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Brincadeiras ‘satânicas’ levam estudantes de Rio Branco à depressão, automutilação e até à beira do suicídio

Vídeo ‘satânico’ nas redes sociais causa pânico entre alunos

Estudantes conheceram o ‘Desafio Charlie, Charlie’ por meio de um vídeo que circula nas redes sociais, mas, na verdade, tudo não passou de marketing para um filme. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)
Estudantes conheceram o ‘Desafio Charlie, Charlie’ por meio de um vídeo que circula nas redes sociais, mas, na verdade, tudo não passou de marketing para um filme. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)

BRUNA LOPES

Vídeos que registram a brincadeira mais comentada dos últimos dias correram o mundo, através das redes sociais. Começa com a imagem de dois lápis e uma folha de papel com os dizeres sim e não. A brincadeira é iniciada quando um dos integrantes fala “Charlie, Charlie, você está aqui?”, caso o sinal seja positivo, os participantes pedem conselhos a ele.

Na maioria dos vídeos, o lápis ou a caneta se movimenta sem explicação aparente e em seguida os jovens entram em pânico. Charlie se trataria de um espírito maligno, um demônio mexicano, que possui os jovens que o invocam através da brincadeira. Nos últimos dias, são inúmeros os relatos de possessão pela tal entidade.

Vale ressaltar que há regras antes de brincar com a tal entidade. A brincadeira só termina quando o espírito aceita o fim dos questionamentos.

Em alguns casos, o medo dos jovens causou problemas nas escolas em Rio Branco. Já para outros estudantes, em apenas ver o vídeo o pavor toma conta dos olhos.

“Um garoto da sala estava mostrando o vídeo. Todos ficaram apavorados, mas não brinquei. Fiquei com muito medo”, confessou a estudante Melissa Oliveira.

A estudante Graziele Laterssa afirma que acredita na ideia da invocação e se assustou ao ver que a brincadeira estava sendo feita dentro da sala de aula. Ao mostrar o vídeo, apesar de saber que a caneta vai mexer, a estudante grita ao ver o movimento do objeto.

Já Késia de Souza, confirma que já tinha visto a brincadeira fora dos muros da escola. “Já tinha visto, mas não dei importância. Aqui na escola foi diferente. Fiquei com medo”, falou.

O coordenador administrativo da escola Carlos Casavecchia, Edson Albuquerque, explica que ao identificar o alvoroço causado pelo vídeo. A direção tomou as rédeas da situação e proibiu a brincadeira nas dependências da escola. A mesma medida foi tomada pela direção da escola Elozira Santos Thomé, onde o vídeo também causou pânico entre os alunos.

Jogada de marketing
No início da tarde desta sexta-feira, 29, antes que tragédias fossem registradas, o mistério envolto da brincadeira foi elucidado. Trata-se de uma jogada de marketing para promoção do lançamento do filme A Forca.

O desafio, que nada mais é que a brincadeira do copo (ou da caneta, ou da tábua de Ouija), é parte de uma ação do filme. Nele, curiosamente, existe um espírito de um menino chamado Charlie, que morreu enforcado em um acidente durante uma peça de teatro estudantil, e depois assombra os estudantes de uma escola.

Nas redes sociais, a hashtag #charliecharliechallenge teve mais de 1,5 mil publicações em apenas em um dia.

No Acre não existem parapsicólogos

Psicólogos preferiram não falar sobre o assunto que assustou milhares de jovens acreanos. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)
Psicólogos preferiram não falar sobre o assunto que assustou milhares de jovens acreanos. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)

BRUNA MELLO

O jornal A GAZETA procurou psicólogos, mas ninguém quis falar sobre o tema por ser um ‘assunto delicado’. Segundo esses profissionais, no Acre não existe parapsicólogo.

A parapsicologia é uma pseudociência que é destinada a investigação de supostos fenômenos paranormais e psíquicos. No sentido etimológico, a Parapsicologia tem o sentido de ‘estudo do que está à margem do psiquismo’.

Essa ciência busca demonstrar que os universos objetivo e subjetivo não estão distantes um do outro, como vários cientistas e materialistas dizem.

