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Prefeituras acreanas perdem milhões no FPM e revelam necessidade de ações governamentais


Crise. Falar em economia ficou quase impossível sem mencionar esta palavra. As limitações financeiras são visíveis em todo o país, especialmente para o poder público. No Acre, não seria diferente. O governo e setor privado tentam driblar este problema como podem. Só que o mesmo ficou praticamente inviável para as prefeituras acreanas. E nem disfarçam. Estão totalmente afundadas em difíceis condições financeiras, inadimplentes e sem capacidade de receber a sua maior fonte de renda mensal: o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

São milhões e mais milhões de reais (isso mesmo, leitor, milhões, não confunda com milhares) que as prefeituras acreanas estão deixando de ganhar por conta das deduções que estão sendo feitas em cima dos valores de FPM que as prefeituras do Estado deveriam ganhar. Cifras que fazem toda a diferença na hora de gestores municipais tentaram fechar suas contas no fim do mês. E este conjuntura revela que estas prefeituras sofrem mais do que uma crise nacional, internacional ou regional. Elas são vítimas de um cenário local adverso. As suas próprias crises.

E não adianta falar em crise e nem em milhões de reais perdidos, sem mencionar números. Por isso, é preciso entender, com as devidas cifras, as perdas dos municípios.

Nos seis primeiros meses deste ano, já foram R$ 104,071 milhões que foram abatidos do valor bruto que as prefeituras receberiam de  FPM. De fato, as 22 prefeituras deveriam receber R$ 226,598 milhões. Mas, devido a inadimplências com determinados critérios do Governo Federal para o cálculo dos repasses do fundo, elas tiveram os 104 milhões deduzidos e receberam R$ 122,526 milhões. Em outras palavras, elas perderam quase a metade.

Algumas prefeituras tiveram mais deduções. Outras menos. No entanto, todas perderam uma boa quantia do FPM. Rio Branco, por exemplo, deveria receber R$ 129,681 milhões nos seis primeiros meses deste ano. Recebeu apenas R$ 82,990 deste valor. Ou seja, foram deduzidos 36% (R$ 46,691 milhões) dos repasses do fundo para a Capital. A segunda maior cidade do Acre, Cruzeiro do Sul, deveria ganhar R$ 10,995 milhões do FPM no 1º semestre. Recebeu R$ 2,331 milhões. Deixou de receber R$ 8,664 milhões. Uma perda absurda de 78,8% do repasse.

Até Sena Madureira, Tarauacá (ambas deveriam ganhar R$ 7,584 milhões), Feijó (R$ 6,742 milhões) e Acrelândia (R$ 4,213 milhões) receberam mais do que a maior cidade do Juruá. Sena recebeu R$ 2,991 milhões (perda: 60,5% ou R$ 4,593 milhões). Tarauacá recebeu R$ 4,2 milhões (perda: 44,67% ou R$ 3,384 milhões). Feijó recebeu R$ 4,221 milhões (perda: 37,39% ou R$ 2,521 milhões). Acrelândia recebeu R$ 2,444 milhões (perda: 38,5% ou R$ 1,769 milhões).

Este é o quadro da maioria das prefeituras, com perdas percentuais do FPM sempre acima dos 30%. Mais de um terço do que recebem é deduzido. Em alguns casos, como o de Cruzeiro pode constatar, esta perda é de mais de dois terços. As melhores situações mesmo são: Rio Branco (já mencionado), Feijó (já mencionado), Porto Walter (deveria receber: R$ 3,371 milhões; recebeu: R$ 2,111 milhões; perda: 37,37% ou R$ 1,26 milhões), Acrelândia (já mencionado), Rodrigues Alves (deveria receber: R$ 4,213 milhões; recebeu: R$ 3,259 milhões; perda: 22,64% ou R$ 954 mil), e Xapuri (deveria receber: R$ 5,056 milhões; recebeu: R$ 3,054 milhões; perda: 39,59% ou R$ 2 milhões).  E são melhores só por estarem abaixo dos 40% de perda. Porque se for considerar as cifras, estas prefeituras também deixaram de ganhar valiosos milhões.

Além de Cruzeiro do Sul, outras cidades em situação bem crítica são: Manoel Urbano (deveria receber: R$ 2,528 milhões; recebeu: R$ 289 mil; perda: 88,57% ou R$ 2,239 milhões), Jordão (deveria receber: R$ 2,528 milhões; recebeu: R$ 462 mil; perda: 81,72% ou R$ 2,066 milhões), Porto Acre (deveria receber: R$ 4,213 milhões; recebeu: R$ 997 mil; perda: 76,3% ou R$ 3,216 milhões), Plácido de Castro (deveria receber: R$ 5,056 milhões; recebeu: R$ 1,2 milhão; perda: 76,2% ou R$ 3,85 milhões), e Senador Guiomard (deveria receber: R$ 5,056 milhões; recebeu: R$ 1 milhão; perda: 80,2% ou R$ 4,055 milhões).

