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Transtorno bipolar: a vida na montanha russa

O psiquiatra Paulino aponta dois extremos da bipolaridade: a euforia e a depressão. (Foto: Bruna Melo/ A GAZETA)

Primeiro vem à euforia, sensação de poder, extrema autoconfiança, vontade de cantar para o mundo. Em seguida, desânimo, angústia, falta vontade de viver. Uma verdadeira montanha russa de sentimentos. A primeira impressão é de que se trata de duas pessoas, uma eufórica e outra depressiva. No entanto, trata-se da mesma pessoa – alguém que sofre de transtorno bipolar.

O transtorno bipolar, doença psiquiátrica, atinge 8% da população brasileira. A doença  é caracterizada pela alternância de humor, com picos de depressão e mania (o oposto da depressão). As mudanças podem acontecer repentinamente, por isso muitos portadores não percebem essa mudança, ou consideram como alterações de humor causadas por um fator momentâneo.

Segundo o psiquiatra José Rosa Paulino, o transtorno bipolar é uma doença antiga. No século I, depois de Cristo, alguns estudiosos já descreviam a enfermidade. Na época, a doença era chamada de ‘Maníaco Depressiva’. “Esse termo bipolar foi colocado exatamente para dizer que existem dois polos, um negativo e outro positivo. Um tem coisas de menos e o outro coisas demais”, disse.

A bipolaridade se apresenta de várias maneiras, e pode ter sintomas diferenciados de acordo com o polo, de depressão ou mania. Alguns dos sintomas de episódios de euforia são: gastos excessivos, pensamento acelerado, aumento da energia e disposição, otimismo exagerado, aumento da auto-estima, falta de senso crítico, insônia; em casos mais graves, abuso de álcool e drogas, delírios e alucinações, comportamentos inadequados e etc.

Os episódios de depressão se caracterizam por: isolamento social e familiar; aumento de sono, alteração do apetite, sentimento de medo, insegurança, desespero e vazio; dificuldade de concentração, pessimismo ou, ainda, dores e problemas físicos, dores no corpo e pressão no peito entre outros.

A doença é ocasionada, entre outros motivos, pelo fator genético, ou seja, pode ser uma doença hereditária. A causa exata ainda é desconhecida. “É uma doença que tem uma marca de hereditariedade, por exemplo, tive um caso de gêmeas. Uma foi educada aqui (Rio Branco/Acre), a outra em São Paulo/SP, elas desenvolveram a doença na mesma época. Como todo adoecer mental, os fatores externos, como traumas e estresse que a pessoa sofre, também podem desenvolver a doença”, explicou o psiquiatra.

Quando procurar tratamento?
De acordo com o Dr. Paulino, um especialista deve ser procurado quando esse conjunto de sintomas começa a atrapalhar a vida da pessoa. “Se a sua produção, seu trabalho, seu relacionamento dentro e fora de casa for afetado, este é o momento para procurar tratamento”, completou.

A combinação de medicamentos com psicoterapia é o método mais adequado para tratar o Transtorno Bipolar. Quanto mais cedo a pessoa for diagnosticada e fizer terapia adequada, melhor será sua recuperação, manutenção e qualidade de vida. Além disso, o conhecimento da doença e do processo de recuperação pelo paciente é importante.

“Do nada eu estou cantando, logo depois fico depressivo”
O assistente administrativo, P.C, de 28 anos, descobriu que sofria de Transtorno Bipolar em 2011. Ele já fazia terapia com uma psicóloga, porém, o ‘diagnóstico’ era sempre o mesmo: apenas sua personalidade. Após tentar suicídio, P.C procurou um psiquiatra, e foi diagnosticado como portador de Transtorno Bipolar. “Meu maior problema foi que eu não conhecia a doen-ça. Eu não conseguia identificar o que eu tinha. Para mim, era depressão, eu estava muito mal”, contou.

Nessa época, o assistente administrativo estava na fase depressiva da doen-ça. “Não tinha vontade de nada, não conseguia levantar da cama, mesmo que eu dormisse muito eu não conseguia acordar, e se eu dormisse pouco também não. Para mim nada fazia sentindo, as coisas não eram legais, nada era bom. Nem a luz do sol eu gostava”, relatou o que sentia.

Após o diagnóstico, P.C. iniciou o tratamento com remédios e acompanhamento psiquiátrico. Ficou 15 dias afastado do trabalho. Em decorrência dos medicamentos, P.C. sentiu os efeitos colaterais: dores no corpo e perda do paladar. “Quando descobri a doença, fiquei muito mal, porque não tem cura. Então foi gradativo com o remédio. Comecei tomando três por dia, no final do tratamento eu estava tomando uns nove”, falou.

Um pouco sem graça, o assistente administrativo admite que no começo, logo após descobrir a doença, ele se entregou e se deixou levar. “Eu vi que os remédios estavam me fazendo muito mal, são muito fortes. Então eu parei de tomar o remédio, mesmo sem a recomendação do médico. Eu decidi que conseguiria, e estou assim até hoje, às vezes estou bem, mas tenho algumas recaídas e volto a tomar o remédio”, expôs.

As recaídas são facilmente identificadas por P.C., os picos de euforia, cantar sem motivos, esbanjar alegria e logo depois ficar triste, quieto, calado. Para ele, o momento mais difícil do dia é o horário de dormir, no período da noite. “Hoje eu conto muito com a ajuda dos meus amigos e dos meus pais. Quando não ‘tô’ bem à noite, vou pro quarto dos meus pais, conversar e até dormir com eles”, acrescentou.

“Muita gente acha que a bipolaridade é ter dupla personalidade”, desabafou P.C.

Durante a conversa, o assistente administrativo fez um desabafo. Ele conta que a maioria das pessoas não conhece a doença e, por isso, acredita que sejam apenas pessoas ‘duas caras’, ou seja, de dupla personalidade. “Quando eu conto, as pessoas falam: Ah! Todo mundo tem duas pessoas dentro de você. Não é isso. A bipolaridade é uma alternância de humor. É uma coisa que não tem explicação. Você fica feliz porque a água está gelada. E aí quando você vai tomar a água se ela não estiver boa, você quer morrer, nada mais faz sentido. É uma questão de saúde mental, é uma doença”, desabafou.

Aos poucos P.C. foi aprendendo a conviver e controlar a doença. Fazer pequenas coisas, como dirigir, muitas vezes é complicado. Alguns sentidos são afetados pelo transtorno. “Tem horas que eu não consigo dirigir. Antigamente, eu me desesperava, chorava e pensava: todo mundo consegue dirigir, e eu não! Hoje, quando não consigo dirigir, eu peço para meus pais ou ligo para um amigo”, exemplificou P.C.

Por fim, o assistente administrativo falou da surpresa de ver, quando ia se consultar, muitas pessoas conhecidas na cidade, pessoas que ele nunca imaginou sofrer de alguma doença mental, também procurando por tratamento. “A gente acha que não tem muita gente, mas tem. Meus pais sempre preservaram muito minha imagem. Eu frequentava a terapia em um horário diferenciado. E lá eu vi muitas pessoas que eu conhecia e não sabia que elas também tinham. E elas foram me mostrando que dá para conviver com o transtorno”, finalizou.

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