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A convivência entre o pássaro e a serpente

O japim é uma ave amazônica. É dona sedutora de um trinado de perder o fôlego, já nas primeiras horas do dia. O pássaro imita um sem número dos da sua espécie e canta melhor que todos. Aspecto burlesco da natureza é que ele mantém, muito próximo ao seu ninho, no alto das árvores maiores, um vizinho não confiável ao extremo. Ali, bem ao lado, mora uma cobra caninana que diz tomar conta da área. Acontece que, ao contrário do que muitos pensam, ela faz cobrança altíssima pela vigilância ao comer um ou dois ovos por dia, mesmo quando estes estão em fase de geração. Trairagem. Sacanagem. Parece gente, irmã!

Mas, para contrabalançar, o bem-te-vi fura o olho e mata o filhote da cobra papa ova, ou da corre campo, e sai voando com o animalzinho morto no bico para dar de comer aos seus filhotes famintos em elevado grau. Talvez seja essa a melhor iguaria da casa, como o macarrão é para boa parte dos humanos.

Não é aqui que vou falar de flores. Não é dia, nem o local é apropriado. Agora, já não vejo pássaros. Um dia, presenciei uma cobra surucucu pico de jaca, extremamente peçonhenta, sair do buraco onde morava uma paca, situado na raiz de uma samaúma – o covil. Disse-me o Agenor, índio velho dos seringais do Gregório Calisto, que a serpente é como muitas pessoas. Assim do tipo Bittar, para quem trair, mentir e coçar é só começar.

Quase todas as noites, a mais venenosa cutuca e fere o roedor com a ponta do rabo onde tem um maracá e um ferrão. Sorte é que a vítima desde a gênese desenvolveu uma defesa natural contra o veneno.

O jabuti não anda de braços dados com a jararaca, não. Ele é deveras tolerante e atura o seu odor fedido e o humor dos mil demônios. De uma hora pra outra, ela investe contra o animal de casco e este joga na defesa e deixa à mostra apenas as partes duras do corpo que não podem ser furadas pela serpente.

Qual é a do jacaré que fica ali, indolentemente, navegando bem ao lado de uma sucuriju da espessura de um barril? Ele confia no próprio taco, porque sabe que a serpente jamais terá condições de digerir aquela couraça estupenda.

Ainda no reino animal, vejo que o gato ensinou à onça todos os pulos da sua prodigiosa coleção. Ele  esqueceu o ensinamento sobre como a bichana daria o salto de costas. É o caso de Jorge Viana, que ministrou aulas de todos os estilos ao Petecão e ele foi aprendendo aqui e apanhando acolá. Todavia, uma coisa que el príncipe Viana não ensinou  –   também porque não sabe  –  foi como o aprendiz não agir feito a serpente traiçoeira. O rapagão trai pelos cotovelos…

El príncipe também não ensinou os segredos sobre como o garoto da Seis de Agosto faria em prol da manutenção do próprio mandato. Eis o caminho da perdição. É por isso que o acrea-no grandalhão não passa de um bom organizador das peladas nas quais brilha o anencéfalo ao lado de Aécio Neves.

Levando a ciranda da fauna para os bichos bem pequenos, vejo que o Viana é a formiga e o Petecudo é a cigarra. Enquanto o primeiro trabalha, o segundo conta (canta) lorota nas rodas de senadores e deputados tão desocupados quanto ele. Quero ver é quando chegar o inverno, como na fábula. Mais uma vez o Madeira exorbitará, o Rio Acre ultrapassará os níveis mais altos… É claro que o Petecão se refugiará em Brasília e deixará os irmãos do bairro Seis de Agosto a verem os navios que nunca chegarão, só de mentirinha. Ele estará seguro de que o Tião Viana fará tudo e muito mais do que aquele mínimo que ele jamais teria condições de fazer.

Não é hora da flora porque ela está em casa dormindo. (Moça linda e prendada está ali!) A fauna falou por si só, aí em cima. Bom é tratar sobre as estripulias próprias do bicho homem em sociedade.

Para início de conversa, e já tirando os quartinhos de banda, segundo o Astrogildo Berimbau, dentre as mil e tantas verdades muito próprias dele, há uma evidente. Veja as palavras do espírito de porco mais eloquente que eu já vi bem mais que senti:

– Nem por todo o dinheiro do mundo me arvoraria estar deputado estadual ou federal ou senador por uma semana sequer. Vejo que há aqueles que matam a cobra e mostram a bicha morta; como tem os que cutucam a onça com vara curta; como circulam por aí os meus heróis das antigas histórias em quadrinhos, como o Zorro e o Mandrake; como existem homens e mulheres que pegam o leão com a unha e mordem o rabo da cobra cascavel… Não. Nunca. Nem assim eu teria coragem de conviver com as serpentes em locas profundas como a Assembléia Legislativa do Acre. Mamãe me deu de mamar leite de gente preta, dos melhores. Eu não enfio a mão em cumbuca. Ela me ensinou a ler e me colocou nas boas escolas desta terra… Nem pensar!

