Como o assunto de mudanças climáticas tem implicações ambientais, sociais e econômicas enormes, decidimos escrever alguns artigos sobre alguns conceitos básicos da ciência de mudanças climáticas, ou melhor dizer das ciências, porque o assunto é complexo e envolve desde da fisica até a ecologia, passando pela meteorologia e climatologia. Vamos começar com algo aparentemente simples, o gás carbônico e a mudança na sua concentração na atmosfera.
O gás carbônico ou dióxido de carbono ou CO2 é um gás traço na atmosfera medido em concentrações de partes por milhão, abbreviado ppm. Mas mesmo sendo um gás traço as mudanças na sua concentração deixam a maioria dos cientistas atmosféricos aflitos. Mas por quê tanta preocupação?
Na escola, aprendemos que plantas absorvem gás carbônico durante a fotossíntese, transformando-o em plantas e alimentos. Cerca da metade do peso seco de árvores da Amazônia é constituído de carbono oriundo de gás carbônico, cerca de 100 a 200 toneladas de carbono por hectare. Aliás, sem o gás carbônico não existiria a vida como a conhecemos. O acúmulo de plantas mortas em sedimentos durante dezenas a centenas de milhões de anos criou depósitos de carvão, petróleo e gás natural – combustíveis fósseis que estamos usando como fonte de energia – que vamos discutir um pouco a frente.
Voltando ao gás carbônico: ele é um gás que absorve energia termal e aumenta a temperatura da atmosfera e consequentemente do planeta. Graças a Deus que ele tem esta propriedade! Se não, a Terra sem o gás carbônico teria uma temperatura média de -18 graus C e seria uma bola de neve. Estamos aqui por causa de um efeito estufa natural.
A preocupação dos cientistas é que a extração e queima de combustíveis fósseis nas últimas décadas está liberando gás carbônico na atmosfera e aumentando significativamente a sua concentração, amplificando o efeito estufa natural.
Alguns duvidam que isto está acontecendo, alegando que os fluxos naturais entre os oceanos e florestas vis a vis a atmosfera são tão grande, na escala de 200 bilhões de toneladas de carbono (BTC) por ano, comparado a 9 BTC por ano oriundos da atividade humana (queima de combustíveis fósseis e de desmatamento), que não é possível ver o efeito da atividade humana.
Neste caso os duvidosos confundiram fluxos cíclicos com fluxos incrementais. Os grandes fluxos são principalmente o resultado de processos cíclicos. Por exemplo, mais de 100 BTC por ano circulam por causa de crescimento de plantas nos continentes do hemisfério norte durante o verão que depois decompõem no inverno. Mas os fluxos de atividade humana estão sempre incrementando, ano após ano.
Talvez um analogia ajudaria a entender o processo. O sangue circula num adulto em torno de 5 litros por minuto ou seja, 300 litros por hora. Uma perda de somente um porcento durante uma hora, 3 litros, parece insignificante, mas levaria a pessoa a morte.
Voltando ao caso do gás carbônico, podemos ver o efeito dos fluxos cíclicos e incrementais na concentrações de gás carbônico medidas em dezenas lugares do mundo na Figura 1. Apesar de ter subidas e descidas durante cada ano, de ano em ano a concentração do gás carbônico está subindo numa taxa de 2 ppm ao ano nos últimos anos.
Podemos estimar quanto carvão, petróleo e gás natural foram extraídos desde o século 17 e liberado na atmosfera. Este total seria cerca de 500 BTC. Se tudo tivesse ficado na atmosfera a concentração teria subido de 280 ppm para mais de 500 ppm. Atualmente a concentração média global em agosto foi medida na ordem de 399 ppm, cerca de 100 ppm a menos do esperado. O que aconteceu?
Durante os últimos séculos os oceanos e florestas absorveram grandes quantidades de gás carbônico, um assunto que vamos tratar em artigos futuros. Mesmo assim, a concentração de gás carbônico está aumentando cerca de 2 ppm ao ano.
Existem outros dados que confirmam os cálculos e medidas. A redução de oxigênio em teores equivalente ao aumento de gás carbônico indica que o aumento vem de queima de combustíveis fósseis e não fontes vulcânicos. A mudança da composição isotópica do gás carbônico na atmosfera nos últimos anos reforça a conclusão que a queima de combustíveis fósseis foi a principal fonte do aumento de gás carbônico na atmosfera. O aumento da temperatura dos oceanos não é suficiente para explicar o aumento de gás carbônico na atmosfera.
Em suma, o aumento do gás carbônico oriundo de atividades humanas é confirmado por múltiplas linhas de evidência. Este aumento desde o século 17 tem sido cerca de 120 ppm, 40% a mais do que quando a revolução industrial iniciou. Quando o primeiro autor nasceu a concentração de gás carbônico era 315 ppm, portanto durante a vida dele a concentração subiu 85 ppm para o atual de quase 400 ppm. Se continuar a subida recente de 2 ppm por ano, nos próximos 25 anos até o ano 2040 teríamos 450 ppm de gás carbônico na atmosfera.
Os impactos da situação atual e no futuro próximo deste aumento vai depender da influência do gás carbônico no balanço de calor da Terra, o assunto para o próximo artigo.
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Para quem quer saber das fontes de informação, solicite via o email: agazeta.jornal@gmail.com.
*I. Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Risco de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).
* Miguel Gustavo Xavier, Professor do Centro de Ciencia Biologicas e da Natureza e pesquisador do Grupo de Gestão de Risco de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ), UFAC.