“Quando começou era tudo amorzinho”, inicia Antônia Miracy sobrevivente de uma relação de violência doméstica que durou sete anos. Então vieram as agressões verbais e violência psicológica, que caluniavam suas posturas, criticavam seu passado e magoavam a auto estima da mulher, que ainda acreditava no relacionamento e não entendia a profundidade do alcoolismo na vida do parceiro.
“Ele quebrava tudo em casa. Cuspia em mim. Me chutava e eu nunca chamei a polícia”, conta. Nem ela, nem os vizinhos. Por isso, com o passar dos anos, sofria ameaçadas com facas e apanhar após a bebedeira do fim de semana se tornou rotina. “Se eu desse parte, ele dizia que ia me matar. Eu tinha medo”.
Engravidou e deixou de trabalhar. O marido pedreiro não mudou. E o episódio que conta com mais dor é sobre sua segunda filha, que hoje tem três anos de idade, pedindo para o pai não bater na mãe. Lágrimas escorrem em seu rosto.
Passou a desconfiar sobre uso de drogas, porque o parceiro passava dias sem aparecer em casa. Quando perguntava, o questionamento resultava em mais brigas e agressões. A família estava em dificuldades e agora Miracy via as filhas com fome.
Uma amiga falou sobre a Casa Rosa Mulher, local onde ela fazia um curso profissionalizante. Foi lá que teve a primeira ajuda, já que não contava seus problemas à família por vergonha. “Se eu fosse pagar, eu não teria como pagar por tudo que eu recebi”, explica. A vítima recebeu sacolão, fez curso de manicure e recebeu assistência. Um processo que a encorajou a dar um basta. Saiu de casa. Foi para o abrigo Mãe da Mata.
“Eu passei a tomar decisões. Ainda pensava em voltar pra ele, mas estava cansada de tudo e não queria mais minhas filhas passando por isso”, conclui. Está separada há um ano. Passou um período atendida pelo aluguel social e foi encaminhada para cadastramento na Secretaria de Estado de Habitação (Sehab). Ganhou uma casa no Calafate e vive do seu trabalho na Lavanderia Comunitária Maria Barbosa do Nascimento, no segundo distrito da capital, emprego adquirido também com apoio da Casa Rosa Mulher.
Aos 30 anos de idade e com a maturidade de uma vida judiada reflete sobre a vida das filhas, vigiando para que não sofram. Sobre ela mesma, ela se sente mais forte e fala que a fase dos espinhos passou, vive a fase das rosas.
Rede de Proteção à Mulher
O Acre possui duas redes principais de proteção à mulher: Rede de Cuidados no Enfrentamento à Violência contra a Mulher de Rio Branco (Reviva) e Rede Reviver no Juruá. São estruturas que integram serviços e permitem que se materializem as políticas públicas para combater a violência doméstica, familiar e sexual.
O atendimento garante acesso a direitos, como saúde, educação, assistência social, segurança pública e justiça, caminhos que possibilitam a desconstrução do modelo relacional da violência.
Para enfatizar o combate à violência de gênero, o governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Mulheres (SepMulheres), prefeitura de Rio Branco, Tribunal de Justiça (TJ) e Ministério Público Estadual está realizando programação articulada para os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher.
A atividade faz parte da agenda positiva mundial e contempla datas históricas importantes, como o 25 de novembro, dia da Não Violência Contra a Mulher e o dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. Cerca de 130 países desenvolvem conjuntamente essa campanha.
Segundo o Mapa da Violência 2014, o Brasil ocupa o sétimo lugar entre os que mais violentam mulheres, em um ranking composto por 95 países. O que comprova que além do número de denúncias ter aumentado, a violência também aumentou. Neste ano, a Lei Maria da Penha, maior aliado jurídico para as mulheres brasileiras, completou oito anos.
Por causa dessa realidade, o Ministério Público de São Paulo lançou em agosto a campanha que defende um passo adiante, a Lei 11.340/06, que exige que o feminicídio seja incluído no Código Penal. O que deixará de tratar a questão de morte de mulheres como homicídio simples e o transformará em homicídio qualificado, aumentando a pena do agressor. Na América Latina, 12 países já adotaram leis específicas para o feminicídio. Os internautas que desejam endossar de que a legislação seja apreciada no Senado, podem assinar petição online.
Mutirão de audiências
A dúvida é de uma das muitas acreanas que sofreram violência neste ano. O episódio foi narrado pela promotora Dulce Helena Freitas, responsável pela Vara de Violência Doméstica e Familiar.
O Ministério Público está realizando mutirão de audiências durante a campanha dos 16 dias, e durante esse período já foram avaliados 2.158 inquéritos policiais, contudo o número aumenta todos os dias. “O objetivo é entregar respostas rápidas e efetivas para as vítimas, porque isso dá as mulheres uma sensação maior de segurança”, ressalta a promotora Dulce.