Alguns fatos que supostamente seriam extraordinários estudados pelos parapsicólogos perdem-se na origem dos tempos. Persas, babilônios, etruscos e outros já praticavam o ‘poder’ de adivinhação e se comunicavam com espíritos.

Alunos de escolas de Rio Branco levam brincadeiras a sério e falam até em suicídio

Estudantes aproveitam o intervalo para brincar de “Charlie, Charlie Challeng” na escola. (Foto: Brenna Amâncio/ A GAZETA)
Estudantes aproveitam o intervalo para brincar de “Charlie, Charlie Challeng” na escola. (Foto: Brenna Amâncio/ A GAZETA)

BRENNA AMÂNCIO

Crenças, medo e curiosidade. Tudo isso está envolvido no dia a dia das escolas. Como? Uma nova lenda urbana entre a meninada chamada ‘Charlie, Charlie Challenge’ – que tem como intenção invocar um tipo de demônio mexicano – virou febre nos últimos dias deixando a ‘Maria Sangrenta’ para trás.

A ideia é basicamente colocar um lápis sobre o outro em forma de cruz em cima de um papel com as palavras ‘sim’ e ‘não’. A pessoa que aceita o desafio faz perguntas ao ‘Charlie’ e ele responde de forma objetiva.

A brincadeira parece simples, mas tem tirado o sono de muitos jovens que entraram na ‘onda’ de invocar o ‘Charlie’.

Alguns gestores de escolas de Rio Branco fazem queixas sobre o tumulto que o desafio está causando no cotidiano escolar. Há situações em que os alunos não conseguem dormir ou que estão em pânico após participar da brincadeira.

É o caso da estudante Lohana Régio, 15. Na última quinta-feira, 28, após assistir a um vídeo sobre como se faz o ‘Charlie, Charlie Challenge’, ela resolveu brincar pela primeira vez. Disse que não acreditava, mas foi impulsionada pela curiosidade. “Achei que fosse mentira. Mas, quando começamos a fazer perguntas, o lápis se moveu sozinho, mesmo sem vento, porque as janelas estavam fechadas. Quando perguntamos se Charlie estava entre nós, ele disse que sim. Depois de um tempo, perguntamos se um colega nosso podia sair da roda, porque ele precisava ir, mas Charlie não deixou. Ele disse não três vezes”.

Lohana acredita que se ela ou qualquer outra pessoa sair da brincadeira sem a autorização do ‘Charlie’ algo muito ruim poderá acontecer com ela ou com alguém próximo. Isso a deixou assustada.

“Foi horrível. Tínhamos que voltar do recreio, mas não conseguíamos permissão para sair. Passamos pelo menos 1h30 tentando nos libertar disso. Somente depois desse tempo conseguimos”.

Após a brincadeira, a jovem afirma ter sentido dores de cabeça e não ter conseguido dormir à noite. “Como tinham outros meninos na roda, alguém pode ter assoprado para forçar a resposta. Então, não sei se eu realmente saí do desafio”, disse aflita.

Outra estudante que teve mal-estar após ter participado da roda de invocação foi Maria Elaine dos Santos, 14 anos. Ela afirma ter sentido tonturas desde então. “Ainda não dormi direito”, revela.

Estudantes se mutilam para praticar o ‘Sued’

Segundo relatos da diretoria do local, após brincarem de se mutilar, alguns alunos falam até em suicídio. (Foto: Brenna Amâncio/ A GAZETA)
Segundo relatos da diretoria do local, após brincarem de se mutilar, alguns alunos falam até em suicídio. (Foto: Brenna Amâncio/ A GAZETA)

Antes do ‘Charlie, Charlie Challenge’, outras brincadeiras semelhantes fizeram sucesso entre alunos. A curiosidade e a crença religiosa sempre estiveram fortes nas rodas estudantis.

O estudante Jheimisson David Miranda, 15 anos, disse que além do ‘Charlie’ já participou de algo chamado ‘alfabeto virado’. “Tínhamos que recortar várias letras do alfabeto e virar para baixo. No jogo em que participei sempre se formava a mesma palavra: Satangoso. Não sei o que significa, mas, do nada, uma menina começou a agir estranho. De repente, ela ficou com olho cor de sangue e nos olhava feio. Eu saí correndo”.

Algumas brincadeiras são mais inocentes como, por exemplo, a moda de usar pulseiras coloridas. Apesar de muitos dizerem que a ideia é colecionar, há quem acredite em outro significado.

No entanto, o que mais está preocupando os gestores escolares é uma em particular chamada ‘Sued’. A ideia consiste em cortar o pulso superficialmente e deixar o sangue escorrer em um papel. Caso o líquido desapareça, significa, de acordo com os alunos, que a alma daquela pessoa está condenada ao inferno.

Outro estudante que não quis se identificar disse que isso é muito comum entre os jovens de sua idade. “Um colega meu me disse como funcionava e quis me influenciar a participar disso, mas eu meu afastei dele antes”.

Diretora pede atuação de psicólogo na escola

Diretora quer proibir brincadeira devido ao comportamento  dos alunos. (Foto: Brenna Amâncio/ A GAZETA)
Diretora quer proibir brincadeira devido ao comportamento dos alunos. (Foto: Brenna Amâncio/ A GAZETA)

Vários casos de alunos que se automutilam foram registrados na Escola Estadual Leôncio de Carvalho, em Rio Branco. De acordo com a diretora Rossilene Anastácio, a situação é problemática. “Em 2013, a escola foi infectada por esse tipo de brincadeira. Através disso, muitos passam mal no horário de aula, param de comer, vomitam dizendo que estão ouvindo vozes. O sistema nervoso deles fica abalado, é claro, e muitos acabam passando mal”.

Há poucos dias, uma menina teve mal-estar na Escola Leôncio de Carvalho. Após ela ser levada para a coordenação visivelmente transtornada, Rossilene afirma ter chamado uma psicóloga. Para a profissional, a jovem alegou ouvir vozes de uma amiga que havia morrido há pouco tempo. “Ela começou a cortar os pulsos e nós sabemos que não foi pelo que ela relatou, mas sim devido à brincadeira”.

Em trabalho constante para mudar a realidade da escola, a diretora mantém conversa regulares com os alunos. “Eles se automutilam alegando estarem muito tristes e dizendo que querem cometer o suicídio. Tem aluno, inclusive, que toma remédio para morrer. No ano passado, um tomou vários comprimidos e passou mal na escola. Tivemos que chamar o Samu. Ele já estava com os pulsos cortados. Para salvá-lo foi preciso fazer uma lavagem estomacal”, relatou.

Rossilene conta que a lenda urbana ‘Charlie, Charlie Challenge’ se tornou moda na Leôncio de Carvalho na quinta-feira, 28. “Alguns alunos que estavam sem aula começaram a fazer o desafio. No entanto, outros jovens começaram se tumultuar nas janelas e na porta para ver. Isso é ruim para a escola, porque nós temos visto muitas adolescentes com depressão, nervosos, tendo visões, ouvindo vozes. Isso é decorrente dessas brincadeiras que eles assistem nas redes sociais. Na verdade, eles nem sabem o sentido disso, mas acabam pegando”.

Além da Leôncio de Carvalho, também estão tendo problemas com essas brincadeiras as escolas Mário de Oliveira, Zuleide Pereira e Colégio Acreano, segundo Rossilene Anastácio. “Eu fico extremamente preocupada, porque adolescente acredita em muita coisa. Tenho medo que algum deles cometa suicídio. Por isso, eu logo chamo a família e pergunto se algo está acontecendo em casa. Tento mantê-los informados sobre a situação dos filhos”.

A fim de combater práticas como a da brincadeira ‘Sued’ e ‘Charlie’, que causam desconforto no meio escolar, a diretora afirma já ter tomado uma medida. “Vamos fazer uma reunião com os pais e pedir-lhes que tomem cuidado com os filhos, que não os deixem fazer esse tipo de coisa. Têm muitos deles com problemas psicológicos. Essa ação não é pela brincadeira, mas pelo o que ela causa. Nós fazemos o que podemos diante das nossas condições. Tenho o contato de uma psicóloga e de uma psicopedagoga, que nos ajudam nesses casos, mas o ideal seria que a Secretaria de Educação enviasse profissionais dessa área para as escolas”.

Para a doutrina espírita, demônios não existem, há apenas ‘espíritos inferiores’

Espírita afirma não acreditar em demônios. (Foto: Arquivo persoal)
Espírita afirma não acreditar em demônios. (Foto: Arquivo persoal)


BRUNA MELLO

Após os últimos acontecimentos pelo Brasil, em que alunos estão realizando dentro das escolas brincadeiras de invocação de espíritos, o assunto ganhou repercussão nacional e ‘caiu na boca do povo’. Para a doutrina espírita, estes episódios têm explicação e, de fato, podem acontecer.

Espiritismo, doutrina espírita, Kardecismo ou Espiritismo Kardecista, é uma doutrina que alia filosofia, ciência e religião, e busca compreender o universo científico e o religioso. É um dogma codificada por Allan Kardec, segundo ele ‘o espiritismo é uma doutrina progressista e aberta’.

De acordo com o espírita Rodolfo Nascimento, 29 anos, esses jogos são uma forma de invocar espíritos. “Existe o jogo do copo, o da caneta. Também tem o tabuleiro de ouija, e eles servem para fazer essas invocações. A doutrina espírita não aconselha a fazer esses jogos, porque somente ‘espíritos inferiores’ chegam nesse meio para se manifestar”, disse.

Nascimento falou dos casos de Porto Velho e Manaus, em que os alunos estavam supostamente possuídos. “Provavelmente esses alunos tem ‘facilidade’ de receber esses espíritos. Essas manifestações nós chamamos de obsessão ou possessão. Para o espiritismo não existe demônios, Lúcifer, por exemplo. Existem pessoas desencarnadas, que têm sentimentos ruins, vícios, entre outros. Rituais desse tipo atraem esses espíritos inferiores”, contou.

Seguindo a doutrina espírita há 4 anos, Rodolfo Nascimento diz que estuda muito sobre o assunto e que já presenciou ‘brincadeiras de invocação’. “Estávamos em uma chácara, e o pessoal que estava lá começou a falar do assunto e fizeram a brincadeira. Uma pessoa recebeu uma mensagem, do ‘filho que ela abortou’. A voz falava que perdoava ela sim por ter tirado sua vida. A moça começou a chorar muito e depois contou que ela tinha abortado”, finalizou.

“A possessão é um fato! E não deve ser motivo de brincadeira”, alerta o pastor Luiz Gonzaga

Pastor Luiz Gonzaga afirma que esse tipo de invocação pode causar transtornos aos adolescentes em formação. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)
Pastor Luiz Gonzaga afirma que esse tipo de invocação pode causar transtornos aos adolescentes em formação. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)


BRUNA LOPES

Sobre a possível possessão dos participantes da brincadeira que virou febre no Brasil e nas escolas em Rio Branco nos últimos dias, o líder da igreja Assembleia de Deus, o pastor Luiz Gonzaga, destaca que ninguém pode ter o direito de brincar tolhido. Mas também, não se deve brincar com posicionamento, sentimento ou religião alheia.

Quando uma pessoa brinca com o que não conhece é quase como uma criança que brinca com fogo. Os perigos não inúmeros, exemplificou o pastor.

“Brincadeiras assim, podem atrair essas manifestações. Os espíritos bons e ruins estão por toda parte. Se estamos adorando e invocando Deus, os espíritos bons estarão conosco. Mas se invocamos espíritos ruins, estaremos atraindo esse tipo de manifestação”, explicou Luiz Gonzaga.

“A possessão é um fato e, além disso, esse tipo de invocação pode causar transtornos que podem marcar o resto da vida das pessoas. Por isso, a brincadeira é perigosa por ser feita com crianças e jovens que ainda não tem a formação espiritual definida”, avalia o líder da Assembleia de Deus.

Luiz Gonzaga destaca que o respeito é fundamental. “Mesmo que não concorde, mesmo que não conheça, respeite! O respeito pelo próximo, independente da crença e de fé, facilita a convivência social”.

As crianças têm que aproveitar o tempo de brincar, orienta o pastor. “Existem tantas brincadeiras saudáveis que estão se perdendo hoje. Brincadeiras em que todos podem participar sem prejuízo da fé e da cultura. Isso vai construir uma sociedade mais consciente, justa e respeitosa”, confirmou.

A Igreja Católica também adverte para os perigos do ritual.

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