Vale frisar que todos estes dados são de janeiro a junho, o primeiro semestre deste ano.

Chega até a ser inacreditável que prefeituras como as de Manoel Urbano e do Jordão tenham sobrevivido por ‘longos’ seis meses com apenas R$ 289 mil e R$ 462 mil de FPM. E aí fica a pergunta: como pagar as contas de uma máquina pública municipal inteira com apenas isso?

Balanço do último mês – O mês de junho demonstra bem as perdas do FPM. Na 1ª parcela de repasses, 10 prefeituras ficaram absolutamente zeradas. Assis Brasil, Jordão, Manoel Urbano, Porto Acre, Epitaciolândia, Plácido de Castro, Senador Guiomard, Sena Madureira, Brasileia e Cruzeiro do Sul não receberam nada do fundo. Na 2ª parcela, Manoel Urbano (uma das prefeituras na pior situação das deduções do FPM) foi à única que ficou zerada, e várias outras tiveram abates. Na 3ª parcela, novas deduções.

Ao todo, as 22 prefeituras acreanas deveriam ter recebido R$ 37 milhões de FPM no mês passado. Mas receberam só R$ 20,6 milhões. R$ 16,4 milhões foram ‘perdidos’.

A já citada Manoel Urbano só recebeu R$ 26,259,85 no mês inteiro. Jordão só recebeu R$ 89,2 mil e Assis Brasil R$ 92,5 mil. Menos de R$ 100 mil as três. Rio Branco deveria ter recebido R$ 21,229 milhões, mas só ficou com R$ 13,585 milhões (perda: R$ 7,644 milhões). Cruzeiro do Sul deveria receber R$ 1,793 milhão. Recebeu R$ 500,6 mil.

Precisam da ajuda do governo

Polanco: 7 causas podem tornar prefeituras inadimplentes. (Foto: Secom Acre)

O FPM é o valor repassado pela União aos Estados (incluindo o Distrito Federal) e principalmente aos municípios. É um repasse calculado em cima do que é arrecadado a partir do imposto de renda e do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). É o recurso que sustenta  as prefeituras, com três parcelas mensais. Mas como sobreviver com zero e/ou com tão baixas cifras de FPM?

O conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE/AC), Ronald Polanco, responde esta pergunta. De acordo com ele, com as perdas do FPM, as prefeituras acabam sendo sustentadas com os percentuais que o Governo do Acre repassa de outros impostos estaduais: ICMS e IPVA. Só que estas verbas não são suficientes para manter uma máquina pública apta a pagar as suas dívidas mensais (em especial, a folha de pagamento) e, ao mesmo tempo, conseguir investir mais para resolver problemas nas cidades. Assim, o prefeito tem que optar pelo famoso ‘aperto’ nas contas.

“Existem sete causas que acarretam na perda dos repasses do FPM. Se as prefeituras estiverem inadimplentes com qualquer uma delas, vai haver uma redução imediata para arcar com estas faltas. Aqui no Acre os dois itens aos quais as prefeituras mais têm inadimplências são o fundo previdenciário e o de garantia. Estes são os que mais provocam a crise local”, explicou Polanco.

Se fosse feita uma comparação com o setor privado, as empresas seriam as prefeituras e o FPM seria os clientes delas. Com muitos débitos todo mês e poucas entradas de capital de seus clientes, significaria que estas empresas estariam funcionando com mais despesas do que lucros. Uma condição financeiramente insustentável. Logo, não restaria outra opção à empresa a não ser fechar. Só que uma prefeitura não é uma empresa. Ela pode até estar falida, com quase nenhuma verba. Só que não pode simplesmente fechar. Nem se omitir de suas obrigações.

Além do mais, uma cidade não para diante das dificuldades financeiras da gestão municipal. Um lugar só se desenvolve se a população tiver anseios atendidos, como, por exemplo, geração de emprego e renda, políticas públicas sociais, limpeza urbana, obras de infraestrutura (ninguém quer morar numa cidade toda esburacada, com praças e outros espaços públicos deteriorados). Se estes investimentos não são feitos, a cidade sofre, o povo sofre e problemas só aumentam.

E é neste ponto que entra a participação do governo estadual. O conselheiro do TCE acredita que por estarem de mãos atadas para promoverem grandes investimentos em suas cidades, as prefeituras acabam recorrendo muito ao Estado. E muitas vezes o governo tem que pagar por uma conta que não é sua, assumindo a frente de obrigações que deveriam ser do município. E, caso não o faça, quem acaba ‘pagando o pato’ é a população.

