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A juventude que ocupa as praças da Cidade do Povo

O que antes era nada mais do que um grande terreno em desuso de Rio Branco agora é o lar de milhares de famílias carentes da cidade. Pessoas que abandonaram a miséria e a dor de perder o pouco que tinham com sucessivas alagações para começar a viver no bairro talvez mais bem planejado que o Acre já teve em toda a sua história. Esta pode ser considerada grande mudança social da Cidade do Povo. Um programa habitacional que há mais de um ano deixou de ser só mais um projeto no papel e passou a abrigar mais de milhares de acreanos.

Desde a inauguração, há pouco mais de 1 ano, as chaves de mais de 2.200 unidades habitacionais foram entregues. Mais de 1.200 famílias já estão morando na ‘Cidade’. E mais de 1.000 casas ainda serão entregues até o final deste ano. Tantas casas, tantas famílias e certamente devem haver muitas crianças e adolescentes. Mas onde será que eles passam a maior parte do seu tempo livre, quando estão fora da escola? A resposta seria nas Praças da Juventude I e II.

Trata-se de dois locais de convivência e interação social bem planejados. São amplos e visualmente muito bonitos (em uma delas, a praça I, tem até uma miniestrutura de um pelourinho, parecido com o que tem no Centro da cidade). Têm ambientes ideais para a prática de várias atividades físicas. Praças públicas e centros de recreação diferentes de tudo o que se vê em Rio Branco.

Mas será que um lugar como esse é bem cuidado pela comunidade da Cidade do Povo?

Atividades nada. A ‘pelada’ é que reina nas ‘quadras’, ops… ‘praças’

Crianças se divertem na Praça da Juventude I. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)
Crianças se divertem na Praça da Juventude I. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)

As praças da Cidade do Povo são espaços bonitos para as crianças. Elas riem, correm e se divertem pelo playground, gramados e pistas de corrida. Só que elas não são maioria. Os adolescentes e jovens é que mais frequentam o lugar. E, para eles, falar em praça da juventude é sinônimo de apenas uma coisa: ‘pelada’. A rapaziada só quer saber de jogar uma bolinha nas quadras. E as garotas também. Mesmo que sejam quadras poliesportivas, o futebol é soberano lá.

Tentaram promover diversas atividades no centro de convivência da praça I, mas a adesão não é das melhores. Na oficina de teatro de bonecos, a comunidade de lá se inscreveu. Parecia que ia dar certo. Mas na hora das aulas, quase ninguém foi. Desistiram. Na biblioteca, que tem bons livros de escritores acreanos, a criançada entre 8 a 10 anos é que mais aparece. Surpreenderia! Só que não é bem a leitura que atrai os kids, e sim o ar-condicionado. Começaram a fazer, então, aulas de dança de salão, capoeira, taekwondo e jiu-jitsu, curso de manicure, recreação, uma bem pensada oficina de Rap e outra de confecção de sacolas de caixa de leite. Estas são as que ainda estão dando certo no local. Todas gratuitas. Só que jogar bola também é de graça.

E se as atividades nem sempre ficam cheias de dia, apesar de terem seu bom público, as quadras tanto da praça I como da II estão sempre ocupadas no fim da tarde e principalmente à noite.

Isso é bom. Praticar esporte gasta energia e dá mais disciplina aos jovens. O problema é que, quando se trata de uma ‘pelada’, às vezes as coisas fogem do controle. Ânimos se exaltam e aí precisam ser controlados, especialmente quando quem joga são garotos. Fernando Morais, 16 anos, batia uma bolinha junto de dois amigos, Gabriel Morais da Silva e Manoel Oliveira, no final da tarde de segunda-feira, 29 de junho. Eles pararam o jogo para citar o que há de errado na praça I.

Convicto de suas palavras, apesar da pouca idade, Fernando foi acusando logo que o maior problema era a falta de segurança no local. O rapaz lembrou que antes tinha policiais no box da Polícia Militar instalado logo no começo da praça I. No entanto, há meses os policiais não ficam mais lá. Eles foram para a administração da entrada da Cidade do Povo, que fica a alguns bons metros da praça I. “Desde que eles saíram, aqui ficou perigoso. Todo dia tem briga ali na quadra. E eu fico com medo de ficar aqui à noite por causa disso. Não sou de brigar”, afirmou.

Crítico, o jovem dispara mais, que a água de lá é quente; e que há pouca iluminação pública na rua da praça à noite. Ressaltou que é preciso capinar a quadra de areia com mais frequência e reativar a quadra de vôlei. “Justificaram que vôlei é um esporte caro, daí tiraram as redes e a bola. Eu gostava de jogar, mas agora não posso mais. Ninguém mais joga. Aqui também tinha aula de futebol, só que agora não tem mais. Eu morava lá na Seis de Agosto, e eu preferia a quadra de lá porque sempre era bem cuidada. Essa daqui não é muito não”, contou o adolescente, seguido dos colegas, que só riam e concordavam com ele.

Opinião diferente teve outro rapaz, outro Fernando, desta vez Moreira de Carvalho, também de 16 anos. Ele reconheceu a questão da temperatura da água não ser a ideal, mas frisou que a praça I é um ótimo lugar e que não tinha um espaço público tão organizado nos outros bairros em que morou: o Taquari e o Conjunto Rosalinda. Ele conta que se mudou há 3 meses junto de sua mãe, seu padrasto e seu irmão mais velho. No começo, Fernando Carvalho dizia que ia lá só para olhar as partidas, e hoje já joga com a turma. Disse que o horário que mais vai é às 16h e que fica, às vezes, até às 20h da noite. Disse que o local não é tão perigoso porque tem vigia, mas que seria melhor se também tivesse policiais para dar mais segurança.

Na praça II, diferente da I, a questão da segurança não foi mencionada pelos frequentadores e nem por Ricardo, vigia do local. Ao contrário, ele ressaltou que, desde a inauguração, houve alguns desentendimentos leves, mas nunca viu nenhuma briga maior. O vigia conta que há policiamento que ronda o local quase toda noite. Por isso, lá é tranquilo. E não há ocorrências de violência nem quando a praça ficava mais lotada, ou seja, logo que abriu. Nos últimos dias, Ricardo avisa que a população em geral parou de ir mais, e os adolescentes começaram a ‘tomar de conta’. A juventude se apoderando da praça. Para o quê? Acertou quem chutou ‘jogar bola’.

Devolve a bola, rapaz

Uma das reclamações de Raimundo e o amigo Isaías é que não possuem bolas para jogar. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)
Uma das reclamações de Raimundo e o amigo Isaías é que não possuem bolas para jogar. (Foto: Odair Leal/ A GAZETA)

Se o forte da praça é o futebol, a ‘pelada’, então existe um item que é indispensável para ter jogo: a bola. Por unanimidade, o que os jovens de lá mais pedem é que o governo providencie bolas para eles jogarem. O problema é que isso já foi feito. E não deu muito certo.

Raimundo Nonato Souza, 19 anos, e o amigo Isaías da Silva Conceição, 18 anos, estavam na praça II esperando para jogarem (‘fazendo cerca’). Eles comentaram que gostam muito da praça e que apesar de ser quente, é um local muito bom para bater uma bolinha à tarde e à noite. O problema, segundo os dois, é que nunca teve bola para eles jogarem lá. Quem quiser, tem que trazer a sua de casa. Também se queixaram da questão da água. “É natural. Deveria ser gelada”.

E o motivo de não ter bola disponível lá é porque nos primeiros meses da praça I a administração fornecia a ‘redonda’ para os meninos brincarem. O problema é que eles não cuidavam bem dela. Muitos não devolviam as bolas, levando-as pra casa. Tinham até uma tática para driblar os zeladores e vigias da praça. Chutavam pra longe, iam até lá e escondiam a bola, depois diziam que ela tinha sumido. E assim acabaram-se as bolas disponíveis. Quem chega agora ao local tem que se contentar em providenciar a redonda. Afinal, o governo não é fonte inesgotável de bolas.

Novas bolas podem até ser adquiridas. Só que, se os garotos não se conscientizarem e, sobretudo, não conscientizarem uns aos outros de que não podem levar a bola pra casa, que ela pertence à praça, então as novas bolas também não devem durar muito. Uma pena!

