teixeira e o secretário nacional de Proteção e Defesa Civil, Alexandre Gomes, para tratar sobre a liberação dos recursos destinados ao município de Tarauacá, que sofre uma das maiores alagações de sua história.

De acordo com Jorge Viana, foi liberada em caráter de urgência a quantia de R$ 794 mil para o município. “Conseguimos a liberação pelo governo da presidente Dilma de 794 mil reais para socorro às vítimas da alagação em Tarauacá. O recurso será repassado à prefeitura até o início da próxima semana”.

Segundo o senador, os recursos serão destinados na compra de produtos essenciais para à população de Tarauacá, como gêneros alimentícios, material de cozinha, higiene pessoal, água, combustível e outros.

O parlamentar ressaltou a atuação do prefeito de Tarauacá, Rodrigo Damasceno (PT), frente à situação de emergência que se encontra o município. “O prefeito Rodrigo Damasceno está fazendo o possível para socorrer as vítimas. Todos os esforços estão concentrados em ajudar Tarauacá”.

Ele lembrou ainda a agilidade do Governo do Acre em auxiliar o município. “O governador Tião Viana botou a equipe do Estado para ajudar, liberou recursos e ajudou junto ao Governo Federal para o reconhecimento do estado de calamidade no município. Logo após a audiência, liguei para o prefeito Rodrigo e falei com o governador Tião Viana para informar que conseguimos a liberação desse dinheiro que vai ajudar no socorro aos que mais sofrem por conta da cheia”, disse.

O senador deverá comparecer a Tarauacá nesta sexta-feira, 21, para auxiliar na elaboração de proposta cuja finalidade será buscar mais recursos para o município alagado.

“Nesta sexta-feira, 21, estarei em Tarauacá, junto com o Tião, e vou ajudar a prefeitura a preparar uma proposta buscando mais recursos para ajudar tanto as pessoas da cidade como do interior. Temos muito trabalho pela frente. Um desastre como esse causa um dano muito grande na vida das pessoas. Muita gente da cidade perdeu tudo. E as pessoas do interior perderam a plantação, a criação e o que tinham dentro de casa. É hora de solidariedade e trabalho”, finalizou.

De acordo com a Defesa Civil, a cheia dos rios Tarauacá e Muru atingiram mais de cinco mil famílias, incluindo índios, ribeirinhos e a grande maioria da população da sede do município.

Os prejuízos, segundo a prefeitura de Tarauacá, são incalculáveis e começam a aparecer principalmente agora, com os sinais de vazante dos rios.

(Fotos: Juan Diaz /AGAZETA)

Índios perdem animais e vão morar em barco

Família Kaxinawá vive em batelão

A inundação em Tarauacá está sendo severa também na zona rural. Segundo o prefeito Damasceno, um sobrevoo na última quarta-feira, pôde-se constatar que alguns rebanhos bovinos estão isolados nas áreas mais altas.

Atracados à pedra do porto da cidade, um batelão com uma família de índios kaxinawá, da Terra Indígena Carapanã, aguardam a possibilidade de retorno.

“Morreu ovelha, perdemos pés de coco e até os plantios de milho e de araticum que vendíamos aqui no mercado”, lamenta Francisco Admilson Ferreira Kaxinawá.

Ontem, eles tinham para comer no barco um frango e peixes da espécie ‘branquinha’. “Arroz, nem feijão, não temos”. A aldeia deles está a um dia e meio de barco de Tarauacá. (Foto: Gleilson Miranda/ Secom)

Categories: Flash Geral
A Gazeta do Acre: