O que acontece quando não há defensores públicos suficientes para defender os direitos dos cidadãos que não têm condições financeiras de pagar as despesas com advogado e com um processo na Justiça?
No Código de Processo Penal consta no artigo 261: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”.
Evasão de defensores
O Mapa da Produtividade da Defensoria Estadual registra a queda no número de atendimentos, fato que possui relação direta com a evasão de defensores do Estado. O efetivo necessário é calculado de acordo com a demanda e quantidade de habitantes. Porém, atualmente cinco municípios não possuem defensor, que são: Tarauacá, Capixaba, Mâncio Lima, Assis Brasil e Manoel Urbano.
O corregedor-geral Gilberto Ferreira relembra que foi realizado concurso em 2012, foram preenchidas 12 vagas. Os outros 53 defensores aprovados e classificados para o cadastro de reserva já foram convocados. Mas, não se apresentaram para ocupar nenhuma das vagas oferecidas.
O único acreano aprovado no referido edital, também foi chamado, mas preferiu Rondônia, onde também teve êxito. “O certame do Acre é nivelado com os que ocorrem em outros estados. Então, uma pessoa que passa aqui, também passa em outras unidades da federação. No entanto, preferem outros locais, porque nosso quadro ilustra o terceiro pior salário do Brasil”, diz Gilberto.
O salário inicial no Acre é de R$ 13.600. Em outros locais, o inicial está entre R$ 21 e 22 mil. “Todavia o governo tem sinalizado positivamente para a possibilidade de aumento do orçamento e inclusão de um percentual maior na Lei de Diretrizes Orçamentárias e depois na Lei Orçamentária Anual, o que vai permitir que haja novo concurso oferecendo condições melhores”, reforça o corregedor-geral.
E quando não tem?
No atendimento da Defensoria em Rio Branco, no bairro Bosque, tem um alto fluxo com grande diversidade de problemas. Cerca de 200 atendimentos diários são calculados para as diferentes áreas de atuação. As demandas vão desde ouvidoria até os retornos para apresentar dados e informações aos defensores antes das audiências.
Em Tarauacá, por exemplo, não tem defensor. Então, a instalação da defensoria no município fica aberta, com os dois funcionários existentes a fim de prestação de informações. Trabalho que mal cumpre a missão prevista para a instituição.
Então, quando há audiências e não tem representação, os juízes nomeiam os advogados disponíveis às suas portas: A população é defendida pela categoria de “advogados dativos”. O que representa um alto custo, devido ao aproveitamento da situação precária, os honorários sem vínculos cobram preços exorbitantes em um atendimento desqualificado. Uma vez que o dativo não conhece o caso e não se prepara para argumentar a favor do cidadão, explica o corregedor-geral.
Praça Rosa
Na praça rosa da Oca, a Defensoria tem o foco apenas para pensões alimentícias. O atendimento é formado por um defensor, estagiários e funcionários. Por coincidência, no dia da reportagem a Dra. Clara Rúbia Pinheiro, responsável pelo local, estava ausente. A estagiária afirmou que participava de uma reunião com o defensor-geral.
Com senha em mãos e uma simplicidade jovial, Luziane Souza conta que é a segunda vez que se desloca em busca de atendimento: “Primeiro vim pedir informações, porque o acordo ainda estava funcionando. Mas agora já são sete meses sem receber pensão, então saí do fórum e vim aqui”. Sua filha possui apenas um ano e seis meses.
Situação semelhante vivida pela Maria do Socorro Lopes, que aparentava revolta ao contar que a pensão mensal de R$ 300 para cada filho está em atraso há cinco meses. “Mas pra sustentar farra e amigos ele tem dinheiro! E pros filhos fica colocando empecilho”, protesta.
Novidade
Um dos papéis em destaque é a legitimidade da Defensoria Pública em propor ações civis públicas, ou seja, defender interesses coletivos. O reconhecimento foi adquirido este ano em votação unânime no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). O aumento da atribuição amplia também o acesso à Justiça.
Uma ação que ganhou grande repercussão no Acre foi contra o bloqueio da internet ao fim da franquia, que conta com o apoio do Procon. No entanto, foi revogada. Outra ação civil pública mais recente e em andamento é a que visa impor a disponibilidade de eletroneuromiografia na rede pública.
A avaliação serve para diagnosticar doenças em nervos periféricos, neurônios motores, músculos e junções neuromusculares. Esta demanda já foi apresentada algumas vezes no Estado, por isso foi ajuizada no último mês de outubro, esclarece a defensora Aline Cunha.
Acesso à Saúde
Um grande número de ações é movido para o acesso à Saúde. “Quando são necessários medicamentos e exames de alto custo ou de acesso difícil ou quando o SUS não fornece” são as principais causas para intervenções relatadas pela defensora Aline.
“Geralmente oficiamos relatando o problema e apontando a necessidade de melhoria da qualidade da rede pública. O Estado, sempre que possível, tem se esforçado para atender. Mas, caso não haja o fornecimento é aberta a ação civil e o pedido segue os trâmites regulares”, explica a defensora Juliana Caobianco.
São pedidos recorrentes: cadeiras de rodas especiais para crianças e próteses em geral.
A mulher que perdeu o olho
“Eu capinava muito e sentia coceira nos olhos. Eles ficavam vermelhos. Aí resolvi ir aos médicos”, começa Ignês Santiago de Oliveira. O incômodo a fez buscar atendimento no Hospital das Clínicas.
Chegou de madrugada para pegar a ficha e compartilha: “Aquilo ali é triste demais, ninguém fica dentro do hospital, fica lá fora. Até que peguei a ficha e a moça me disse: A senhora vem amanhã, que é catarata”. O diagnóstico da atendente a levou direto para a mesa de cirurgia.
“Nem fizeram consulta não, me vestiram num roupão e falaram para tirar a roupa e eu não entendia o porquê. Tinha que ficar em jejum, passei o dia todinho com fome, quando foi 15h que apareceu alguém”, continua a explicação.
Ignês tem 74 anos de idade. Não sabe ler e escrever. Já usava óculos, por não ter a boa visão, mas apesar do analfabetismo tinha dons para a pintura e costura. Gostava de bordar guardanapos e os oferecia em instituições públicas. Também tinha um pequeno negócio em casa, fazendo reparos e costuras em roupas. Profissão que teve de ser abandonada, juntamente com sua companheira – a máquina de costura – que está sem uso em seu quarto.
“Eu mesma senti que a cirurgia não devia ser assim. Vi que saiu aquela baba e não era certo! Eu estava toda amarrada na cama, ai com minha mão que estava perto, peguei a barriga do médico responsável e apertei com toda a força que tinha naquele momento”, conta sobre o andamento do procedimento médico.
Teve alta para ir embora no mesmo dia. “Encheram tudo de gaze e me mandaram embora”. Ignês perdeu o olho. “Passaram uma receita com três comprimidos. Estava toda inchada e com o rosto preto, parecia que estava com outra doença”, descreve sua incompreensão pós-cirurgia.
“Fiquei sofrendo, fiquei sofrendo. Tinha muita dor. E a dor de um olho atingia o outro. Até hoje, choro todo dia”, descreve. E para amenizar a dor usou vários outros medicamentos alternativos: “Corri em posto e não achava oculista. E foi mais de mês pra meu rosto desinchar. Fiz banho de cozimento de alfavaca, lavava, usei soro, água de Santa Luzia e vivia com uma toalha na cara”.
Com um filho e um neto, reside na travessa São Peregrino do bairro Belo Vista. É mãe de nove filhos, mas segundo ela, tem apenas outra filha que mora na Capital. “Mora longe, no Taquari. Quase nunca a vejo”. Viúva há quatro anos, lamenta a ausência do companheiro, em suas palavras, afirma que seria tudo diferente.
Há ainda um episódio sobre o incômodo que sentia no olho: Doía ao fechar os olhos, o que também não a deixava dormir. E quando conseguiu atendimento descobriu que era o ponto que ainda estava lá no nervo ocular. Nunca mais se encontrou com o cirurgião que havia beliscado, apesar de ter tentado contato até em sua clínica particular, mas foi impedida.
A cirurgia ocorreu em 2014. Não trouxe nenhum papel do HC. Foi à Defensoria Pública e abriu ação pedindo uma prótese de silicone – mais confortável – e uma indenização de R$ 350 mil. “Quero a indenização, aconteça o que acontecer! Porque perdi metade da minha vida. E nada na vida é de graça, quero poder pagar alguém pra fazer comida pra mim, pra me ajudar, fazer as coisas e poder pagar por o serviço”, justifica.
Outros atendimentos foram realizados para por meio do programa de Tratamento Fora de Domicílio (TFD), que não concluiu com deslocamento, porque Ignês não conseguiu encontrar a pessoa que conversara para poder viajar.
A ação na Justiça ainda está em andamento e enfatiza: “Tô esperando! O juiz tem que me ajudar. Eu preciso!” Quando questiono se sente raiva ou tem vontade de dizer algo ao médico, repete que só quer a indenização, porque é o justo.
Meses depois, a adaptação pouco evoluiu e seguem novos traumas: “Me disseram que se eu tivesse uma prótese ia melhorar. Comprei uma que custou R$ 800, com meu dinheiro. Não uso, porque é ruim, incomoda. No governo, foram colocar uma em mim e era grande demais. Rasgou tudo e passei mais muitos outros dias sofrendo”, narra.
Ignês explica que pouco pode e consegue fazer. “Nada mesmo, até dentro de casa quando vou de um lugar a outro de vez em quando caio”. E sobre sua desorientação decorrente salienta: “Perdi a metade da minha inteligência quando perdi meu olho. E o que ficou não é bom, não sei nem dizer se você é loira ou morena”.
Ela conta que não ver o mundo, reduziu suas conversas. Assim como a revolta pós-cirurgia a levou a ter acessos de ira, que por um tempo a fez jogar e quebrar as coisas de casa, desconsolada.
“Tudo na vista da gente é sofrido, se tem uma poeirinha precisa de outro pra tirar, imagina o que vivo”, compara. “Tudo dependo de alguém pra ajudar” e com carinho fala da ajuda do seu neto adolescente. O tímido Daniel tem 15 anos de idade.