Há cinco anos, imigrantes haitianos e de outras nacionalidades chegam pelo Brasil, através do Acre, cheios de esperanças em busca de um novo lar, emprego e dias melhores. Acreditam estar na terra prometida e nada, nem mesmo as condições pelas quais eles passam até chegar aqui, os fazem desistir.
No entanto, de acordo com o Ministério Público do Trabalho no Acre (MPT/AC), atualmente, foram identificadas duas novas rotas de entrada no país, sendo uma delas pelo Sul.
Ainda assim, a rota terrestre mais utilizada é a via Interoceânica, que liga o Peru ao Acre, afirmou o procurador-chefe do MPT no Acre, Marcos Cutrim. “No começo, os coiotes tentaram a rota na fronteira da Colômbia com o Brasil, no Amazonas, na cidade de Tabatinga. Entretanto, as distâncias na floresta amazônica, a presença das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, organização terrorista, e a falta de estrada de Tabatinga à Manaus certamente desmotivaram os coiotes e os próprios imigrantes a continuarem utilizando essa rota. Duas novas rotas terrestres são objeto de preocupação mais recente do Ministério Público do Trabalho: a chegada de africanos pela fronteira Brasil-Bolívia, na cidade de Guajará-Mirim, em Rondônia; e a entrada de haitianos pela fronteira Brasil-Paraguai, no Paraná”.
Para o procurador-chefe, a imigração coletiva é um fenômeno complexo. Após cinco anos nenhuma medida foi tomada pelo Governo Federal a fim de amenizar a situação no Estado. Mesmo com duas novas rotas como opção para os imigrantes, Cutrim não acredita que o fluxo no Acre irá diminuir. “O maior erro governamental foi encarar a crise imigratória como uma situação temporária”.
Já o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado, Nilson Mourão, rebate a informação de que o Acre estaria deixando de ser a principal porta de entrada no Brasil. “O Acre é a única porta de entrada para os imigrantes que vem pela rota terrestre. Eles ingressam de forma irregular no país”, garantiu.
Combate ao tráfico de seres humanos
Para o procurador-chefe Marcos Cutrim é necessário que o Governo Federal combata o tráfico de pessoas vítimas da ação de coiotes. Como? Adotando medidas eficazes em cooperação policial com os Ministérios Públicos dos países de rota terrestre – Equador, Peru e Bolívia – para impedir que a situação se perdure. Além disso, estabelecer uma rota regular de ingresso no Brasil pela via aérea e aeroportuária mudaria a atual realidade.
Dessa forma, esses trabalhadores imigrantes poderiam sair de seus países com visto e com destino direto aos grandes centros do país, onde há demanda de mão de obras em vários setores.
Ainda de acordo com Cutrim, existem pesquisas dos especialistas em imigração informando que, durante a viagem na rota Haiti-Brasil e Dacar-Brasil (no caso dos africanos), eles são vítimas de roubos, violência, abusos, espancamentos e até estupros praticados por coiotes, traficantes e membros das polícias estrangeiras.
O Relatório de Pesquisa de Campo direcionado ao MPT pela professora da Ufac, Dra. Letícia Mamed, doutoranda pela Unicamp, comprovou desde o custo médio pago pelos trabalhadores imigrantes aos coiotes (entre U$ 2 mil a U$ 5 mil) aos demais crimes de que são vítimas ao longo da rota terrestre.
Além disso, em pelo menos cinco operações de combate ao trabalho escravo ocorrida entre 2013 e 2015, 150 trabalhadores haitianos foram resgatados de condições de trabalho análogas à de escravo, em Minas Gerais e em São Paulo, em mineradora, na construção civil e na indústria de confecção, destacou o procurador-chefe.
A primeira grande operação de combate ao trabalho escravo de imigrantes ocorreu na cidade mineira Conceição do Mato Dentro, que fica a 160 quilômetros de Belo Horizonte, culminando no resgate de 172 trabalhadores, entre eles, os 100 haitianos que viviam em condições degradantes. O flagrante de escravidão aconteceu em novembro de 2013, em uma obra da mineradora Anglo American. Esse foi o principal caso envolvendo a libertação de haitianos no Brasil até hoje.
Outra libertação envolvendo haitianos aconteceu em junho de 2013, na capital do Mato Grosso, Cuiabá. De acordo com a fiscalização, as 21 vítimas foram alojadas em uma casa em condições precárias. Além de superlotada, faltava água com frequência e não havia camas para todos. Elas haviam sido contratadas para a construção de casas de um conjunto residencial financiado com verbas do programa de habitação do Governo Federal, Minha Casa Minha Vida, em que flagrantes de trabalho escravo têm sido constantes.
Em ambos os casos, os trabalhadores foram recrutados no Estado do Acre, na cidade de Brasileia, quando ainda existia o abrigo na fronteira.