Uma bola de neve
Como a maioria das coisas na economia, a crise nos repasses do FPM também um problema antigo e acumulativo. O conselheiro do TCE, Ronald Polanco, explica que esta dificuldade das prefeituras em se manterem adimplentes o ano inteiro para receber o fundo vem desde a metade da década de 1980. Ou seja, já perdura há 30 anos. E, neste tempo todo, já ficou tão crítica que chegou a ocasionar décadas perdidas de desenvolvimento para certos municípios acreanos.

“O problema não é de agora. Não vem destes mandatos dos prefeitos. Eles já pegaram as prefeituras nestas circunstâncias. É uma herança de gestões passadas. E a questão é que não estão conseguindo reverter este quadro porque muitos gestores não sabem onde está o desafio de lidar com esta situação. Esbarram na burocratização e outros obstáculos. Desde o começo da democracia, em 1985, até 2000 houve um grande inchaço da máquina pública. A partir da Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF), isso começou a mudar. Só que nem sempre esta lei é seguida”, frisou Polanco.

Como exemplos, ele citou que a LRF estipulou um teto para que as administrações públicas não gastassem mais do que deveriam do seu orçamento com pessoal. Só que, durante muito tempo, poucas prefeituras respeitaram este seu limite. Outro erro: as gestões municipais, no passar do tempo, também consumiram muitos materiais de consumo. Quase nunca economizaram.

Neste sentido, as dívidas foram aumentando e aquelas 7 exigências para ficar adimplente para receber o FPM integralmente começaram a ficar inviabilizadas de serem cumpridas. Resultado: começaram as deduções no repasse que mais sustentava as prefeituras. E a inadimplência custa caro. Muito caro. Ao invés de buscarem uma forma de sanarem as dívidas dos fundos desde o começo (exemplo: empréstimos), os prefeitos à época foram acumulando as dívidas, com taxas de juros altíssimas. Ronald detalha que só na do fundo do INSS, a taxa gira em torno dos 12%.

Os juros tão altos só contribuíram para a seguinte relação: inadimplência maior, FPM menor. E o pior: esta bola de neve não para de crescer. A cada mês, fica maior. Uma prova disso é comparar as perdas do FPM no 1º semestre deste ano com o mesmo período de 2014. Como já foi citado, em 2015, as prefeituras perderam R$ 104 milhões do recurso. Em 2014, as prefeituras deveriam receber R$ 215,5 milhões, mas sofreram R$ 123,9 milhões em deduções. Isto é, devido à inadimplência (sempre ela), as 22 prefeituras juntas perderam R$ 91,6 milhões entre janeiro a junho do ano passado. Em um ano, as perdas cresceram quase R$ 12 milhões.

Alternativas para fugir da crise
Apesar do cenário econômico difícil e da visão pessimista ao se olhar para os milhões perdidos nas deduções do FPM, Ronald Polanco alerta que é possível sair da crise. Ou pelo menos tomar certas medidas para começar a contorná-la. Foram décadas de falhas e de inadimplências na gestão pública que levaram às prefeituras até a conjuntura atual. Portanto, sair desta mesma situação não será possível da noite para o dia. Será preciso planejamento e ações acertadas.

Seguindo esta linha de raciocínio, o conselheiro conta que o Tribunal de Contas tem insistido em orientar as prefeituras a para se tornarem mais eficiente nas suas finanças. Rever as prioridades nos gastos públicos e cortar toda a famosa gordura possível, principalmente com despesas fixas (gastos com pessoal e com materiais de consumo/expediente). As visitas da equipe do tribunal às prefeituras em situação mais complicadas têm sido bem recebidas.

“A preocupação no momento é reverter esta situação de crise aos poucos. O grande foco daqui pra frente é tentar estar e se manter em dia com os encargos sociais. As prefeituras passam por problemas, mas também é possível ver boas práticas. Alguns prefeitos estão fazendo o que podem para alcançar a adimplência e voltar a investir em melhorias para a população. Algumas das que estão neste caminho são Rio Branco, Rodrigues Alves, Porto Walter, Brasileia, etc”, concluiu Polanco.

O TCE também vai oferecer um curso de MBA em governança pública e gestão administrativa, ideal para gestores. Será um curso de educação à distância (EaD), de formação continuada, e que deve ser lançado em agosto, junto com o programa Educação Infoco. O custo dele é de R$ 960 e que pode ser parcelado em 15 vezes. O curso terá vários eixos, entre eles: prestação de contas municipal; governança pública e administração consensual; instrumentos de controle social da administração; sistema de controle interno; auditoria interna e fiscalização; auditoria governamental; bens públicos; direito administrativo e governança pública; teoria geral das licitações; pregão presencial e eletrônico; regime previdenciário dos servidores, e muito mais.

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