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ARTIGO: Seringais do presente e do “futuro”

Episódio de Resistência Número Um
Habitar a floresta, por entre seus matizes verdes e marrons, traz boas lembranças para Delmiro da Silva. Como tantos outros amazônidas, esse senhor de 90 anos passou décadas trabalhando nas estradas de seringa, aprendendo, crescendo e extraindo o látex de até 400 árvores diariamente, atividade que garantiu o sustento de sua família.

Embora sua empreitada tenha sido solitária entre os assobios da floresta, o fato não o impediu de participar, como Soldado da Borracha, da história do Acre e também do mundo. Já seu irmão, enterrado nas cercanias de sua propriedade, preferiu lutar na Itália durante a Segunda Guerra.

Todas essas lembranças do bravo Delmiro, desde os primeiros cortes, quando criança, até as incontáveis onças encontradas pelo caminho, encontram-se projetadas no bosque de seringueiras plantadas por ele em sua colocação, conquistada “com muita luta”.

Os mil hectares de Delmiro estão localizados na BR-364, Km 113 (sentido Acre-Rondônia) e agora são como um pequeno e antigo seringal fincado na memória acreana. Ali, sentado ao pé de uma mangueira frondosa, o velho extrativista contempla o moderno vaivém da estrada que passa em frente, mas sua alma se alimenta do que está em volta: a mata, fruteiras diversas, a casa de farinha e a família, que se reúne à sombra para ouvir suas histórias.

Afinal, vida do ancião se entrelaça com os diversos ciclos da borracha, as guerras mundo afora e a guerra com aqueles que queriam tirar suas terras. Ah! Não conseguiram! Delmiro conquistou com valentia o direito de permanecer na terra e viver em paz, no jeito acreano de ser.

Episódio de Resistência Número Dois
Um pouco mais novo e sem conhecer o homem que planta seringueiras para avivar a lembrança, Benedito de Araújo, que há quase 30 anos vive do látex e da castanha, habita a estrada por onde Chico Mendes e Wilson Pinheiro passavam.

Mas sua rotina não é mais pegar a “poronga”, sair na madrugada e percorrer caminhos de seringa em longas e perigosas caminhadas para riscar árvores distantes. Por volta de 1979, seu pai participou de um programa de plantio de seringueiras e, desde então, cerca de dez hectares da árvore ajudam no sustento da família. Mantém até os filhos na universidade, estudando medicina e odontologia “lá longe, na cidade”.

A “poronga” – um coroa de flandres que prende uma lamparina na cabeça, deixando as mãos do seringueiro livres – virou peça de decoração: “Rapaz, ‘de primeiro’ eu tava cortando e vendendo o quilo de borracha por dois reais e pouco. Hoje a gente vende a oito reais. E vendemos o leite [látex] sem precisar defumar. Tá bom demais!”, diz o seringueiro, confiante e esperançoso no futuro da produção.

É imensurável a relação do Acre com a cultura da borracha, desde o começo (fim do Século 19 e início do Século 20), quando figurou como um dos maiores produtores do país, até hoje, com experiências bem sucedidas de cultivo e preparando-se para voltar a grandes safras.

O programa estadual Florestas Plantadas já tem 2.800 hectares de novas seringueiras semeadas em áreas degradadas, desde 2011. Árvores que serão produtivas daqui a sete anos. E a iniciativa continua, sendo possível prever mais produção, que já contam com lugar certo para beneficiamento. Atualmente, entre 500 a 700 famílias fornecem o látex a oito reais o quilo para a Natex, indústria de preservativos de Xapuri. Em Sena Madureira há outra indústria se aprontando para receber mais borracha, para processar o Granulado Escuro Brasileiro (GEB) – matéria prima pneus e outros produtos.

Há 44 anos morando na Colônia Estrela do Norte, na Estrada Velha em Epitaciolândia, Benedito sempre se lembra do pai quando percorre a pequena floresta: “Ter uma plantação dessa representa muita coisa. O que a gente vai deixar para as novas gerações da família? Meu pai dizia: não vamos derrubar nada não, isso tudo é para nossos filhos e netos”.

Delmiro e Benedito são exemplos de acreanos que ajudam a manter a floresta em pé. Eles cultivam a memória de nossa cultura e trabalham, firmes, para viver com qualidade, em harmonia com a natureza.

Mercado da borracha no Brasil.
No Brasil, dados da Associação Brasileira de Produtores e Beneficiadores de Borracha Natural (Abrabor), de 2013, mostram que a produção de látex seguiu uma tendência de crescimento entre 2006 e 2012. Porém a demanda mundial oscila: em 2012 havia uma grande procura pelo produto, mas em 2014 o mercado global da borracha registrou queda de 42% no preço da borracha natural.

Atualmente, a produção brasileira é de 140 mil toneladas, mas o país consome 400 mil toneladas, demanda complementada pela importação de países como Tailândia, Indonésia, Malásia e Vietnã. Os principais centros produtores são: São Paulo (55,3% da produção brasileira), Bahia (15,9%), Mato Grosso (8,9%), Minas Gerais (6,3%), Goiás (4,7%), Espírito Santo (3,8%) e o restante dividido entre Pará, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Paraná, Amazonas e Acre.

Nesse cenário, o Acre, que tem uma produção de 600 toneladas, caminha com planejamento, atendendo os produtores das florestas por meio de parcerias com organizações internacionais, mantendo a economia verde. Além do Florestas Plantadas, também existe o projeto Protegendo Florestas. Parceria do WWF Brasil, do Governo do Acre, da rede de televisão britânica Sky e do WWF Reino Unido.

No início do projeto em 2009, os seringueiros recebiam R$ 5 por quilo de borracha FDL (Folha Defumada Líquida) da borracha – um tipo mais sofisticado do produto, com maior valor agregado e que gera mais rendimentos aos seringueiros. Hoje, o preço já ultrapassa R$ 10,50, uma valorização de 210% em poucos anos.

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