Como escrevemos no artigo do dia 15 de setembro, a concentração de gás carbônico ou CO2na atmosfera está aumentando de maneira acelerada nas últimas décadas, principalmente por causa da queima de carvão mineral, gás natural e petróleo. Mas se o gás carbônico é fundamental para a fotossíntese, a base da vida no nosso planeta, por que tanta preocupação com este gás nas mudanças climáticas?
Um aumento na concentração do CO2afetaria o balanço global de carbono de florestas como a Amazônia. Deste aumento seria esperado que o CO2 servisse como “adubo” para o ecossistema, fertilizando e aumentando a produtividade da floresta tropical, porém uma pesquisa em florestas tropicais em Costa Rica não detectou um aumento significativo de produtividade em 12 anos.
Mais relevante para a nossa discussão, porém, seriam os impactos associados à retenção por CO2 de energia absorvida oriunda do sol e reemitida pela Terra. O nosso planeta mantêm a sua temperatura recebendo energia (calor) do Sol. Sem o Sol, a nossa temperatura seria perto do zero absoluto Kelvin, ou seja, -273 graus Celsius, a menor temperatura possível prevista pela Ciência. Qualquer objeto acima deste temperatura emite calor, chamado radiação termal. Quem já dormiu em rede num seringal tem experiência nisso!
No início da noite você pode estar sem cobertor, mas durante a madrugada a temperatura vai baixando devido a emissão desta radiação termal, e por volta das 4:00 AM um cobertor se torna bem-vindo. Quando o Sol nasce, a temperatura volta a subir. Este balanço de radiação termal, com a entrada de radiação solar e sua saída para o espaço, é o principal fator que influencia a temperatura na Terra.
O gás carbônico e outros gases com três ou mais átomos são fundamentais para retardar a saída desta radiação termal da atmosfera, criando o chamado efeito estufa. Como presentado no artigo anterior, sem o CO2o planeta seria uma bola de gelo.
Mas a diferença entre um remédio e um veneno está somente na dosagem (o alquimista Paracelso já popularizava este jargão). Se estamos aumentando a dosagem do gás carbônico através da contribuição antrópica a cada ano, o equilíbrio dinâmico que envolve o planeta como um todo também será afetado por esta contribuição.
A figura mostra os fatores naturais e antropogênicos (oriundo de atividades humanas) que estão aquecendo ou resfriando a Terra. Como se pode ver o aumento da concentração de CO2 é o principal fator de aquecimento. Estes dados são parte de um capítulo de 80 páginas e mais de 500 referências produzido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas para quem quer saber mais.
Alguns incrédulos acreditam que a quantidade de CO2 da atmosfera já saturou com a radiação termal e que um aumento na concentração deste gás seria devido às contribuições antropogênicas, não apresentando nenhum efeito significativo sobre as Mudanças Climáticas.
Estes incrédulos estão usando argumentos do século passado sem levar em consideração estudos a partir da década de 1950 que mostram que são argumentos equivocados, tanto em termos da discussão do experimento original quanto em termos da região chave para a captura de radiação termal do planeta.
Esta redução da perda da energia termal para o espaço está causando o aumento do efeito estufa. A região chave para absorção/emissão de radiação termal do planeta está há vários quilômetros acima do nível do mar onde o vapor de água (outro gás de efeito estufa) é reduzido em sua concentração.
Aliás, o vapor de água tem concentrações muito maiores do que a do CO2 próximo da superfície terrestre. Por quê não considerar o vapor de água como mais importante do que gás carbônico, visto que ele se apresenta em maior concentração? A resposta vem das propriedades físico-químicas do vapor de água: ele tem um ciclo de vida curto na atmosfera, medido em dias, se transformando em água liquida ou sólida facilmente.
O vapor de água funciona como amplificador de outros fatores, como a inclinação do eixo da Terra e o próprio aumento da concentração de CO2 que afeta o balanço de energia na atmosfera. Quando a temperatura abaixa, o vapor de água abaixa também e nas regiões polares e temperadas, onde podem ficar no solo como neve, aumentando a refletividade e diminuindo a temperatura.
No caso do um aumento da temperatura, como estamos sentindo no nível global desde da década de 70, a atmosfera pode carregar mais vapor de água, conduzindo o equilíbrio a patamares diferenciados, mas as implicações disto é uma história para um futuro artigo.
Não podemos falar do vapor de água sem notar a sua fonte principal: os oceanos que cobrem mais de 70 % da superfície do nosso planeta Terra. A profundidade média dos oceanos é 3,6Km, com uma temperatura média de cerca de 4 graus Celsius. Dada a importância para vida e sua extensão, talvez o nosso planeta devesse ser chamado Água e não Terra.
Mais de 90 % da energia termal oriunda do efeito estufa causado pelo aumento da concentração de CO2 é incorporada aos oceanos, aumentando a temperatura das águas superficiais. Dependendo dos ventos, tempestades e correntezas, as águas profundas podem se misturar com as águas superficiais afetando a temperatura da atmosfera. Mudanças desta mistura produzem variações na escala de anos na temperatura da atmosfera. Por causa disso, somente olhando a temperatura média global durante décadas podemos verificar esta tendência de aumento.
Durante um El Niño, esta mistura se reduz no Oceano Pacífico resultando em um pico de temperatura global na atmosfera, algo que aconteceu em 1997-98 e provavelmente vai acontecer este ano. A propósito, a temperatura da atmosfera este ano provavelmente será a mais quente em mais de cem anos.
Esta evolução da temperatura nos oceanos e na atmosfera será tópico para os próximos artigos. Afinal nós, nossos filhos e seus descendentes precisaremos lidar com as implicações desta evolução durante os próximos cem anos e além.
Para quem quiser conhecer as fontes de informação citadas, por favor solicite uma cópia deste artigo com referências através do e-mail: agazeta.jornal@gmail.com.
*I. Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais do Acre (CEGdRA).
*Miguel Gustavo Xavier, Professor do Curso de Licenciatura em Química do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza, e pesquisador dos grupos de pesquisa de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) e de Nanociência, Nanotecnologia e Nanobiotecnologia (NNN) da UFAC.