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Juarez Martins Xavier: noventa anos de história e amor ao Acre

No ano passado, Juarez ganhou uma festa especial de aniversário na igreja
No ano passado, Juarez ganhou uma festa especial de aniversário na igreja

Curioso e observador, o jovem Juarez Martins Xavier procurava conhecer o novo lar. A primeira impressão do local rodeado pelo verde da mata era de que ele havia ido parar no meio do nada. No entanto, aquele dia 22 de abril de 1942 ficaria eternizado na lembrança do cearense, na época com 16 anos de idade. Era a primeira vez que pisava em terras acreanas. Acompanhado da família, a expectativa era ser feliz aqui.

No começo, foi tudo difícil. O pai de Juarez carregava a fama de ser comunista. Por tal motivo, foi perseguido até mesmo no Acre. Porém, o rapaz não queria ter vínculo com isso. Seu maior desejo era trabalhar, como fazia toda pessoa da sua idade na época.

Em 1942, a vida em Rio Branco não trazia muitas aventuras ou opções. Era tudo muito parado, segundo palavras do próprio Juarez. Na cidade, havia apenas quatro casas de alvenaria e somente um carro, que pertencia à polícia. Uma atração para as crianças quando passava.

O primeiro serviço pago que Juarez conseguiu foi como servente. Depois, como pedreiro, ajudou a construir monumentos históricos da cidade, como as escadarias do Palácio Rio Branco, a Catedral Nossa Senhora de Nazaré e o primeiro aeroporto da Capital. Também trabalhou nas obras da estrada do Abunã.

Aos 18 anos, no intervalo de um serviço para o outro, Juarez Martins foi convocado a se alistar no Exército Brasileiro.

Durante o Estado Novo, entre 1937 e 1945, o governo brasileiro viveu a instalação de um regime ditatorial comandado por Getúlio Vargas. Nesse mesmo período, as grandes potências entraram em confronto na Segunda Guerra Mundial, com a divergência entre os países totalitários (Alemanha, Japão e Itália) e as nações democráticas (Estados Unidos, França e Inglaterra). Ao longo do conflito, cada um desses grupos buscou apoio político-militar de outras nações aliadas.

O Brasil estava apoiando as nações democráticas. No ano de 1943, foi organizada a Força Expedicionária Brasileira (FEB), destacamento militar que lutava na Segunda Guerra Mundial. Somente quase um ano depois as tropas começaram a ser enviadas, inclusive com o auxílio da Força Aérea Brasileira (FAB).

No meio de tudo isso, Juarez Martins havia sido enviado para Manaus/AM. Treinou meses para ser enviado à guerra. Longe da família, ele se preparava para um confronto sangrento e vivia a dúvida se voltaria a salvo para casa.

Não há certeza se a reza da família foi forte ou se a sorte bateu na porta. Próximo ao dia de Juarez ir para o meio do confronto, a guerra acabou. Com isso, o jovem voltou para casa.

No Acre novamente, Juarez trabalhou como guarda territorial e até mesmo em um jornal da época, na parte de impressão gráfica. Até que conseguiu o seu último emprego na Secretaria de Saúde local, na parte do laboratório.

O rapaz tímido e curioso que havia chegado ao Acre anos atrás agora já era adulto, casado e pai de dois filhos. No entanto, havia entregado parte do tempo livre ao vício da bebida alcoólica.

A esposa sofria em vê-lo naquela situação. Não era bem esse o destino que haviam planejado para ambos. Algo estava incompleto.

Foi quando Juarez teve a oportunidade de experimentar pela primeira vez a bebida do Santo Daime, ayahuasca.

“Esse foi o último dia que coloquei álcool na minha boca. Encontrei todo o meu passado. Todas as coisas ruins que eu havia feito, ela (ayahuasca) me mostrou. Eu disse: essa bebida tem verdade dentro dela e não mentira”, lembrou Juarez Martins Xavier, hoje com 90 anos.

Santo Daime
Sentado na varanda da casa de madeira, localizada no tradicional bairro Seis de Agosto, em Rio Branco, Juarez Martins reviveu as lembranças de décadas atrás. Tempos em que ele se descobria no mundo. Sua trajetória daria um livro, mas ele se satisfaz em contar suas histórias a quem lhe procura.