Na cidade de Suzano, São Paulo, os procuradores do MPT em Mogi das Cruzes junto com auditores fiscais da SRTE/SP realizaram uma operação de combate ao trabalho escravo em canteiro de obras e alojamento de trabalhadores, no dia 16 de outubro de 2014. Treze trabalhadores haitianos foram encontrados abrigados pela empresa em total precariedade.
O MPT e o MTE, na ocasião, resgataram os treze trabalhadores haitianos, sendo firmado Termo de Ajuste de Conduta com a empresa investigada, rescindido os contratos de trabalho e pagas as verbas trabalhistas aos imigrantes.
“À medida que o tempo passa, e quanto mais o Governo Federal se omite, naturalmente, esses trabalhadores imigrantes, especialmente haitianos e senegaleses, serão submetidos ao trabalho escravo”, salientou Marcos Cutrim.
Procurador-chefe destaca a ausência do Sine no abrigo
Segundo o procurador-chefe do MPT no Acre, de todas as situações verificadas, algo que muito preocupa é a ausência do Sistema Nacional de Emprego (Sine), que é de responsabilidade federal, na intermediação da mão de obra. “Isso evitaria o uso de métodos discriminatórios de seleção de trabalhadores imigrantes, tais como pela espessura da canela, pelas condições da genitália, pelo porte físico e por idade. Outras informações estão sob sigilo e não podem ser reveladas neste momento, pois demandarão novas investigações”.
No total, o Estado do Acre já gastou cerca de 11 milhões com os imigrantes
BRUNA MELLO
Desde 2010, após o terremoto devastador que abalou o país caribenho, o Brasil passou a ser ponto de referência para os imigrantes haitianos. Como porta de entrada, o Acre, que faz fronteira com a Bolívia, transformou-se em ‘rota internacional de imigração ilegal’.
Durante esses cinco anos, foram discutidas diversas questões, para chegar há um denominador comum. Segundo o secretário de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), Nilson Mourão, após várias reuniões com representantes do Governo Federal e dos estados que têm recebido os imigrantes, algumas conclusões foram elaboradas. “Está cada vez mais claro, em Brasília e nos demais estados, que esse problema da imigração não é um problema do Acre, isso é um problema do Brasil. Essa política tem que ser administrada pela União e os demais estados”, disse.
Outra questão já esclarecida é que a busca dos imigrantes pelos estados de São Paulo, Curitiba, Mato Grosso, Rio de Janeiro, entre outros, é uma escolha dos imigrantes. “Quando eles vêm do Haiti já sabem para onde vão. Eles sabem que é a partir de São Paulo que existe grande oferta de empregos, estão em busca de trabalho. Os estados já entenderam essa questão”, explicou o secretário.
De acordo com o secretário, a atual fase de acordo está relacionada com a entrada e recepção dos imigrantes. Os estados solicitaram que fossem informados com antecedência, o número de imigrantes e a data de chegada ao Estado. “Foi isso que eles pediram, que houvesse uma articulação nas comunicações. Para que eles [representantes dos estados] saibam quem chega, quando chega e quantos chegam, para que as devidas providências sejam tomadas”, afirmou.
Nilson Mourão destacou que o Acre recebeu mais de 40 mil imigrantes entre senegaleses, haitianos, e dominicanos, e ninguém nunca foi informado com antecedência. “Estão nos devendo mais de 40 mil avisos”, brincou.
No total, o Acre gastou 11 milhões com os imigrantes, com abrigo, alimentação, transporte, entre outros itens de necessidade básica. “Ainda tem quase 4 milhões, que está numa posição que ninguém sabe quem vai pagar. Provavelmente o Acre pode chegar a 15 milhões de reais. A União deve gastar entre 10 e 12 milhões de reais. Esse é o valor que foi gasto de 2010 até agora 2015”, expôs o secretário Nilson Mourão.
Atualmente, três grupos têm representatividade entre os imigrantes que chegam ao Acre: são os haitianos, senegaleses e dominicanos. Destes, 95% são haitianos. “As demais nacionalidades que chegam são colombianos, cubanos, entre outros. Mas são números muito pequenos. Não caracteriza rota fixa”, acrescentou Nilson Mourão.
Por fim, Nilson Mourão falou da expectativa de interromper essa ‘rota fixa’ de entrada no país. “É uma rota comandada e direcionada pelos coiotes. Cálculos já realizados indicam que os coiotes lucraram mais de 60 milhões de dólares agenciando imigrantes. Só para o Acre, eles conseguiram encaminhar mais de 40 mil. É desejo nosso e do Governo Federal desativar essa rota. Duas ações estão em andamento, para chegar em alguns acordos. Umas dela é dentro do Haiti, fazer com que a Embaixada brasileira seja mais ativa e com capacidade de trabalho muito maior, para expedir vistos, e que eles possam ingressar legalmente. Se eles ingressarem legalmente, eles gastam poucas horas pra chegar no Brasil e gastam menos da metade do que pagam pela rota ilegal. Além disso, os imigrantes vêm em segurança”, finalizou.