Uma boa ideia seria fazer uma oficina para a confecção de bolas com materiais caseiros. Talvez se os adolescentes aprendessem a fazer suas próprias bolas, quem sabe eles parariam de pegar as que são disponibilizadas pela administração da praça.

Depredação pública, as reclamações são dos dois lados
Se a garotada reclama que não tem bolas, que a água não é gelada o suficiente, que deveriam cuidar mais das quadras de areia e de vôlei e ainda da falta de policiais por perto, certamente quem trabalha nas praças da Juventude I e II também tem do que reclamar…dos jovens. Luciana Alves de Souza Silva mora na Cidade do Povo e trabalha desde que a praça I foi inaugurada como zeladora. Ela menciona que o público de dia é mais tranquilo. Só que à tarde e à noite alguns meninos mais ‘pra frente’ querem dar uma de baderneiros. Muitas vezes, tentam até destruir pequenas coisas na praça quando ninguém está olhando. Um lado lamentável da juventude!

Dados técnicos sobre as praças da Juventude
A Praça da Juventude possui uma área de 7,63 mil m². Tal espaço é preenchido por: um teatro de arena com capacidade para 100 pessoas; quadra poliesportiva de 15m x28m; quadra de vôlei de areia; banheiros e vestiários feminino e masculino, além de um WC para portadores de necessidades especiais, e um depósito para materiais esportivos e outro para produtos de limpeza; um centro de convivência com administração, sala de ginástica e de reunião, biblioteca, sala da 3ª idade e banheiros. Na área externa, a praça tem playground, calçadas de acesso, bicicletário, gramado e um totem, um espaço multiuso e pista de caminhada de 530 metros.

Foi feita com pisos de cerâmica, forro em PVC e isopor, portas de madeira, portas de acesso e janelas de vidro, grades e grades de proteção com metal, coberturas de telhas também metálicas, tem instalações elétricas e hidro sanitárias, redes lógica e de telefonia, tem um belo projeto de paisagismo e de comunicação visual, além de ter instalações apropriadas para a prevenção e combate a incêndios e a situações de pânico generalizado.

A Praça da Juventude II tem uma área de 7,63 mil m², dos quais 2,34 m²são de área construída. Tem um teatro de arena com palco elevado e capacidade para 100 pessoas. Possui quadra poliesportiva, quadra de vôlei de areia, banheiros e vestiários feminino e masculino, além de um WC para portadores de necessidades especiais, e um depósito para materiais esportivos e outro para produtos de limpeza. Na sua área externa, tem pista de caminhada de 500 metros, bicicletário, playground e gramado. A praça também tem uma escola que serve como creche para crianças temporariamente, enquanto a creche da prefeitura não fica pronta. No futuro, lá será a sede do Centro de Referência de Assistente Social (Cras) da Cidade do Povo.

Com um olhar técnico, as duas praças são parecidas. Só que, com uma visão mais generalizada é possível ver as diferenças entre as duas. A primeira praça tem um aspecto visual diferenciado e é a preferida dos frequentadores da Cidade do Povo. O local já funciona há quase um ano, praticamente desde que foi inaugurado empreendimento. Foram necessários R$ 2,498 milhões para a sua construção, adquiridos através do programa de contrapartida do PAC/MCMV (CPAC).

A segunda praça é mais recente. Abriu em maio. Como as casas que ficam ao seu lado ainda não foram inauguradas (ou seja, não tem moradores por perto), a praça ainda tem menos frequentadores do que a primeira. Seu investimento foi de R$ 2,424 milhões. São 74 mil a menos, mas que não fazem nenhuma diferença na qualidade da estrutura da praça II. Ela é tão boa quanto à primeira. Também é ideal para o lazer, prática de exercícios e para a recreação.

Esta foi à contrapartida que o poder público deu para que a comunidade da Cidade do Povo pudesse ter o lugar certo para recreação de seus jovens; para que eles cresçam em uma área bonita, limpa, repleta de várias atividades e longe das drogas. E continua dando todo mês, para arcar com os custos de manutenção das praças. O mínimo que se pode fazer em troca é cuidar do lugar que se tem. Se há problemas, a comunidade é a primeira que deve ajudar a resolver.

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