A saúde já não é a mesma de quando chegou ao Acre, em 1942, mas a lucidez é incrível, como costumam elogiar os amigos. Datas e memórias lhe vêm automaticamente à cabeça.

Após tomar a ayahuasca pela primeira vez, ele passou quatro anos sem voltar a bebê-la. E destaca que foi o pior período da vida.

O emprego que lhe dava o sustento de casa foi o mesmo que o deixou doente do pulmão. “No laboratório, eu fazia coloração de lâminas e respirei muita química. Por isso, após muita luta, em 1966, consegui a minha aposentadoria, após 26 anos de trabalho, por causa de uma lesão pulmonar”.

Distante do perigo à saúde, Juarez voltou ao encontro da bebida que o havia afastado do álcool. No entanto, ele se dedicou a investigar a procedência do produto. “Procurei saber se ela matava, se tornava a pessoa dependente, se fazia mal ou bem. Saí procurando. Nunca encontrei negação nela, por isso eu a abracei. Ela estampou pra mim coisas do passado e eu não tive como correr. Era a realidade da minha vida. Vi na minha frente como uma fita de cinema coisas que não tinha dito a ninguém”.

Em 24 de julho de 1967, ele fundou o 3º Centro Espírita da Ayahuasca do mundo. O motivo que o levou a criar a igreja é tratado pelo mestre Juarez como segredo. “Não posso contar. Se eu dissesse, você me chamaria de louco, porque a mensagem que eu recebi não foi coisa desse mundo”, afirmou.

A princípio, participava da igreja apenas a família, mas logo outras pessoas começaram a conhecer o Daime. Atualmente 35 pessoas frequentam o Centro, localizado na Estrada do Amapá, km 3, ramal do posto médico.

“Não fazemos mal a ninguém. Aqueles que chegam caídos, nós procuramos tirar um pouco de nós para dar. Seguimos os ensinamentos cristãos da Bíblia”, explica.

Ele reconhece que é comum a procura do daime por pessoas curiosas, sem intenções religiosas. No entanto, garante que não afasta ninguém. “Percebemos de longe quem está ali por interesse. Nós os tratamos bem como a todos os outros. Mostramos que somos de fato cristãos. E acontece que muitos acabam se convertendo ao sentir o coração ser tocado”, relatou.

Reconhecimento
Devido a sua história de lutas e conquistas, em 19 de dezembro de 2002, Juarez Martins Xavier recebeu o Título de Cidadão Acreano na Assembleia Legislativa (Aleac).

Ele segura o documento com emoção e orgulho pelo reconhecimento da terra que ajudou a construir. “Eu amo o Acre. Ela é a minha terra”, declarou.

Durante a vida, Juarez casou duas vezes. Com a segunda esposa teve mais sete filhos. Dos nove, hoje, apenas sete filhos estão vivos.

Ramal que dá acesso ao Centro Espírita da Ayahuasca precisa de pavimentação

O ‘Mestre’ conta que ver o ramal da igreja pavimentado seria um grande sonho
O ‘Mestre’ conta que ver o ramal da igreja pavimentado seria um grande sonho

Mestre Juarez, como é chamado pelos fiéis da igreja, comemora muitas alegrias vividas desde que descobriu a religião do Santo Daime. Ele coleciona fotos das romarias e encontros realizados anualmente. No entanto, apenas uma coisa ele ainda não conseguiu ver durante os mais de 40 anos à frente da igreja: o ramal que dá acesso ao Centro Espírita da Ayahuasca pavimentado.

A luta é de todos que frequentam o local, no km 3 da Estrada do Amapá. “Havia outra forma de chegar até a igreja, que era pelo rio, mas até o barco da comunidade foi roubado”, desabafou.

No período chuvoso, carros atolam e as roupas ficam sujas de lama. Dessa forma, o sonho de evangelizar com dignidade parece incompleto.

De acordo com Juarez, essa é uma reivindicação antiga, mas nunca atendida. “São apenas 500 metros. Espero poder ver isso acontecer um dia, porque o Centro é o meu viver”, desejou.

Histórias do seu Juarez fazem o maior sucesso na igreja
Histórias do seu Juarez fazem o maior sucesso na igreja

 

Juarez conta que trabalhou na construção da catedral
Juarez conta que trabalhou na construção da catedral

 

E ainda ajudou na construção das escadarias do Palácio
E ainda ajudou na construção das escadarias do Palácio

 

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