Poucas pessoas sabem o que está por trás da doação de um órgão. Se indagadas, as pessoas vão dizer, no máximo, que deve haver alguém doente necessitando de um órgão e um falecido, cuja família se proponha à doação desse órgão – o que é verdadeiramente certo, mas não é só isso. Às vezes, a doação é feita por alguém que goza de saúde e que, em solidariedade a um parente, decide doar um de seus rins ou parte de seu fígado, por exemplo. O que a grande maioria das pessoas não sabe é que há um complexo de normas reguladoras que devem ser seguida por todos os profissionais (e não são poucos) que trabalham 24 horas por dia a serviço da doação e do transplante.
Uma família, por exemplo, somente pode ser entrevistada para se saber se pretende doar o órgão do paciente, quando ocorre a morte encefálica (neste ano, 50 mortes encefálicas foram notificadas no Acre), ou seja, quando as suas funções cerebrais mostram-se irreversíveis, totalmente comprometidas, fato comprovado por meio de diagnóstico que se estabelece após dois exames clínicos, com intervalo de no mínimo seis horas entre eles, realizados por profissionais diferentes. Somente após essa constatação, os profissionais da Organização de Procura de Órgãos (OPO) estão autorizados a abordar a família do falecido para verificar a possibilidade e o desejo sobre a doação dos seus órgãos e tecidos.
Trata-se de uma tarefa difícil, pois esta entrevista é feita logo após a família receber a dolorosa informação de que seu ente querido já não vive mais. É nessa circunstância, com a família às vezes em choque, que os profissionais da OPO tentam sensibilizar a família do falecido de que ela pode ajudar outras pessoas que sofrem por algum problema de saúde. Por isso, é muito alto o número de recusas, uma vez que nesse instante a família, enlutada, de regra, sente-se abalada e insegura para decidir pela doação. Enquanto isso, do outro lado dessa situação, há um outro drama: o das pessoas que aguardam em uma fila, dias, meses e anos, por um rim ou por um fígado, entre outros órgãos.
O Acre, graças à obstinação do governador Tião Viana e de um grupo de profissionais ligados à doação e transplante, iniciou os primeiros transplantes, em 2006. Começou com o transplante de rim, com doador vivo relacionado. Depois passou a fazer transplante de córnea. Em 2014, deu início ao transplante de fígado. E, neste ano, foi credenciado o transplante de pâncreas e conjugado de rim-pâncreas. Na região Norte, o Acre é o único que mantém seu programa de transplante de fígado ativo. Já foram realizados, ao todo, 228 transplantes, sendo 148 de córnea, 72 de rim e oito de fígado. Antes do início dos transplantes no Acre, esses pacientes eram encaminhados para outros estados do país. Vejamos, então, os avanços!
No Hospital das Clínicas (HC) de Rio Branco, há cerca de 270 pacientes que submetem-se, três vezes por semana, à hemodiálise – processo em que uma máquina faz o papel dos rins, filtrando o sangue e eliminando, por meio da urina, as toxinas e o excesso de água no organismo. Para atender esses pacientes, o HC coloca as máquinas para funcionar durante seis dias da semana em quatro turnos, que têm início às 5 horas da manhã e vai até 1 hora da madrugada do dia seguinte.
São para estes cidadãos acreanos, pacientes das equipes de córnea, rim e fígado, que a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO/Acre) e a OPO trabalham. Apesar de todo o esforço das equipes médicas e do Governo do Estado para manter o serviço, o Acre ainda lidera o ranking nacional de recusa familiar para doação de órgãos (cerca de 75% não doam). Por isso, é importante que você fale para a sua família que é doador de órgãos e que sua família respeite a sua decisão. A doação de órgãos é também doação de vida, pois devolve saúde a quem recebe o transplante.
* Regiane Ferrari
Psicóloga e coordenadora da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO/Acre).