O fenômeno da inundação fluvial que atinge o Estado do Acre, pelas proporções que tomou, trouxe prejuízos incontáveis à população dos municípios atingidos, mas também tem revelado uma face compassiva e solidária de nosso bravo povo que, diante de mais essa batalha, lutou sem recuar, sem cair e sem temer, corroborando o que expressa o nosso Hino Acreano.
Nos últimos dias, tenho me deparado com inúmeras situações que suscitam atitudes solidárias: pessoas perdendo o pouco que tinham e que não tinham (pois ainda estavam pagando prestações de muitos dos objetos perdidos), pessoas passando fome, mães sem condições de alimentar seus filhos ou propiciar o uso de fraldas a recém-nascidos, pessoas doentes ou recém cirurgiadas, em abrigos, doentes sendo transladados de hospitais, entre outras situações comoventes.
Tenho visto também uma pronta resposta do poder público, o empenho de inúmeros servidores e a união da sociedade civil organizada para minimizar o sofrimento das pessoas atingidas pela enchente do Rio Acre. De Assis Brasil a Porto Acre, passando por Brasileia, Xapuri e Rio Branco, a alagação deste ano foi a maior de todos os tempos e, como haveria de se esperar, trouxe consigo também uma devastação nunca dantes vista. Passaremos anos para nos recuperar totalmente das perdas materiais e sentimentais. Sim, perdas sentimentais também, pois muitos perderam suas casas e, com elas, histórias de vida; muitos perderam fotografias que lembravam seu casamento, seus antepassados, o nascimento de seus filhos e comemorações de datas especiais; muitos perderam documentos que serão difíceis de serem recuperados.
Se buscarmos um conceito acadêmico, o dicionário Michaelis se refere ao termo solidariedade como “compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas pelas outras e cada uma delas por todas”. A definição é profunda e nos remete a uma reflexão: será que precisamos ser solidários apenas nos momentos de crise ou o sentimento de solidariedade deve fazer parte do nosso dia-a-dia como princípio de vida? Indiscutível a necessidade e a importância de campanhas solidárias em situações de catástrofes. Elogiáveis as pessoas que se empenham em promovê-las, pois minimizam as primeiras necessidades dos flagelados que, sem esta ajuda, estariam fadadas a um sofrimento ainda maior.
Eventos como esse nos ajudam a compreender o verdadeiro sentido do que vem a ser solidariedade, e também nos trazem importantes lições de vida, na medida em que refletimos sobre o comportamento das pessoas diante da situação catastrófica. Nessa toada, identificam-se dois grupos de pessoas: aquelas que se apequenam e aquelas que se agigantam.
O primeiro grupo é formado por aqueles que, vendo o sofrimento de seus concidadãos atingidos pela catástrofe, se portam com indiferença, não fornecendo auxílio material aos desabrigados, não disponibilizando abrigo ou hospedagem, se mantendo distantes do problema, enfim, não se voluntariando para, de alguma forma, contribuir para amenizar a aflição de seus semelhantes. Também fazem parte deste grupo aqueles funcionários e gestores públicos que se mantêm distantes dos problemas e dos flagelados, ou seja, que, em atitude covarde, abandonam a missão (felizmente, esta parcela é minoria).
Também fazem parte desse grupo os aproveitadores, pessoas que enxergam na calamidade, não uma oportunidade de ajudar ao próximo, mas de autopromoção. Parafraseando o meu amigo Bernardo, Promotor de Justiça de Xapuri, esta minoria será carregada pelas barrancas da história (fazendo referência aos barrancos do rio que se vão com a enchente).
Já o segundo grupo é composto por aquelas pessoas que, diante de situações de calamidade, são movidas por um genuíno sentimento de humanidade, se disponibilizando a ajudar, ainda que em prejuízo próprio. São aqueles que se voluntariam, não só fornecendo donativos, mas também empregando seus bens para resgatar os desabrigados, dando as mãos àqueles que clamam por socorro, que se veem privados de suas moradias e de seu patrimônio, e ainda, salvando-lhes as vidas. Para essas pessoas, a vida humana está acima de cor partidária ou de quaisquer tipos de divergências. São pessoas que se agigantam, não no sentido de serem melhores ou maiores que outras, mas de servirem mais. Temos vários exemplos de servidores, gestores e anônimos que se encaixam nesse perfil, a quem não nomino para não ser injusto com o eventual esquecimento de alguém.
Pude perceber pessoalmente, quando da minha atuação enquanto coordenador da Defesa Civil Estadual no município de Xapuri, cidade duramente afetada pela enchente, que a solidariedade é fundamental nos momentos de crise. Vi pessoas perdendo suas casas, perdendo a geladeira recém-adquirida, perdendo seu local de comércio de onde tiravam o sustento de seus filhos, enfim, situações muito tristes. A maioria da população xapuriense, a exemplo da população dos demais municípios atingidos, se portou de forma caridosa e solidária. Colocando os “pés no barro” pude perceber o quanto é importante estar junto da população para compreender seus dramas e necessidades e, por consequência, se envolver de corpo e alma para ajudar a minimizar seu sofrimento.
Quando falo que precisamos ir além da solidariedade, gostaria que fizéssemos uma reflexão sob três aspectos fundamentais. No plano pessoal, penso que é hora de olharmos para o nosso próximo com mais carinho, deixando de lado ambições muitas vezes mesquinhas e atitudes individualistas. Existem pessoas que necessitam de nossa solidariedade todos os dias, basta olhar em nossa volta. No plano governamental, penso que enquanto gestores, precisamos cada vez mais ter um olhar proativo para buscar retirar as pessoas que residem em situação de risco, pois, do contrário, ano após ano, estaremos enfrentando situações semelhantes a esta que estamos vivendo neste triste momento da história do Acre. O investimento na Cidade do Povo e a garantia de busca de recursos para edificar mais 1.000 casas populares na região do Alto Acre é uma clara demonstração dessa proatividade e preocupação do Governo do Estado com a população acriana que vive em áreas de risco. Na dimensão da sociedade civil organizada, penso que poderíamos promover campanhas de envolvimento para suscitar o compromisso social com os mais necessitados.
Independente das reflexões, o momento exige união e solidariedade. Convido todos a se integrarem nesta verdadeira jornada solidária e fazer com que este pesadelo seja minimizado. Espero que possamos superar a situação como seres humanos ainda melhores e mais comprometidos com a causa social. Somente assim estaremos reafirmando nosso compromisso uns pelos outros e com todos.
* Emylson Farias da Silva
Secretário de Segurança Pública