Macacos me mordam! Eu vejo com grande admiração o professor Moisés Diniz, que convive com o major boquirroto (o perturbador de velórios) no dia a dia, na Assembléia Legislativa, e não adoece, apesar de pisar no rabo da serpente toda santa manhã que Deus dá já ao acordar-se. Qual é o antídoto que ele usa? É inexplicável. Disse-me o Astrogildo Berimbau, o espírito bêbado que me acompanha às segundas, ainda manhãzinha, em direção ao mercado dos peixes, que a fé é que o salva do veneno diário, posto que já foi padre ou seminarista em algum lugar do sistema planetário, talvez em Tarauacá.

Um dia o Astrogildo fez vento no meu ouvido e perguntou se eu tinha coragem de entrar pra política. Mesmo sem ver essa alma do outro mundo, que me acompanha perturbando o meu juízo de vidro, falei meio aos gritos assustando o Zacarias, o vendedor de ervas da Estação Experimental, já acordado às cinco da manhã:

– Tu é doidé?… Você quando vivo era um pirado de marca maior. Só a loucura explica as tuas sandices, bêbado mórbido! Já pensou um cidadão pacato como eu enfiado na marra dentro de um saco de surucucus? Nem com o cão nos couros!

Faço ressalvas honrosas a alguns membros da política local. Devo confessar que não tenho medo do bicho cobra, como, de sobra, tenho pavor do bicho homem, notadamente esses que se engalfinham em duelo de vida ou morte, simplesmente, com o objetivo de abocanhar os salários fenomenais pagos aos membros famintos do legislativo nacional. Calma aí. Não me atirem agora, somente à tarde, às três, porque à noite eu tenho compromisso e não posso faltar por causas de vocês, como diria o Belchior…

Raios que os partam!

Os caras mal sabem o que dizem a respeito da maior parte do que comentam. Eles ainda não perceberam que o povaréu que eles pensam enganar está ficando esperto até demais… E como expelem bravatas! Se forem perguntados a respeito dos seus planos reais e exeqüíveis sobre a saúde preventiva, por exemplo, eles farão (e fazem) como o Bocalom: falarão mil besteiras tentando fazer rodeio sobre um assunto que lhes é completamente desconhecido.

Prefiro planos exequíveis, porque um tal Boca Negra  –  numa alusão aos Piratas do Caribe e ao Bocalom, é claro!  –   já até inventou uma vaca mecânica, mas não me disse onde esta seria montada, nem onde seriam compradas peças de reposição e qual seria o ramo da engenharia específico para mexer com animal tão estranho. Pense numa doidice!

Não tenho nenhum preconceito, até porque a superior maioria dos que chegam ao Acre aqui vêm para somar ou multiplicar. Enquanto isso, opaulista e o paranaense, políticos, querem apenas salários e possibilidades de arranjos financeiros e falca-truas em Brasília. Aquele que se diz de Sena Madureira, então, nunca largou o osso mole do Planalto, mesmo que às expensas do Estado do Amazonas… Esse é o Bittar!

Pensando bem, eu queria ver se nós passássemos uns dez anos sem pagar a nenhum legislador ou executivo. Eles fugiriam para atividades bem menores ou mendigariam em portas de bancos, a não ser os que têm profissões definidas. Talvez os salvasse o José Mujica, que é presidente de uma república da América e passa fome em uma casinhola de sítio nos arredores de Montevidéu.

Daí é que a moça da janela olha com menosprezo para as letras mal acabadas que saem da verve deste poeta estúpido. Ela não lê e diz tratar-se apenas de um texto enfadonho de um acreano parco que escreve à duras e tristes penas. Ela não é sulista  –  é amazônica  –  mas é preconceituosa.

Problema é que o bardo tem luz própria e prefere, então, nem lembrar a madrinha do seu primo segundo, segundo quem preferiria que o afilhado tivesse nascido morto, porque nascera preto, da cor do preconceito racial que também é negro. Daí, eu penso, cá co’s botões de madrepérola, que o meu ponto de vista é estrábico porque nasci em berço de ferro fundido e até sou mulatinho.

As elites não gostam de metalúrgicos sem dedos. Também odeiam os reféns da ditadura. Desconsideram ainda as professoras magras pretas pobres. Assim como não gostam do zé povim que agora viaja de avião e até conhece a Europa. Para alguns do high society, gente da minha estirpe, por exemplo, teria os olhos furados para, da mesma forma que essa casta numerosa dos sicários da política, não enxergar um palmo adiante dos narizes sujos e miraculosamente rombudos.

* Cláudio Mota é escritor.

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