Pela ‘rota ilegal’ os imigrantes gastam cerca de 5 mil dólares para chegar até o país. Além disso, a viagem dura cerca de 15 dias e é muito perigosa.
Situação do abrigo
Conforme informações do secretário, hoje existem aproximadamente 400 imigrantes no abrigo. A média de chegada diária é de 30 estrangeiros.
O convênio entre o Governo do Acre e a empresa que fazia o transporte dos imigrantes para outros estados terminou na última sexta-feira, 31. “O nosso convênio de 1 milhão previa 22 viagens. A última ocorreu na sexta-feira. Estamos em negociação para firmar um novo convênio. Quando o novo convênio for firmado, nós retornamos com o transporte”, explicou o secretário.
Nilson Mourão destaca que 10% dos imigrantes não utilizam o transporte que o governo oferece. “Isso ocorre desde 2010. Sempre tem um grupo que vai embora por conta própria. Alguns têm dinheiro e familiares estão chamando para trabalhar. Essas pessoas já tem emprego definido em outros estados, não ficam nem nos abrigos”, declarou.
Ação Civil Pública
O Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou com uma Ação Civil Pública na 2ª Vara do Trabalho de Rio Branco, no dia 25 de maio. A ação exige que o Governo Federal assuma a gestão dos imigrantes que entram no Brasil, através do Acre. Além disso, o órgão pede uma indenização de R$ 50 milhões por danos coletivos.
As investigações do MPT/AC duram desde 2012. São muitos os motivos que levaram o órgão a pressionar uma medida do Governo Federal. Entre eles estão a falta de políticas públicas adequadas para o acolhimento, abrigos insalubres e contratações trabalhistas irregulares. Além disso, a falta de assistência e mobilidade a outros estados para trabalhadores imigrantes haitianos e africanos, e a ausência de combate eficaz à ação de coiotes.
“Em abril deste ano, o governador do Estado do Acre e seus secretários de Justiça e Desenvolvimento Social, em reunião com os Ministérios Públicos do Trabalho, Federal e Estadual, informaram que entregariam a gestão do abrigo e das políticas públicas ao Governo Federal, por não ter mais condições financeiras de suportar o custo da ajuda humanitária prestada a haitianos, senegaleses e trabalhadores estrangeiros de outras treze nacionalidades”, relatou.
Apesar disso, Marcos Cutrim é categórico ao afirmar a bravura do Estado do Acre ao tratar da questão dos imigrantes. “O Estado do Acre tem o reconhecimento do MPT por ter tentado promover políticas públicas de acolhimento, assistência e mobilidade dos trabalhadores haitianos e africanos para outros estados, ainda que de modo precário e sem o apoio efetivo do Governo Federal. O Estado do Acre, mesmo com o problema anual das enchentes de seus rios e da necessidade de acolher dezenas de milhares desabrigados, vem fazendo muito mais que o seu papel”.
Ainda sobre as reclamações dos governadores de estados como São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul a respeito do aviso da chegada dos imigrantes, ele afirma que se trata de discussões inócuas.
“Política imigratória incumbe ao Governo Federal. Isto está previsto na Constituição da República de 1988. O Brasil é signatário de várias convenções internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que têm força de lei no país, por meio das quais se obriga a promover direitos humanos e trabalho decente aos trabalhadores imigrantes e sua família”, afirma.
Governo Federal quer amenizar situação dos imigrantes no Acre
Marcos Cutrim participou de uma reunião em Brasília na última quinta-feira, 28, a pedido do secretário Nacional do Ministério da Justiça, Beto Gonçalves, e do advogado-geral da União. O encontro teve o objetivo de discutir melhores formas de conduzir a questão.
O Ministério Público do Trabalho e os órgãos da União concordaram com as medidas a serem adotadas. “O Governo Federal está disposto a apresentar um pacote de medidas para amenizar a situação vivenciada no Estado do Acre, combater o tráfico de pessoas por meio de cooperação jurídica internacional com os países da rota terrestre e fortalecer o uso da rota legal (aérea e com visto). Ficou acertada uma visita dos órgãos do Governo Federal no dia 9 de junho a Rio Branco, no Acre, quando iremos ao abrigo e conversaremos no intuito de retomar a negociação, agora judicializada. A reunião em Brasília foi de alto nível e um alento para a solução da crise migratória de trabalhadores haitianos e africanos, se realmente forem adotadas as medidas prometidas pelo Governo Federal”, pontuou.