Em nosso artigo anterior (2 jun15), falamos sobre ameaças, vulnerabilidade e riscos de desastres, onde ao seu final, descrevemos algumas atitudes que uma comunidade ou cidade deve adotar em seu dia-a-dia a fim de se reduzir os riscos de ocorrência desses eventos, por vezes altamente destruidores.
A Organização das Nações Unidas (ONU), por intermédio da Estratégia Internacional para Redução de Desastres (EIRD) e do Marco de Ação de Hiogo (MAH), cujas metas encerram-se este ano, define o conjunto de ações a serem desenvolvidas em busca da redução de riscos de desastres, bem como a busca incessante da resiliência.
Nassim Nicholas Taleb, autor libanês que escreve sobre impactos da sorte sobre nossas decisões, definiu um tipo de evento, um “Cisne negro”. Segundo o autor, cisnes negros são eventos altamente improváveis de acontecer, mas que, quando ocorrem, trazem consigo efeitos negativos severos.
Assim como um terremoto, tsunami, enchente, tempestade solar, inundação e as coisas improváveis de acontecer permeiam sempre as nossas vidas e, de alguma forma, positiva ou negativa, que nos impactam. Nem tudo a que estamos expostos conseguimos visualizar de maneira tal que possamos realizar interferências que minimizem seus efeitos indesejáveis ou que potencializem os resultados que esperamos.
Em seu livro “Antifragilidade: coisas que se beneficiam com o caos”, Taleb discorre exatamente sobre isso. A incerteza conduz tudo em nossas vidas e, diante disso, devemos escolher o que, diante dessas incertezas, queremos ser após a ocorrência de um evento (um desastre por exemplo). O autor caracteriza três aspectos: frágil, robusto (resiliente) e antifrágil.
Trazendo esses termos para o campo dos desastres, podemos fazer algumas comparações que nos fazem pensar se, a partir da sua ocorrência, queremos ser frágeis, robustos ou antifrágeis.
Então, ser frágil, seria sofrer de maneira exacerbada, ao receber o impacto de um evento extremo. Seria possuir uma vulnerabilidade extrema e estar totalmente exposto a tudo aquilo que de ruim pode acontecer em circunstância de desastre. O dano em consequência do desastre é diretamente proporcional a nossa fragilidade (vulnerabilidade) de suportar seus efeitos.
Se um desastre ocorre, você sofre com seus impactos, mas de alguma forma você consegue se recuperar de maneira tal que o seu dia-a-dia volte a ser como anteriormente, você é um ser robusto, por que não dizer resiliente. Já que o desastre lhe atingiu, castigou você, trouxe-lhe danos não esperados e efeitos negativos. Mas o seu ressurgimento diante disso, o torna robusto e a vida segue.
Mas quando um desastre acontece, é preciso aprender com ele. É preciso conhecê-lo, e bem. E a partir dele, melhorar, avançar, evoluir, ou em outras palavras, ser antifrágil. Para Taleb, ser antifrágil é ser como a “HYDRA” (mitologia grega), um monstro com várias cabeças e para cada uma que cortavam, nasciam duas, ou seja, tornava-se mais forte. Assim é ser antifrágil frente aos impactos dos desastres. É tornar-se cada vez melhor, menos indefeso, pronto para enfrentá-lo e dele sair ileso.
Mas o contexto do desastre, segundo o acaso, é uma loteria. É como lançar os dados na mesa e esperar o que vai acontecer. Se for um “jogar de dados” em Rio Branco, talvez a palavra desastre esteja escrita na maioria dos lados deste dado, pois a loteria dos desastres para Rio Branco, desde 2009, tem se repetido anualmente. Ao lançarmos o dado de eventos extremos, o resultado é, seis anos seguidos, enchente.
O dado de impactos tem tido muitas faces escritas “ frágil”. Rio Branco, nem mesmo recuperada de desastres anteriores, sofre novamente com outra enchente.
Esse ano, a enchente (a maior da história de Rio Branco) atingiu um nível ainda não registrado. Bairros, localidades e pessoas que jamais imaginariam ser atingidas, sofreram fortemente com o evento.
O futuro vem logo e não podemos evitar os eventos extremos, sejam secas ou enchentes. Eles ocorrem mas podemos modificar as chances destes eventos virarem desastres.
No dado dos impactos, temos no momento poucas faces escritas “resiliente” ou “antifrágil”. Uma razão é que a nossa aprendizagem tem sido mais lenta do que os eventos. Só precisa imaginar a combinação de dois eventos históricos – as enchentes de 2014 do Rio Madeira e de 2015 do Rio Acre – para entender os possíveis eventos no futuro e seus impactos se não nos prepararmos.
Temos três possibilidades: (1) nos adaptar aos eventos extremos, reduzindo os impactos; (3) mitigar os eventos, fazendo como eles ficam menor; ou (3) sofrer. Se nao fizermos adaptação e mitigação aos eventos, a terceira opção, sofrimento, é garantido.
Temos agora a tarefa de nos tornar anti-frágil, aprendendo destas experiências para nos prepararmos. Um passo poderia ser uma série de seminários sobre lições aprendidas dos desastres recentes com dois objetivos: informar políticas públicas e engajar mais a sociedade civil no processo de redução de risco de desastres. Afinal a Defesa Civil é uma tarefa de todos e sem este engajamento, as lições aprendidas teriam pouca eficácia em ajudar a sociedade se tornar mais resiliente e anti-frágil.
O dado de impactos vai ser jogado este ano e nos anos que estão por vir. Podemos mudar o risco de estes eventos virarem desastres, mas a mudança não vai ser simples e precisamos começar já.
A referência: Nassim Taleb. “Antifragil – Coisas que se Beneficiam com o Caos”. Editora – Best Business. 2014.
* Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Experimento de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Risco de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre.
**George Luiz Pereira Santos, Tenente Coronel do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Acre e Coordenador de Defesa Civil Municipal de Rio Branco, Acre.